Título: Lamy ataca propostas da Unctad sobre políticas públicas
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2006, Brasil, p. A5

A adoção de certas políticas públicas para desenvolver a indústria e diversificar as exportações, que tem provocado controvérsias dentro do governo Luiz Inácio Lula da Silva, causa agora confronto também entre duas organizações internacionais especializadas em comércio. Pela primeira vez, o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, atacou o relatório anual da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) que reflete idéias que alguns países, como o Brasil, defendiam com ênfase até recentemente.

A Unctad acusa as regras da OMC de cercearem a capacidade de os países em desenvolvimento adotarem políticas públicas para se desenvolver e combater a pobreza. Agora dirigida justamente pelo ex-diretor da OMC, Supachai Panitchpadki, a Unctad sugere aos governos adotarem políticas industriais com instrumentos hoje proibidos pela OMC, como subsídios condicionados a desempenho exportador e utilização de componente nacional em detrimento de produtos importados, além de flexibilidade para subir e baixar tarifas de importação.

Proposta nesse sentido foi levada à OMC no começo do governo Lula e no debate sobre política industrial foi defendida por uma parte do Itamaraty, com alguma simpatia do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Mas observadores de Brasília decretam que hoje o Ministério da Fazenda ganhou essa briga. Tanto que na OMC, o Brasil está "comportado" já há um bom tempo sobre o tema, comparado ao ruído feito pela Índia.

Convidado pela Unctad a participar do debate anual do conselho de comércio da entidade, Lamy questionou a essência dessas idéias em torno das quais a Unctad agora elevou o tom. Lamy observou que não apenas "espaço" para políticas públicas é importante, mas sobretudo "espaço para boas políticas". Questionou a tese de que as exportações com valor agregado aumentariam se os governos dessem incentivos condicionados a determinado desempenho exportador do beneficiado.

Lamy chegou ontem a indagar se os países em desenvolvimento que tentaram impor essas exigências realmente atraíram investimentos estrangeiros e, se conseguiram, qual foi o preço desses incentivos. Questionou igualmente a tese de que a proibição de dar subsídios industriais freia o desenvolvimento. Ele argumentou que todos os países com renda per capita inferior a mil dólares podem subsidiar exportações, ou seja, estão isentos da regra da entidade - o que não é o caso do Brasil nem da Argentina, por exemplo.

Lamy questionou a queixa de falta de autonomia dos países para poder baixar e aumentar tarifas de importação no contexto de uma política industrial. Argumentou que os países já têm esse espaço, com a diferença entre a tarifa consolidada (o máximo que podem cobrar) e a realmente aplicada.

Lamy minimizou a preocupação de certos países em desenvolvimento sobre o impacto da redução de tarifas nas suas finanças. Ou seja, se baixam as alíquotas, recolhem menos imposto. O diretor da OMC argumentou que países como Brasil, Argentina e China perderiam menos de 5% dessa renda. A exceção é a Índia, com 15%. Só que o problema nesse ponto são os mais pobres.

Países em desenvolvimento costumam reclamar de abusos de medidas antidumping aplicadas por nações industrializadas, para frear suas exportações de produtos como aço. Lamy observou que as nações em desenvolvimento tornaram-se também usuários importantes dessas sobretaxas, principalmente contra outros países em desenvolvimento, já que o comércio Sul-Sul também aumenta.