Título: Governo fala em obstrução
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 10/11/2010, Política, p. 2

Diante dos projetos engatilhados no parlamento para inchar os gastos públicos em mais de R$ 7 bilhões, líder da base aliada no Congresso ameaça adiar a votação do Orçamento para 2011

Está explicado por que o governo atual e o futuro vão brigar juntos no Congresso para evitar a aprovação de reajustes e criação de novos cargos em vários setores da administração pública: é que, pelas contas preliminares feitas até agora pela área técnica do Legislativo, são pelo menos R$ 7 bilhões por ano só para pagar os 56% de reajuste pedido pelo pessoal do Judiciário, valores que não estão incluídos na proposta em análise pelos congressistas. O salário dos parlamentares está no mesmo caso: o aumento como desejam alguns custará aos cofres públicos R$ 135 milhões a mais também não previstos no Orçamento. As emendas constitucionais em discussão que também preveem aumentos não estão contempladas na proposta e nem têm cálculos feitos.

Diante das pressões por aumentos, a líder do governo no Congresso, senadora Ideli Salvatti (PT-SC), avisa: ¿Se quiserem ser irresponsáveis e brincar com o Orçamento, só teremos uma saída: não votar¿, diz ela, ameaçando abertamente obstruir a votação da Lei Orçamentária do primeiro ano do governo Dilma Rousseff e deixar tudo para análise dos novos congressistas que tomam posse em fevereiro.

No que se refere à criação de novos cargos, empregos e funções, o Orçamento de 2011 traz embutido um total de R$ 3 bilhões para todo o ano, segundo os cálculos feitos por técnicos em Orçamento da Câmara. Só os projetos que tratam de tribunais e pessoal do Judiciário são R$ 606,7 milhões. Para o Executivo, os novos cargos representam R$ 2,1 bilhões. Há ainda criação de cargos no Ministério Público da União (R$ 108,3 milhões), no Conselho Nacional do Ministério Público (R$ 13,1 milhões) e no Poder Legislativo (R$ 94,9 milhões).

No quesito ¿estrutura de carreiras e aumento de remuneração¿ são mais R$ 2 bilhões, onde a maior parte se concentra no Executivo ¿ R$ 1,7 bilhão. O Judiciário pediu R$ 242,5 milhões para fazer frente a essas atividades no próximo ano. O Ministério Público da União e o Conselho Nacional do Ministério Público calculam despesa de R$ 63,9 milhões nessas reestruturações e aumentos. O Legislativo não fez essa previsão separadamente, o que pode ser um impedimento para o aumento de salário dos congressistas.

Hoje, o Congresso nem tem mais a justificativa constitucional para garantir uma remuneração maior aos que vão assumir em fevereiro do ano que vem. É que nessa atual Legislatura foi derrubada a exigência de fixar a remuneração para a seguinte. Agora, pode ser feita em qualquer tempo.

Capone Mesmo aquelas despesas que já estão previstas no Orçamento podem ser cortadas se os congressistas assim desejarem. É que muitas delas dependem da aprovação de 17 projetos que tramitam na Câmara. E se não forem aprovadas, como deseja o governo, a ideia é aproveitar parte desses recursos para dar um aumento melhor ao salário mínimo ou deslocar para outras áreas. ¿Como dizia Raul (Seixas), ei, Al Capone, vê se te orienta, assim dessa maneira, nego, Chicago não aguenta¿, ironizou o senador Delcídio Amaral (PT-MS), que já integrou a Comissão Mista de Orçamento.

De público, os líderes não dizem nem que sim, nem que não aos aumentos. Dizem que vão estudar. ¿No caso dos parlamentares, vamos verificar o que é justo¿, diz o líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), pré-candidato a presidente da Casa, que toma todo o cuidado para não desagradar potenciais eleitores.

¿Se formos conceder tudo o que pedem, não teremos dinheiro para o salário mínimo. Se formos conceder tudo o que querem no salário mínimo, não teremos como atender outros pedidos. Vamos optar pelo equilíbrio¿, diz o relator do Orçamento, senador Gim Argello (PTB-DF), que resiste à ameaça da senadora Ideli Salvatti, de não votar a proposta este ano. Enquanto o governo pede equilíbrio, a oposição se mexe. O deputado Arnaldo Jardim apresentou emenda para a fixação do salário mínimo de R$ 600. Diante de tantas pressões, ninguém duvida que o Orçamento será o grande embate dessa reta final de 2010.

Projeto de domar a gastança » Gabriel Caprioli

Enquanto faz malabarismos para garantir os recursos para o Orçamento do próximo ano, o Ministério do Planejamento tenta guarnecer a presidente eleita, Dilma Rousseff, com subsídios necessários para domar os problemas gestados pelo crescimento de mais de 7%, previsto para este ano. O chefe da pasta, Paulo Bernardo, afirmou ontem que há estudos desenvolvidos pelos técnicos da casa que apontam formas de conter a explosão de gastos nos próximos anos e resguardar recursos para serem utilizados tanto para ampliar os investimentos ¿ incluindo os do Programa de Aceleração do Crescimento ¿, quanto para aumentar a poupança do governo.

O ministro afirmou que Dilma ainda deve avaliar as propostas. Entretanto, garantiu que as simulações mostram ser possível dobrar os valores de investimentos em um prazo de quatro a cinco anos (adicionar o equivalente a cerca de 1 ponto percentual do Produto Interno Bruto ao já realizado atualmente) se o avanço das despesas for menor do que o do PIB. ¿Esse dinheiro pode ser usado para fazer superavit primário (economia para pagamento de parte dos juros da dívida pública), mas, pela atual conjuntura, o mais recomendável é aplicar em investimentos¿, afirmou.

Bernardo considera praticamente impossível cortar os gastos já existentes, mas acredita na possibilidade de colocar freios eficientes na gastança. Um exemplo é o projeto que limita o reajuste dos salários de servidores públicos a 2,5% ao ano, além da inflação. ¿Se conseguirmos aprovar o mecanismo, mesmo que seja neste percentual acima do 1,5% que propusemos, começaremos a caminhar no sentido de conter despesas.¿

Os cadernos da transição » Integrantes da equipe de transição, entre eles Antônio Palocci e José Eduardo Cardozo, reuniram-se ontem no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) para definir os trabalhos das próximas semanas. A ideia é preparar ações com base em dois cadernos que serão produzidos pela Casa Civil até sexta-feira. Um deles será ¿temático¿, com informações sobre todos os programas do governo, incluindo metas e execução física e orçamentária. O segundo será intitulado 120 dias. Nele estarão as principais decisões que a equipe da presidente eleita terá de tomar no primeiro quadrimestre de 2010. O grupo de transição convidará especialistas para fazer análise de setores como educação, saúde e segurança pública.