Título: Exportações: está em curso uma mudança qualitativa
Autor: Quirós, Juan
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2006, Opinião, p. A14

As exportações brasileiras batem recordes seguidamente. Os números mostram evolução superior à do comércio mundial - o crescimento das vendas brasileiras para o mercado externo de 2002 a 2005 bateu os 96% contra 64,8% do mundo e as exportações de produtos manufaturados dobraram neste mesmo período. A corrente de comércio não pára de crescer. As cifras das importações comprovam um nível de abertura da economia em ascensão e maior presença do Brasil no comércio mundial. Então, qual deve ser o foco de discussão? Sem dúvida, outro que não o de que o país se beneficia de uma conjuntura internacional favorável, pois o benefício é de todos os países. Tampouco, o aumento dos preços das commodities, como minérios, açúcar e suco de laranja, cuja participação na pauta corresponde a 6,8%, 2% e 0,9% respectivamente. Tais argumentos mostram desconhecimento do que tem sido feito pelo governo e afrontam os empresários, principalmente pequenos e médios, cujos investimentos para a inserção de seus produtos no mercado internacional são expressivos.

É preciso mudar o eixo do debate para darmos um passo adiante. É inegável que o Brasil amadureceu. Há uma mudança qualitativa em curso que talvez não seja visível numa análise superficial. Mas para estudiosos do comércio exterior é obrigatório o conhecimento e o reconhecimento dos esforços e dos números que eles representam.

Vejamos: o Brasil aumentou de 0,93% para 1,14% sua participação no mercado mundial entre 2002 e 2005. Pouco? Certamente que não. É um salto significativo para curto período. Mais importante, no entanto, é notar a evolução das exportações por fator agregado. Produtos semi e manufaturados correspondem a quase 70% da pauta. Em 2002 o Brasil vendeu US$ 33,4 bilhões em itens manufaturados. Em 2005 superamos US$ 64 bilhões. Marca que será ultrapassada este ano, principalmente para mercados como Estados Unidos, União Européia, Liga Árabe, América latina e Tigre Asiáticos.

Destaco, ainda, a ampliação do número de empresas vendendo para estas regiões. Em 2002 havia 6.511 empresas brasileiras comercializando produtos e serviços para os Estados Unidos. Em 2005 foram 6.905. Já para a Liga Árabe, um mercado ainda novo para o país, esse número subiu de forma mais significativa: de 1.372 para 2.135.

Percebe-se que as questões cambiais e logísticas não arrefeceram o ânimo da indústria - que mantém o crescimento de vendas externas nos últimos três anos - embora tenham aumentado o desafio. Impactaram, sim, setores sensíveis em mão-de-obra. E, embora medidas de redução da burocratização compensem alguns dos efeitos negativos, é inegável a necessidade de acelerar empreendimentos de infra-estrutura, intensificar ações de promoção direcionadas ao consumidor final e melhorar a qualidade dos produtos para uma nova realidade compatível com uma economia estável e dólar flutuante.

Ressalto os vários setores preparados para concorrer no mercado global. Adaptam produtos às exigências do mercado consumidor, investem em modernização tecnológica e em processos, certificam-se seguindo regras internacionais e valorizam a diferenciação e o design brasileiros para agregar valor às suas vendas.

-------------------------------------------------------------------------------- Nossa presença ficará mais forte no mercado externo se houver um esforço contínuo dos setores privado e público --------------------------------------------------------------------------------

Como exemplo, destaco o setor de equipamentos de saúde, que saiu de exportações de US$ 195 milhões para US$ 400 milhões em três anos. Para isso, se preparou adequadamente: saltou de 4.873 produtos certificados em 2003 para 38.828 em 2005, num grande esforço público-privado de inserção em mercados com alto potencial de compra.

O setor de revestimentos cerâmicos já é o quarto maior exportador mundial, com crescimento de 107% nas vendas externas em relação a 2002. O setor de serviços - franquias, TI, turismo, música, publicidade - obteve crescimento de 28,3% em 2005, acima da média mundial de 10,8%. O que torna tais números ainda mais relevantes é o fato de que, em 2005, este setor representou 57% do PIB nacional e mais de 50% de empregos formais no país, além de ser extremamente receptivo a investimentos internacionais.

Outro bom exemplo vem das 140 empresas que integram o Programa Export Plastic, parceria do Instituto Nacional do Plástico e Apex-Brasil. Fabricam de sacolas e sacos de lixo a filmes plásticos e utensílios domésticos. Juntas exportaram, em 2005, US$ 112 milhões dos US$ 975 milhões comercializados pelo setor lá fora. Ou seja, com estímulo e instrumentos adequados, em três anos o consórcio aumentou em 124% seus negócios com importadores, enquanto o setor como um todo cresceu 52,5%. A razão é simples. Aproveitaram ações previstas no projeto que prevê desde o preparo técnico das empresas a uma estratégia de abordagem de mercado. Neste caso houve um ataque a mercados tradicionais como os Estados Unidos e União Européia e um trabalho vigoroso em mercados não-tradicionais para os produtos plásticos brasileiros.

O importante é que a economia brasileira ganhou. Estudo do Ipea, "Brasil: o Estado de Uma Nação-2006" comprova o impacto deste processo no mercado de trabalho. Segundo o estudo, a empresa exportadora, quando comparada à não-exportadora, é mais produtiva, inovadora, tecnologicamente mais avançada, emprega mais e paga salários e benefícios superiores à média do mercado.

Segundo a Secex, no ano passado 4.038 empresas desistiram de exportar, enquanto 3.186 entraram no mercado internacional. Diferença: 853 empresas, que representaram 1,1% dos US$ 118,3 bilhões exportados. Contudo, somente 7% (283) das desistentes exportaram continuamente entre 1997 e 2004. As demais não tiveram estratégia de longo prazo. Fica a lição: em comércio exterior é preciso persistência.

Aos conhecedores do comércio exterior que analisam e criam estratégias, e que contribuem para o debate, é importante que observem a experiência prática de produzir, exportar, gerar emprego e estar na linha de frente. A todos faço um apelo. Sejam práticos e realistas, sem medo de respeitar e reconhecer a evolução do Brasil e de seus empreendedores. Os resultados estão aí para serem vistos. Nossa presença ficará mais forte no mercado externo se houver um esforço contínuo, setores privado e público, para que as críticas dêem espaço a um plano conjunto de trabalho e crescimento.

Juan Quirós é presidente da Apex-Brasil e empresário.