Título: R$ 150 milhões sem licitação
Autor: Magalhães, Camila de; Edson Luiz; Leite, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 10/11/2010, Brasil, p. 8

Apenas 15% do valor gasto com o exame passou pelo processo que rege as despesas do governo. MP no TCU deve protocolar uma representação no tribunal

Além de corrigir os erros cometidos na aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para garantir a validade da avaliação, suspensa pela Justiça, o Ministério da Educação (MEC) terá de passar por um pente fino nas suas contas. Isso porque, dos R$ 183 milhões gastos na edição atual do teste, apenas 15% foram efetuados por meio de licitação. O restante ¿ R$ 150 milhões ¿ diz respeito a serviços contratados sem seguir a norma que rege quase todas as despesas do governo. Incomodado com a prática, o Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU) tem uma reunião hoje com representantes da pasta para requisitar documentos a respeito dos gastos. O passo seguinte, conforme o procurador Marinus Marsico, será protocolar uma representação no próprio tribunal para que seja feita uma investigação nos contratos.

¿Alertei os dirigentes do Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) que não deveriam fazer a contratação do Cespe sem licitação, que as falhas do processo não estavam nesse ponto. Mas eles insistiram. Agora, teremos que averiguar¿, afirma Marsico. Para ele, a justificativa do MEC, de que o Cespe é uma instituição pública e, portanto, dispensa a licitação, não se sustenta. ¿Pelo tamanho da avaliação, o centro de seleção tem que subcontratar, então a licitação é necessária.¿ O Cespe e a Cesgranrio foram contratados para o Enem 2010 por R$ 128,5 milhões. A gráfica RR Donnelly levou R$ 31 milhões e a Empresa Brasileiras de Correios e Telégrafos, R$ 18 milhões. Quase R$ 5 milhões saíram do MEC para secretarias de Segurança Pública nos estados e para o Ministério da Defesa, ambos a cargo da segurança.

Para garantir a validade do Enem, o MEC planeja reaplicar a prova para cerca de 2 mil estudantes. Com base nos contratos firmados pela pasta, a estimativa é de um custo adicional de R$ 80 mil, uma vez que o gasto com cada aluno foi de cerca de R$ 40. A RR Donnelly comprometeu-se, com um comunicado genérico, a ¿adotar as medidas necessárias para solução dos problemas gerados, principalmente visando garantir os direitos dos estudantes¿. Para a assessoria de imprensa do MEC, a nota deixa claro que a gráfica cobrirá as despesas.

O prazo para a reaplicação dos testes, de acordo com o advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, não pode passar de um mês e meio. ¿Deve ser este ano, para que os alunos tenham tempo para habilitação nas universidades¿, lembrou. Só que para cumprir tal prazo, fontes do Inep admitem que a pasta poderá custear as novas provas, caso a gráfica não assuma os gastos. Depois terá de acionar judicialmente a empresa, como ocorreu com o consórcio contratado para aplicar o Enem 2009. O MEC já tinha repassado R$ 38 milhões na época do vazamento e até hoje não conseguiu ressarcimento do valor. (RM e LL)

Conflito de datas Caso seja bem-sucedido na sua cruzada para aplicar Enem apenas aos cerca de 2 mil estudantes que foram prejudicados pelos erros na última edição da prova, ainda assim o MEC terá de praticar um malabarismo no calendário. Isso porque as datas prováveis para esse novo teste seriam 27 e 28 de novembro ou 4 e 5 de dezembro. Mas elas coincidem com alguns dos vestibulares mais importantes do país. A primeira fase do vestibular da Fuvest, que seleciona alunos para a Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, será em 28 de novembro. Na outra data, mais conflito: estão previstos os vestibulares da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

¿Contrato¿ perto do fim Luciana Bezerra Especial para o Correio

A crise na última edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não será suficiente para tirar o ministro da Educação, Fernando Haddad, do posto no governo Lula, mas torna praticamente impossível sua presença na lista de escalação de Dilma Rousseff.

Segundo analistas, é pouquíssimo provável que a presidente eleita inicie os serviços, em 1º de janeiro, tendo em sua equipe um ministro cujo passado recente esteja ligado a episódios negativos. Embora satisfeita com a condução da pasta até a semana passada, quando disse que a educação ia muito bem e não precisava de ações emergenciais, como a saúde e a segurança, Dilma vai pensar em outras opções. E candidatos ao cargo não faltam ¿ a maioria desponta da base aliada de São Paulo. Estão na lista de prováveis o senador Aloizio Mercadante, que perdeu a disputa pelo governo do estado de São Paulo e está sem mandato a partir de 2011, a senadora eleita Marta Suplicy (PT-SP), os deputados federais Newton Lima (PT-SP) e Gabriel Chalita (PSB-SP).

Entre os simpatizantes de Haddad no Congresso Nacional, porém, a esperança de vê-lo ministro no governo Dilma ainda resiste. Segundo o vice-presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputado, Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), é lamentável resumir toda a contribuição do ministro para a área aos contratempos do Enem. ¿Isso fragiliza a figura dele. Há toda uma agenda positiva para educação pela frente graças ao trabalho do ministro, que sempre teve uma conduta eficiente.¿ Paulo Rubem defendeu ampla investigação sobre os equívocos das provas do exame no último fim de semana e voltou a sustentar a tese não comprovada de sabotagem no vazamento das provas em 2009. ¿Eu falei isso para ele na época. É preciso investigar nessa linha.¿

O deputado Maurício Rands (PT-PE) engrossou o coro a favor do ministro. ¿Não se pode debitar da conta dele o episódio¿, afirmou.

Pelo menos dois motivos sustentarão Haddad até 31 de dezembro na equipe de Lula. O primeiro deles está justamente relacionado ao calendário. Não seria conveniente dispensar o ministro a menos de dois meses do fim do mandato e num período de transição para o governo Dilma. O segundo se refere ao temperamento de Lula. Ele só dispensa em situação-limite. E esse não é o caso. ¿Lula não mandou Otacílio Cartaxo da Superintendência da Receita Federal na época da quebra dos sigilos fiscais e integrantes da oposição. Logo, vai fazer o mesmo com Haddad¿, disse um analista ao Correio.

Para Lula, ¿sucesso absoluto¿

Maputo (Moçambique) - Visivelmente irritado com as críticas ¿ ou com as novas falhas - ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (foto) disse na madrugada de ontem, ao chegar em Maputo, Moçambique, que os eventuais erros ocorridos na última edição da prova (admitidos na segunda-feira pelo ministro da Educação, Fernando Haddad) ¿não afetam¿ o exame. ¿Foi um sucesso extraordinário, já que foram mais de 3 milhões de jovens que participaram da prova. O dado concreto é que, na conversa que eu tive com o ministro Haddad, o sucesso do Enem foi absoluto¿, destacou o presidente. Lula atribuiu a setores ¿inconformados¿ as críticas à prova. ¿Tem muita gente que quer que os erros afetem o exame. Tem gente que não se conforma com o Enem, mas ele provou que é extraordinariamente bem-sucedido¿, avaliou Lula, que ainda atacou o jornalista pernambucano que conseguiu vazar o tema da redação por meio do Twitter: ¿Ele não agiu com seriedade¿.

Oposição em cima Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não vê problema no Exame Nacional do Ensino Médio e muito menos pretende sacar o ministro da Educação, Fernando Haddad, da sua equipe (leia reportagens acima), a oposição, por sua vez, não tem a menor intenção de dar sossego ao chefe da pasta. Ontem, parlamentares do PSDB na Câmara entraram com pedidos de investigação sobre o Enem no Tribunal de Contas da União (TCU) e na Procuradoria- Geral da República (PGR).

O deputado federal Otávio Leite (PSDB-RJ) solicitou ao TCU uma auditoria especial nos contratos do governo com as empresas que fizeram a impressão dos cartões-resposta das provas aplicadas no fim de semana e no controle dos gastos com o Enem. ¿Não tem direito de errar quem gasta R$ 140 milhões na realização de um exame¿, criticou Leite.

Na PGR, os deputados João Almeida (BA), que é líder do PSDB na Câmara, e Gustavo Fruet (PSB-PR) entregaram uma representação pedindo ¿investigação dos fatos e responsáveis¿ sobre o mesmo episódio.

Mais cedo, a comissão de Educação do Senado aprovou o requerimento da senadora Marisa Serrano (PSDB-MS) para ouvir as explicações de Haddad na próxima semana. O documento foi assinado, inclusive, pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

Embora não tenha recebido um convite formal, o ministro adiantou que pretende comparecer à Comissão de Educação e Cultura da Câmara, na semana que vem. A informação é do presidente da comissão, deputado Ângelo Vanhoni (PT-PR). ¿Conversei com ele por telefone. Haddad está disposto a fazer todos os esclarecimentos¿, afirmou. (LB)

PF apura vazamento Na Polícia Federal, em Brasília, não há confirmação oficial. Mas dentro da PF no estado da Bahia, há setores que acreditam haver indícios de que houve vazamento do tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o que se somaria a todos os outros problemas enfrentados pelo governo na aplicação do teste este ano.

Tudo começou com o delegado-chefe da PF de Juazeiro (BA), Alexandre de Almeida Lucena, que soube de um episódio não usual a respeito do Enem na noite de segunda-feira, por meio da imprensa local. Ele foi procurado pela reportagem na manhã de ontem. Segundo a denúncia, um professor do curso Geo Petrolina Pré-Vestibular, de Petrolina (PE) ¿ cidade ao lado do município baiano ¿ estava tirando dúvidas dos alunos no sábado, antes da prova, quando teria sido abordado por um grupo de estudantes que perguntou o que deveriam escrever caso o tema da redação fosse sobre escravidão. ¿O professor, questionando os alunos por que mencionaram o tema, ouviu que teria vazado o conteúdo da prova, e que os alunos já estavam sabendo e teria algo a ver com a escravidão¿, contou Lucena. ¿Ele não levou muito a sério, mas posteriormente verificou que um dos textos de apoio da prova falava sobre escravidão no Brasil. Foi aí que decidiu ir até a imprensa e denunciou¿, completou o delegado.

Ao tomar conhecimento da história, Lucena disse que se adiantou e determinou que policiais fizessem uma investigação preliminar para apurar os nomes dos envolvidos e saber se os relatos procedem. O delegado salientou que a consistência das informações vai determinar ¿ ou não ¿ a instauração do inquérito. Se a história for verdadeira, diz ele, a investigação oficial deve começar na manhã de hoje, quando provavelmente serão ouvidos o professor e outros envolvidos.

¿São muitos alunos, uma base de 30 souberam da história. Vamos pegar os nomes e saber de onde partiram as informações. Até agora, não recebi nenhuma informação oficial, seja de governo, empresa de fiscalização ou do MEC. Tenho que afastar a hipótese do boato para depois instaurar o inquérito. É preciso uma informação concreta do que aconteceu¿, destacou. Até o fechamento desta edição, o delegado ainda não havia decidido se o inquérito seria instaurado.

De acordo com a assessoria de imprensa do MEC, o ministério não acredita que tenha ocorrido um vazamento do tema da redação do Enem. O MEC avisou que vai aguardar a apuração da Polícia Federal para se pronunciar. ¿A gráfica responsável pela prova assumiu a responsabilidade do problema de impressão, fez carta e a gente tornou público. Não acreditamos que haja outro problema com o Enem¿, informou, por meio da assessoria. (CM)

Quanto custa Correios - R$ 18.169.097,24 Cespe/Cesgranrio - R$ 128.542.405,12 Gráfica - R$ 31.726.748,48 Segurança - R$ 2.997.439,90 Ministério da Defesa - R$ 1.475.662,72

Total - R$ 182.911.353,46 Valor por aluno - R$ 39,66