Título: Justiça joga duro e governo pede prazo
Autor: Magalhães, Camila de; Edson Luiz; Leite, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 10/11/2010, Brasil, p. 8

Juíza federal do Ceará volta a se pronunciar e determina a suspensão da publicação do gabarito e das demais etapas. AGU decide recorrer, mas recurso pode levar uma semana, segundo o advogado-geral da União. Dispensas de licitação devem entrar na mira do TCU

A decisão da Justiça Federal do Ceará de meter seu bedelho jurídico no imbróglio em que se transformou (mais uma vez) o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nocauteou os principais atores do processo ¿ especialmente o ministro da Educação, Fernando Haddad ¿ de um modo mais problemático do que calculava o próprio governo. Além de suspender o teste na segunda-feira, a juíza Karla de Almeida Miranda Maia, da 7ª Vara Federal do Ceará, decidiu ontem interromper todas as demais etapas do exame, incluindo a divulgação do gabarito, que estava programada para ontem (leia fac-símile da decisão e reportagem abaixo).

E, de quebra, com um timing precisamente cruel. No início da tarde, após encontro com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante (leia reportagem abaixo), Haddad chegou a dizer que a publicação do gabarito dependia da Justiça. Noventa minutos mais tarde, a resposta da juíza: gabarito, nem pensar.

A réplica inevitável do MEC: recorrer à AGU. Já de posse da informação, o advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, admitiu que ¿o Estado cometeu erros do ponto de vista operacional¿, mas defendeu a solução adiantada por Haddad na segunda-feira ¿ reaplicar a prova apenas aos alunos prejudicados. E anunciou que a indefinição deve se estender um bocado mais. O pedido de reconsideração será enviado à juíza ¿até segunda-feira¿ (leia reportagem abaixo).

Indefinição que afeta bem mais do que apenas aqueles que sentiram lesados com as falhas do Enem. Estudantes de todo o país que participaram do exame seguem não só sem gabarito, mas também sem saber se a prova valeu ou não (leia reportagem na página 9). Para completar, a credibilidade do teste pode ficar ainda mais abalada: a PF está decidindo se apura um caso de possível vazamento do tema da redação na Bahia. E o Ministério Público no TCU mira as cifras que envolvem o processo: estuda entrar com uma representação no próprio tribunal para averiguar as dispensas de licitação no Enem (leia mais na página 9).

Enquanto faz força para desatar os nós jurídicos do exame, Haddad acaba amarrando a própria situação no governo. Tanto integrantes da base aliada quanto da ala oposicionista acreditam que não há como o ministro ser substituído agora, a menos de 60 dias do fim do governo Lula, mas uma parcela acha pouquíssimo provável que ele consiga nota para ser aprovado na equipe da presidente eleita, Dilma Rousseff (leia mais na página 9).

O DRIBLE DA JUÍZA

Uma nova decisão da Justiça Federal proibiu o Ministério da Educação (MEC) de divulgar os gabaritos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o que estava programado para ontem. Além disso, a sentença da juíza Karla de Almeida Miranda Maia, da 7ª Vara Federal do Ceará, impede o MEC de receber recursos administrativos de alunos que se sentiram prejudicados com as provas realizadas no último fim de semana. O ministério recorrerá, mas não vai colocar em funcionamento a página da internet que criou para receber as reclamações dos estudantes até que o caso seja encerrado na esfera judicial.

Pela manhã, quando esteve na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o ministro da Educação, Fernando Haddad, se mostrava otimista em relação ao contato mantido pela sua assessoria jurídica com a juíza. ¿Ela se mostrou aberta à consideração¿, afirmou Haddad. A juíza Karla Maia, segundo Haddad, deveria dar uma resposta à tarde e que ¿ acreditava ele ¿ não seria negativa para o MEC. ¿Não acredito que isso aconteça¿, afirmou o ministro.

A resposta da juíza realmente ocorreu à tarde, mas por meio de uma decisão contrária ao embargo de declaração requerido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC que realiza as provas do Enem. Esse tipo de recurso impetrado pela União é uma espécie de esclarecimento da decisão anterior de Karla Maia, que na segunda-feira suspendeu o Enem. O Ministério da Educação tinha dúvidas sobre a extensão da sentença da Justiça Federal, mas elas foram esclarecidas na tarde de ontem, em uma nova manifestação da magistrada.

¿Todas as demais fases do concurso do Enem estão suspensas, inclusive a divulgação de gabarito ou de qualquer tipo de resultado, bem como de requerimentos administrativos de qualquer aluno prejudicado ou não (¿) e, ainda, a realização das etapas que antecederem a publicação do resultado final¿, sentenciou a juíza. Ela considerou ¿insubsistentes¿ os argumentos do MEC, ressaltando que uma eventual divulgação do gabarito das provas poderia acirrar os ânimos entre os candidatos.

Último recurso O MEC não se pronunciou oficialmente, mas a assessoria do órgão confirmou que a Advocacia- Geral da União (AGU) vai recorrer. A medida escolhida foi enviar um agravo de instrumento ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, mas o prazo foi dilatado, assim como a indefinição sobre o assunto. O prazo anunciado pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, foi ¿até segunda-feira¿. Por meio do agravo, a AGU deve pedir a cassação da decisão de suspensão, proferida pela juíza. Uma cópia do pedido será entregue a Karla Maia, que poderá reconsiderar a decisão. Em último caso, a advocacia pode pedir a suspensão da liminar ao presidente do Tribunal de Justiça.

Segundo Adams, a AGU está reunindo argumentos que expliquem o método de funcionamento de elaboração da prova ¿ a teoria de resposta ao item (TRI) que, segundo o MEC, permite que provas realizadas em datas diferentes tenham o mesmo grau de dificuldade. ¿O sistema de avaliação do MEC é internacionalmente reconhecido. Há mais de 50 anos que esse tipo de avaliação acontece no mundo, com provas que avaliam o conjunto do conhecimento e, por isso, oferecem as mesmas condições mesmo sendo aplicadas em momentos diferentes¿, argumentou Adams, repetindo o que havia dito Haddad na segunda-feira.

Apesar do papel de defesa, Adams também assumiu as falhas ocorridas: ¿O Estado cometeu erros do ponto de vista operacional. Mas não pode validar a situação com um erro maior ainda¿, ressaltou, referindo-se à suspensão das provas como um todo. (EL e LL)

INCERTEZA E REVOLTA

A decisão da Justiça Federal do Ceará de vetar a divulgação do gabarito do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a criação de uma página na internet para receber informações de participantes prejudicados com os erros foram motivo de decepção e revolta para muitos candidatos a uma vaga em universidades federais ou a uma bolsa do Prouni. O veto reforçou a suspensão do exame, em caráter liminar, anunciada na última segunda-feira. Como os trâmites judiciais podem levar até uma semana, representando mais incerteza aos participantes da avaliação nacional, os alunos se sentem perdidos. ¿Incerteza entre aspas, tenho quase certeza de que o exame vai ser anulado. Agora é esperar e torcer para que a Justiça acate o pedido do MEC¿, ponderou o Evaldo Cândido de Medeiros, 19 anos, aluno do Centro de Ensino Médio 1 do Núcleo Bandeirante. Ele já comprou a passagem, mas aguarda uma resposta para saber se vai remarcar o dia da viagem para o Nordeste, planejada para 10 de dezembro.

Perda de tempo A colega Isabella Karla Leite Medeiros, 17, demonstrou raiva. ¿Muita gente está esperando para saber se foi bem ou não na prova. E ainda há o risco de termos que refazer o Enem e cair na data do PAS ou de algum vestibular que a gente vá prestar, aí vamos ter de escolher¿, observou. Nathália Rodrigues Damasceno, 17, também reclama da falta de gabarito: ¿A maioria das pessoas ficou até o último minuto só para poder levar o caderno e agora não temos como corrigir.¿ Para Anna Viegas, 17, passar pela prova mais uma vez seria um pesadelo. ¿Perdi meu tempo para nada¿, lamentou. (CM)

OAB NÃO SE CONVENCE

O ministro da Educação, Fernando Haddad, esteve ontem na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para explicar ao presidente da entidade, Ophir Cavalcante, como seria a reaplicação do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) aos estudantes que foram prejudicados pelas falhas de impressão na intenção do governo: apenas aos alunos que foram prejudicados. Mas, ao que parece, não foi tão convincente quanto gostaria. Cavalcante, ao fim do encontro, limitou-se a dizer o que já havia afirmado: ¿Nossa preocupação sempre foi com o princípio constitucional da igualdade entre os candidatos¿.

Haddad pretendia explicar ao presidente da OAB que a medida a ser adotada era uma forma de garantir o princípio da isonomia para todos os candidatos. Aproveitou também para pedir que a OAB analisasse o caso, principalmente a aplicação da Teoria da Resposta ao Item (TRI), a medotologia usada no Enem.

¿O presidente (da OAB) manifestou pela imprensa o princípio inconstitucional pela igualdade¿, comentou Haddad. ¿Eu disse a ele que no ano passado já fizemos mais de uma prova e tivemos os resultados publicados na mesma data que os demais e com a mesma avaliação¿, acrescentou o ministro.

O presidente da OAB elogiou o Enem, e pediu tranquilidade para se tomar qualquer decisão, para evitar o que chamou de apologia ao caos. ¿Este é o momento de termos serenidade, equilíbrio e firmeza nas decisões. Não precisamos adotar decisões precipitadas. São mais de 3 milhões de pessoas envolvidas nisso. Se tiver que anular a prova, será anulada.¿ (EL)

E o que é TRI? Segundo o MEC, a partir da Teoria de Resposta ao Item (TRI), as questões ganham um peso que varia de acordo com o desempenho dos estudantes em pré-testes ¿ quanto mais alunos acertam determinada pergunta, menor é o peso que ela terá na prova, porque o grau de dificuldade é supostamente menor. A aplicação da TRI é frequente nas avaliações em testes de múltipla escolha aplicados em diversos países. No Brasil, a TRI é usada desde 1995 nas provas do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).