Título: O preço da cobiça
Autor: Cotias, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2006, EU & Investimentos, p. D1

Nestes tempos voláteis, a perda de US$ 6 bilhões do fundo hedge americano Amaranth em contratos futuros de gás faz tremer qualquer investidor que tenha recursos em multimercados, carteiras consideradas de maior risco e que crescem a taxas expressivas no Brasil. Depois de episódios como Bank of America, Marka, FonteCindam e, mais recentemente, Global Invest, ficou claro para o aplicador que o mercado brasileiro de gestão não está imune às intempéries e que o risco tem de ser visto com a mesma prioridade que o retorno.

Com o movimento de queda dos juros, a busca por diversificação tem alimentado a captação dos multimercados, que já acumulam patrimônio de R$ 98,04 bilhões. Só neste ano, essas carteiras atraíram R$ 15,08 bilhões até o dia 21 e apresentaram, em média, rentabilidade acumulada de 12,15%, ante 11,19% do CDI, segundo dados do site financeiro Fortuna. Mas isso diz pouco sobre os riscos incorridos pelo investidor.

A discrepância de rentabilidade entre as diversas carteiras é grande, qualquer que seja o público-alvo do fundo. Nas boutiques e bancos de investimentos, os ganhos no ano oscilam de 2,1% a 30,72%, com a volatilidade (a dispersão do rendimento diário anualizado) variando de 0,09% a 44% - o que quer dizer que o fundo pode ganhar o CDI mais 44% ao ano ou perder esse percentual. Nas gestoras independentes, há perda de mais de 70%, caso da Global Invest, até uma valorização de 27,59%, com a volatilidade num intervalo de 0,29% a 281%.

Mas o aplicador olha pouco para tamanha disparidade e, em geral, quanto maior a volatilidade do fundo maior será a alavancagem, diz o economista Marcelo D'Agosto, sócio do Fortuna. "A cultura da administração de risco é ainda pouco disseminada no Brasil e o investidor está muito mais atento para a rentabilidade."

Ferramentas para medir possíveis perdas, testes de estresse, há todo um arsenal à disposição dos gestores para calcular os limites de exposição em cada ativo. Há ainda os chamados mecanismos de "stop loss", o ponto em que se compara o valor do ativo em carteira com o preço no mercado e se admite um certo percentual de prejuízo para tentar evitar um mal maior mais adiante. Mas nem sempre esses dispositivos são obedecidos no momento em que o mercado vira. Carteiras alavancadas e leituras equivocadas de cenário estão por trás dos tropeços da gestão brasileira.

Foi assim com a Global Invest, o caso mais recente no mercado brasileiro. Em maio, quando os estrangeiros partiram em retirada dos mercados emergentes, os fundos da casa estavam alavancados em bolsa e dólar, apostando na continuidade de um ambiente benigno para o Brasil. O caldo entornou e a gestora não teve tempo de desmontar a estratégia. Procurados, os sócios da empresa não retornaram o pedido de entrevista.

"Tudo leva a crer que, nas pequenas assets independentes, o risco não vem sendo tratado com o devido prestígio", diz o sócio da consultoria PR&A Sérgio Malacrida. "Em geral, a área de risco está subordinada à mesa de operações e, muitas vezes, o profissional que monitora tudo isso tem de 'dar ordem' para o dono e não pode entrar em conflito, sob o risco de perder o emprego." Ele conta que, em comum, nas barbeiragens observadas desde o episódio da Linear, que naufragou junto com a crise da Ásia em 1997, os fundos assumiram riscos incompatíveis com os limites que previam. E quando os modelos de controle alertaram para isso, determinando que era a hora de usar o "stop loss", os gestores não zeraram as aplicações.

Numa história econômica intercalada por crises, há, porém, aprendizados. A Opportunity Asset Management, uma das gestoras independentes mais antigas do mercado, faz a sua métrica de risco com base no modelo usado pela Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) nos seus pedidos de margem (depósitos suficientes para cobrir oscilações expressivas nos preços). As estimativas de perdas consideram o que pode haver de pior em cada mercado, juntando, por exemplo, a queda do Ibovespa durante a crise russa, em 1998, com a desvalorização cambial brasileira em 1999.

"Fazemos uma simulação do estresse histórico para ver o que poderia ocorrer com a carteira se esses episódios se repetissem", conta o analista de risco Diogo Bahia. Com os chamados testes de estresse, a Opportunity dimensiona o tamanho das aplicações e o prejuízo potencial de cada fundo. O Opportunity T60, o mais agressivo da casa, poderia perder num único dia 8% se tudo desse errado. No Opportunity Total, mais moderado, a perda estimada é de 6,5%, enquanto no Opportunity Market, mais conservador, a desvalorização poderia chegar a 4,5%. "O investidor tem condições de escolher a carteira mais adequada ao seu perfil."

Na Avanti Gestão de Recursos, o matemático responsável pelo monitoramento do risco tem o poder de zerar as posições e realizar o prejuízo no mercado em que o "stop" for determinado pelos sistemas de controle. "A gestão de risco não pode ser só pra inglês ver, principalmente numa asset pequena, mas a evidência empírica mostra que nem sempre essa é uma preocupação dos gestores", diz Alexandre Espírito Santo, sócio da gestora e chefe do departamento de Finanças da ESPM-RJ.

Para manter um diálogo estreito com os investidores, o relatório mensal de gestão traz o desempenho do Avanti Hedge em cada mercado, além da evolução da volatilidade entre um mês e outro. A alavancagem total é de três vezes o patrimônio e há um "stop" definido para cada estratégia.

Nos EUA, a novela do Amaranth continua. Segundo jornais locais, Brian Hunter, responsável pelas malfadadas operações com gás, deixou a empresa. O ponto positivo é que a crise não atingiu outros fundos e bancos, como ocorreu com o Long Term Capital (LTCM), que quebrou em 1998.