Título: Brasil e EUA buscam uma estratégia comum para promover uso do etanol
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 05/02/2007, Brasil, p. A2

O Brasil e os Estados Unidos estão em busca de uma estratégia comum para promover o uso do etanol como combustível alternativo à gasolina. A conversa está no começo e há vários obstáculos a superar antes de um acordo. Mas ela adquiriu muita importância para os americanos nos últimos meses e terá um impulso vigoroso nesta semana.

Dois altos funcionários do Departamento de Estado dos EUA chegam ao Brasil amanhã para visita de três dias em que o etanol estará no topo da agenda. A missão será liderada pelo número três do departamento, o subsecretário de assuntos políticos, Nicholas Burns, e incluirá o assessor especial da secretária Condoleezza Rice na área de energia, Greg Manuel.

Eles terão contatos com o governo e o setor privado para discutir o assunto. "A questão dos biocombustíveis é muito importante, porque Brasil e Estados Unidos são os líderes mundiais", disse Burns numa entrevista na semana passada. "Esperamos ter uma discussão muito detalhada com o governo brasileiro sobre biocombustíveis."

Há cerca de seis meses, o Brasil apresentou aos EUA uma proposta de memorando para estabelecer as bases de uma cooperação entre os dois países na área. Não houve nenhuma resposta até agora, mas nos últimos meses os americanos começaram a pensar mais seriamente no assunto e o destaque que ele terá nesta semana reflete isso.

O principal motivo é de natureza política. Os EUA não vêem mais a promoção do etanol apenas como um meio de reduzir a enorme dependência de petróleo importado. Eles passaram a ver nessa discussão uma oportunidade valiosa para recuperar sua influência na América Latina e se reaproximar de países que se afastaram muito dos EUA nos últimos tempos, como o Brasil.

A estratégia americana prevê a entrada de países como o Peru e a Colômbia e de nações do Caribe nas negociações. Um dos seus objetivos é minar a influência exercida na região pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que os EUA vêem como séria ameaça à estabilidade regional. A Venezuela fornece hoje cerca de 11% do petróleo importado pelos americanos.

Em conversas reservadas, o secretário-assistente de Estado para assuntos da América Latina, Thomas Shannon, que estará com Burns no Brasil nesta semana, tem manifestado muito interesse nas vantagens políticas que um acordo para a promoção de combustíveis alternativos na região proporcionaria aos EUA.

"Nosso objetivo é promover a segurança energética mundial ajudando os países a diversificar seu suprimento", disse na semana passada um porta-voz do Departamento de Estado para a América Latina, Eric Watnik, numa declaração preparada como resposta a um artigo do jornal argentino "La Nación" sobre as discussões entre Brasil e EUA.

Os americanos se tornaram, no ano passado, os maiores produtores de etanol do mundo, passando à frente do Brasil. Juntos, os dois países controlam atualmente mais de dois terços da produção mundial do combustível. É natural que eles se reúnam para falar sobre o assunto, mas seus objetivos nesse campo nem sempre são coincidentes.

O interesse dos EUA em defender sua indústria numa etapa crítica para seu desenvolvimento pode restringir as negociações entre os dois países a aspectos importantes, mas de caráter secundário, como a uniformização de padrões técnicos e acordos para financiamento de pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias de produção.

Uma dificuldade é que os EUA não parecem dispostos a remover tão cedo as barreiras que atualmente protegem a indústria americana de etanol contra competidores mais eficientes, como os usineiros brasileiros. A principal dessas barreiras é uma tarifa que encarece a importação de álcool, que acaba de ser prorrogada até o fim de 2008.

"Ainda não sabemos muito bem o que o governo americano vai propor, mas o avanço dessas conversas vai depender de muitos fatores, inclusive do que eles vão oferecer em termos de nossa participação no mercado deles", disse ao Valor o chefe do departamento de energia do Itamaraty, Antonio Simões, que acompanha de perto as negociações.

Num movimento paralelo, o Itamaraty está tentando conseguir o apoio dos EUA para o lançamento de um fórum internacional sobre biocombustíveis, onde também teriam assento União Européia, China, Índia e África do Sul. A iniciativa vem sendo debatida há alguns meses e o Itamaraty gostaria de lançar o fórum até o fim de fevereiro.

No ano passado, o Brasil vendeu 1,6 bilhão de litros de etanol para os EUA, seis vezes o volume exportado em 2005. Com a explosão da demanda e a alta dos preços do combustível, a tarifa aplicada nos EUA fez pouca diferença e os usineiros brasileiros fizeram negócios muito lucrativos. Mas os preços agora estão caindo e a tarifa pode voltar a prejudicar o álcool brasileiro.

A indústria americana, que goza de prestígio político crescente, não abre mão dos benefícios que recebe e vê pouco futuro para as discussões entre Brasil e EUA. "Não vai dar em muita coisa", disse ao Valor o presidente da Associação dos Combustíveis Renováveis (RFA, na sigla em inglês), Bob Dinneen. "Nosso sistema está funcionando bem e não há razão para mexer na tarifa ou nos nossos subsídios."

A demanda por combustíveis como o etanol só tende a aumentar nos próximos anos e os especialistas prevêem que os EUA continuarão precisando de importações para suprir suas necessidades de energia. Mas a indústria americana está em expansão acelerada e a última coisa que vai aceitar será a perda de suas vantagens em favor de competidores como o Brasil.

"Se juntarmos esforços para criar um mercado mundial para o etanol, haverá espaço para todo mundo", disse o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que em dezembro participou do lançamento da Comissão Interamericana do Etanol, grupo privado patrocinado pelo ex-governador da Florida Jeb Bush, irmão do presidente George Bush, e pelo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Moreno.