Título: Fisco investiga uso irregular da isenção de ICMS em SP
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 05/02/2007, Brasil, p. A3

O aproveitamento irregular de imunidade ou isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) passou a ser alvo de fiscalização da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e também da Receita Federal.

Em pelo menos duas linhas de fiscalização, a Fazenda paulista investiga casos em que a declaração de imunidade ou isenção não tem contrapartida nas estatísticas apresentadas pelos setores. Uma é na área de papel imune, na qual o Fisco verifica o uso do benefício de ICMS zero para papéis destinados à impressão de livros e periódicos. Esses produtos têm imunidade do imposto. A fiscalização no setor abrange inicialmente 130 empresas dos segmentos gráfico e editorial.

Entidades do setor acreditam que o uso irregular na imunidade provocou perda de receita de ICMS de R$ 29 milhões somente entre janeiro e setembro de 2006. O assunto também vem sendo fiscalizado pela Receita Federal, que até agora autuou em R$ 300 milhões empresas em falta com a declaração de imunidade exigida do setor.

A segunda linha de fiscalização da Secretaria da Fazenda de São Paulo concentra-se nas mercadorias enviadas à Zona Franca de Manaus. Esses produtos são equiparados à exportação e, por isso, ficam livres do imposto. Essa fiscalização já conta com autuações no valor global de R$ 277 milhões.

Segundo a Fazenda, a fiscalização do papel imune foi deflagrada desde outubro e está em fase de coleta e análise de dados, com investigação em 130 empresas. Ao mesmo tempo, o Fisco trabalha com cruzamento de dados de um universo de 10,6 mil estabelecimentos. Uma segunda etapa da fiscalização deverá incluir fabricantes, importadores e distribuidores.

De acordo com dados da Associação Nacional dos Distribuidores de Papel (Andipa) e da indústria gráfica há uma distorção entre a quantidade de papel vendido como imune e a consumida de fato no mercado editorial que tem direito ao benefício fiscal. Uma das dificuldades apontadas pela associação é o alto percentual de papel vendido diretamente pelas indústrias às gráficas e editoras.

Segundo a Andipa, do total de papel off set (o tipo mais utilizado na impressão de livros, por exemplo) vendido para o mercado editorial, que tem direito a imunidade, apenas 38% passam pelas distribuidoras. O restante é vendido diretamente pelos fabricantes. Até outubro de 2006, as indústrias venderam, com imunidade, 35% de sua produção de papel off set e 41% da de papel couché (papel mais brilhante, geralmente utilizado em folhetos promocionais).

"As gráficas informam, porém, que apenas 24% dos negócios do setor pertencem ao segmento editorial", diz Andrés Romero, presidente da Andipa. Para ele, mesmo com a diferença de valor agregado dos produtos, a participação do mercado editorial no faturamento das gráficas deveria ser maior e mais próxima dos volumes vendidos como imunes. Outro problema, diz Romero, é a importação de papel, que vem crescendo em função da desvalorização do dólar. "Isso cria uma distorção ainda maior, já que a estimativa é que mais de 90% do papel importado é declarado como imune."

A fiscalização na área de papel não está restrita à esfera estadual. Também em 2006, a Receita Federal começou a autuar empresas que estão irregulares na entrega da Declaração de Imunidade Fiscal (DIF), documento que desde 2000 é exigido das companhias que fazem parte da cadeia do papel - fabricantes até editoras, passando por distribuidoras e gráficas. A declaração deve ser preenchida trimestralmente.

Segundo Mário César de Camargo, presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf) e presidente da Gráfica Bandeirantes, a Receita passou a multar as companhias que não entregaram alguma das declarações. As multas somadas já passam dos R$ 300 milhões em um universo de 5.980 empresas (grupo que possui o registro para trabalhar com o papel imune).

Camargo diz que a distorção entre o que é declarado e o que é usado como imune é difícil de ser detectada em razão da pulverização do setor. Só na área gráfica, há 19 mil empresas. Segundo o executivo, algumas gráficas declaram que utilizam o papel para fins editoriais e assim conseguem aumentar o desconto para os clientes, ao repassar o benefício fiscal para o preço final do produto.

Outra fiscalização da Secretaria da Fazenda paulista que está relacionada ao uso irregular de ICMS zero diz respeito aos produtos destinados à Zona Franca de Manaus. Segundo a Fazenda, a fiscalização detectou casos de sonegação do imposto em operações que simulam a remessa de mercadorias para a Zona Franca. Os produtos ficam com a isenção, mas nunca chegam a Manaus.

A primeira parte da operação terminou em novembro, com a fiscalização de 1,7 mil empresas. Foram alvo da Fazenda as vendas realizadas entre setembro de 2000 e dezembro de 2003. Somente nessa primeira fase houve 641 autuações, no valor de R$ 277,58 milhões. O principal motivo das autuações foi a falta de confirmação de que as mercadorias foram internadas na área da Zona Franca.

A segunda parte da fiscalização, segundo a Fazenda, foi iniciada em dezembro, com a seleção de outras 1.054 empresas de São Paulo, referente a vendas realizadas entre março de 2002 e dezembro de 2005.

Segundo a advogada Adma Murro, do escritório Braga & Marafon, outra fiscalização realizada pela Fazenda paulista refere-se à venda para as tradings. Essas operações também são equiparadas à exportação e ficam desoneradas do ICMS desde que destinadas à venda ao exterior. "Temos visto casos de empresas autuadas porque as mercadorias vendidas às tradings, declara-das para exportação, não chegaram a sair do país."