Título: Morales exige 'preço político' para vender gás
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 05/02/2007, Brasil, p. A5

O presidente da Bolívia, Evo Morales, avisou ao governo brasileiro, por intermédio de seus ministros, que só fará a visita oficial ao Brasil, prevista para 14 de fevereiro, se o governo brasileiro aceitar um "preço político" para o gás boliviano fornecido ao país. Os bolivianos, descontentes com a posição da Petrobras, que alega não haver razões técnicas para o aumento no preço do gás, querem que o governo aceite pagar o mesmo que a Argentina, em torno de US$ 5 por milhão de BTUs ( unidade de medida do setor). O adiamento, por prazo indefinido, da viagem de Morales, será, se confirmado, mais uma demonstração visível da deterioração na relação entre os dois governos, alimentada pela crescente tensão política no país vizinho.

Autoridades bolivianas argumentam que não há condições políticas internas para Morales viajar ao Brasil sem obter, durante a visita, um sinal verde para o aumento do gás fornecido ao Brasil. Em janeiro, durante a reunião de cúpula do Mercosul, no Rio de Janeiro, Morales conseguiu, com críticas ao Brasil, forçar uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não estava prevista na agenda do brasileiro. No encontro, Morales insistiu com Lula para que aceitasse um "preço político". Quando Lula lhe perguntou qual seria esse preço, Morales informou que os bolivianos querem receber, pelo menos, o mesmo que cobram da Argentina, um aumento superior a 16% em relação aos cerca de US$ 4,20 pagos pelo Brasil.

O aumento desejado por Morales tem sido recusado pelo governo brasileiro, e representaria um gasto adicional entre US$ 290 milhões e US$ 300 milhões, segundo cálculos da Petrobras. O governo Morales argumenta que a situação interna na Bolívia é muito delicada e é crítica a questão do preço do gás. No fim de semana, foi preciso recorrer ao Exército para retomar instalações da estatal distribuidora de gás Transredes, invadida por manifestantes em Camiri.

Os manifestantes, que há quase uma semana bloqueiam estradas que ligam o país ao norte da Argentina, chegaram a fechar por 15 horas as torneiras dos dutos de gás. Além disso, cinco participantes dos protestos foram feridos, na ação policial do fim de semana para evitar a invasão, com bananas de dinamite, instalações da Shell.

Para a imprensa boliviana, o ministro de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas, declarou estar confiante de que Lula anunciará o aumento no preço do gás durante a visita de Morales, e afirmou que o próprio presidente brasileiro teria garantido "boas notícias sobre os preços". As indicações recebidas pelos bolivianos de que essa expectativa não se confirmaria levou a equipe de Morales a intensificar os contatos com o governo brasileiro, para ressaltar que a recusa em aumentar o preço levará ao adiamento da visita do presidente da Bolívia.

Um conflito entre Petrobras e o governo da Bolívia já ameaçava contaminar o clima durante a visita, envenenando os esforços do governo brasileiro para anunciar, com Morales, pacotes de cooperação e investimento do Brasil no país vizinho. Em dezembro, duas resoluções do governo boliviano determinaram que a Petrobras e suas sócias Repsol e Total seriam obrigadas a dar prioridade ao abastecimento do mercado interno boliviano, o que obrigaria as empresas a cortar parte do fornecimento ao Brasil, caso não haja investimentos para ampliar a capacidade de produção do gás.

O objetivo explícito da resolução governamental e liberar a atual fornecedora ao mercado interno, a Chaco, para atender o contrato firmado com a Argentina, de abastecimento de até 27,7 milhões de metros cúbicos de gás até 2010. A Petrobras e suas sócias garantem que não cumprirão essa determinação, que alegam contrariar os contratos firmados por elas com o próprio governo boliviano.