Título: Partidos de esquerda preparam ruptura com o PT na sucessão de Lula
Autor: Vitale, Thiago
Fonte: Valor Econômico, 05/02/2007, Política, p. A8

PCdoB, PSB e PDT deverão estar em lado oposto ao do PT e do presidente Lula nas eleições de 2008 e 2010. Esta pode ser a seqüela mais séria da acirrada disputa pela presidência da Câmara travada nos últimos 60 dias. O bloco criado pelos três partidos para apoiar a fracassada candidatura de Aldo Rebelo (PCdoB-SP) promete permanecer dentro da base de apoio ao governo, mas aposta na criação de uma força à esquerda alternativa ao PT. Pode surgir daí o maior "fogo-amigo" do segundo mandato de Lula, particularmente nos debates dos projetos relacionados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Um exemplo da disposição de confrontar o PT foi o diálogo entre o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e Aldo, tão logo foi definida a vitória do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). Campos ligou para Aldo para cumprimentá-lo por seu desempenho (perdeu por 18 votos). Após uma troca amigável de palavras, Aldo disse ao governador: "Perdemos uma partida, mas o campeonato está começando agora".

O tom da conversa de Aldo e Campos foi identificado em praticamente todas as lideranças dos três partidos. Sobram reclamações contra o posicionamento do PT e a atuação de ministros petistas na campanha vitoriosa de Arlindo Chinaglia.

Três dias após perder a reeleição , Aldo mirou no plano econômico do governo:"Vamos procurar aperfeiçoar o PAC. Há coisas visíveis que precisam ser mudadas", disse. Fora da Presidência da Câmara e rejeitando -ao menos por enquanto -a idéia de voltar para o governo, o comunista será uma liderança expressiva do novo bloco.

O bloco defenderá alteração das regras previstas no PAC para o reajuste dos servidores públicos e para o reajuste do salário mínimo. Segundo Aldo, o grupo é favorável à fixação de um limite para o aumento da folha de pagamento do serviço público, mas lutará para que a meta de correção se aproxime da meta de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).

Outro ponto do PAC que enfrentará restrição do bloco é a Medida Provisória que estabelece o uso de R$ 5 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para investimentos em infra-estrutura. "É preciso ampliar as garantias para reduzir os riscos para o trabalhador. É necessário haver garantias sólidas de que não haverá perdas", afirmou o ex-presidente da Câmara.

A idéia é demarcar sempre o terreno com o PT, o que não quer dizer que o novo bloco vá fazer oposição ao governo. O plano é negociar suas posições programáticas. O descontentamento com o PT é unânime nas três legendas. "A eleição da Câmara deixou muito claro que, para o PT, o importante é o próprio PT", disse o líder do PCdoB, Renildo Calheiros (AL).

A tramitação do PAC deverá ser a arena favorita das disputas programáticas . "Tenho 30 emendas prontas para serem acrescentadas ao PAC", revela o líder do PDT, Miro Teixeira (RJ). "Ser da base não significa que vamos aprovar tudo. Vamos debater todas as políticas públicas", disse Miro.

O bloco irá atuar para atender reivindicações dos estados, como a construção do gasoduto Urucum-Porto Velho, obra de Rondônia. As questões fiscais incluídas no PAC não foram examinadas no bloco, de acordo com Aldo. Essa discussão deverá ser feita com os governadores de estado. "O bloco tem cinco governadores (Pernambuco, Ceará, Maranhão, Amapá e Rio Grande do Norte) e vamos manter uma interlocução boa com todos eles", disse.

O clima em relação ao governo e ao PT é particularmente difícil no PSB. O novo líder do partido, Márcio França (SP), demonstrou na última quarta-feira o descontentamento. Ao realizar a reunião de formação do bloco com o PCdoB e o PDT, França comemorou a presença de 68 deputados, afirmando, segundo um colega: "Podemos obstruir qualquer votação com essa bancada".

Na sexta-feira, França reiterou o descontentamento com o partido de Lula e Chinaglia. "O PT é grande para ter o presidente , mas não o suficiente para governar sozinho o país", disse ele. O deputado Ciro Gomes (PSB-CE) dizia na sexta-feira que o PT conseguira "um feito": unir a esquerda não petista numa frente muito forte.

Embora seja possível encontrar tons mais amenos, nenhuma liderança dos três partidos nega a existência de uma forte rusga. "A disputa deixou feridas que só o diálogo será capaz de saná-las. A Casa está dividida", reconhece o senador Renato Casagrande (PSB-ES).

Para Casagrande, deverá partir de Chinaglia e de Renan Calheiros (PMDB-AL), vencedor da disputa no Senado, a iniciativa de desopilar o clima desfavorável. "Os dois precisam ser os protagonistas da unidade das duas Casas", diz.

Chinaglia parece ter entendido a missão. Na manhã de sexta-feira, quando se preparava para discursar na instalação da nova legislatura, pediu um favor especial à Solange, sua secretária de maior confiança. Queria um telefonema para os líderes do PDT, do PSB e do PCdoB. Pretendia tê-los a seu lado na recepção da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. "Foi um gesto pensado", diz um parlamentar que estava no gabinete quando foi feito o pedido à auxiliar.

A preocupação também recaía sobre o líder interino do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS). Um movimento na Câmara tenta fazer do deputado José Múcio Monteiro (PTB-PE) o novo ocupante do posto. Outra parcela da base trabalha pela efetivação de Albuquerque. "Se Chinaglia ajudar alguém do nosso lado a ocupar um cargo de destaque, certamente ajudará bastante nessa reconstrução do bom ambiente dentro da base", diz Casagrande.

Enquanto fazia a mudança da residência oficial da Presidência da Câmara para um apartamento funcional, ontem, Aldo disse a interlocutores estar "tranqüilo" e ainda estava avaliando "o que fazer da vida". O presidente Luiz Inácio Lula da Silva convidou-o para uma conversa, que deve hoje ou nos próximos dias. Aldo nega ter recebido convite para voltar ao ministério e diz que, se isso ocorrer, "não seria adequado aceitar". Mas evita especulações.

O deputado está certo de que o governo trabalhou "pesado" para a eleição de Chinaglia, principalmente os ministros Tarso Genro (Relações Institucionais) e Dilma Rousseff .

A interlocutores, Aldo avalia que o PT ganha força política com a vitória obtida na Câmara, mas não ganha prestígio junto ao presidente. Ao contrário: essa atuação do PT em conjunto com o PMDB deverá provocar uma "desconfiança" em Lula, que foi obrigado a engolir a candidatura Chinaglia - considerada por apoiadores do comunista uma jogada a favor do PT e não do presidente.