Título: PSDB deve perder o Ceará, depois de 20 anos
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 29/09/2006, Política, p. A17

As pesquisas de intenção de voto no Ceará indicam que a eleição para o governo estadual será definida no domingo, com a vitória de Cid Gomes (PSB), ex-prefeito por duas gestões em Sobral, município de 175,8 mil habitantes localizado a 240 km de Fortaleza. Ele o é irmão mais novo do ex-ministro Ciro Gomes (PSB), por sua vez prestes a se eleger deputado federal com uma votação expressiva. Diante da iminência de uma derrota, o governador Lúcio Alcântara (PSDB) já faz planos para um afastamento temporário da política depois de entregar o governo ao provável sucessor. "Enfrentei um grupo poderoso. Fui candidato sozinho", disse.

A surpresa com o súbito crescimento das intenções de voto em Cid (56% no Datafolha divulgado no sábado, contra 34% de Lúcio), já absorvida, foi substituída pela dúvida sobre as conseqüências de sua eventual vitória para o "Projeto Ceará", plano de modernização do Estado implantado há 20 anos por um grupo de jovens empresários, tendo à frente o hoje senador Tasso Jereissati (PSDB). O PSDB comanda o Estado desde 1986, quando Tasso foi eleito para o primeiro dos seus três mandatos como governador.

Cid Gomes, político até então pouco conhecido além dos limites de Sobral, tem o PT, o PCdoB e o PMDB em sua coligação e é apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O temor dos tucanos é que o despreparo dos futuros quadros coloque o projeto em risco, além do que consideram características do modo petista de governar: aparelhamento do Estado e corrupção.

A cautela demonstrada por Cid ao falar de Tasso sinaliza que deve haver uma aproximação após as eleições. O próprio senador admitiu que o PSDB pode vir a colaborar com um eventual governo Cid, se for chamado, mas sem cargos. O ex-prefeito afirma que governará com as forças políticas que o estão apoiando, mas diz que só tem dois compromissos para ocupação de cargos: para as pastas da Agricultura e do Trabalho, os nomes têm de passar pelo crivo da Federação dos Trabalhadores na Agricultura e da CUT.

Se for eleito, Cid afirma que Ciro não participará de seu governo, nem terá influência sobre ele: "O Ciro é um nome nacional. Eu era desconhecido até no Estado. Não tenho nenhuma angústia com isso, porque quem vai governar sou eu. Vou governar com os partidos da aliança, com os melhores quadros do Ceará, um governo participativo, que estimule a criação de quadros e a participação cearense. E pronto. Fui prefeito e Ciro nunca me ligou para pedir nada. Nós temos uma relação de absoluta independência e solidariedade".

Cid não prega rompimento com os ideais do "Projeto Ceará", mas também não se compromete explicitamente com sua continuidade. Seu irmão, Ciro Gomes, disse ontem à noite que o projeto "acabou", e que, com a eleição de Cid, o Estado terá de implementar um plano totalmente novo.

O ex-prefeito prefere destacar divergências com a atual gestão. Alcântara disputa a reeleição contra a vontade de Tasso. Ele negou-se a concorrer ao Senado, como queria o presidente tucano, que chegou a iniciar uma negociação com Ciro e com o próprio Alcântara em busca de um nome para o governo. Cid já era uma opção. As conversas foram interrompidas com o anúncio do governador de que disputaria a reeleição. Desde então, ambos estão rompidos e Tasso ficou formalmente afastado da disputa local.

"O governo do Lúcio, eu já caracterizo como diferente dos anteriores. Há muito comodismo e conformismo e há retrocessos em muitas áreas em que houve avanços antes. Interferências políticas em áreas estratégicas, como segurança e educação. Retrocesso e grande resignação diante das dificuldades", disse Tasso.

Cauteloso ao falar de suas propostas, o ex-prefeito diz que defende medidas "feijão com arroz" e diz ser "anti-ícones". Defende "ousadia" nas áreas de educação - como avaliação externa permanente -, avanços no combate à mortalidade infantil - área que mereceu prêmio da Unesco e que, segundo diz, "estagnou".

Na economia, disse que vai "pensar" em medidas que possam atrair investimentos para o Estado, porque a política de incentivos fiscais adotada por Tasso, segundo ele, deixou de ser atraente: "Já tenho um campo para atuar. Estão previstos para cá investimentos federais que o Estado tem de aproveitar bem. A Transnordestina já começou a ser construída. Mas, se o Estado não planejar ações periféricas para aproveitar uma infra-estrutura cara como essa, a gente fica só vendo o trem passar".