Título: Organização do julgamento pode determinar resultado
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 17/07/2012, Política, p. A5

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vão analisar centenas de provas no julgamento do mensalão e a maneira pela qual a Corte organizar o julgamento afetará diretamente o resultado. Se eles optarem por fazer a verificação individual de cada prova, a tendência é a de repetir o caminho traçado pelos advogados dos réus. Por outro lado, se a Corte analisar o quadro geral do mensalão a partir das provas, a expectativa é a de que se aproxime dos argumentos da acusação.

Essa definição entre um julgamento fatiado por uma variedade de provas individualizadas ou um julgamento global no qual todas as evidências formam um contexto será, portanto, fundamental no resultado. A resposta só virá quando o STF começar a votar o processo, em agosto.

Desde abril, advogados dos réus estão fazendo dezenas de audiências com ministros do STF. Nesses encontros, eles trabalham para desconstruir o mensalão prova por prova, desfiando cada ponto da alegação de que houve um esquema de compra de apoio político no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o suporte de agências de publicidade que faziam contratos com o governo e de bancos que autorizavam os saques para políticos.

Já o Ministério Público defende que a reunião das provas permite compreender o esquema descrito na denúncia, apresentada em março de 2006. A acusação procura fazer vínculos entre cada uma das evidências coletadas no processo para chegar ao quadro geral que foi batizado como "esquema do mensalão".

É justamente esse o embate entre a defesa e a acusação, que lança o STF a uma espécie de conflito entre a parte e o todo. Por isso, advogados dos réus estão trabalhando para desconstituir provas de maneira isolada. Quanto mais provas forem desconsideradas, mais distante fica o tribunal do quadro geral traçado pelo MP.

Uma das principais cartadas da defesa será feita pelo advogado do publicitário Marcos Valério, que foi apontado pelo MP como o operador do mensalão. Para desacreditar um grande número de provas de uma só vez, o criminalista Marcelo Leonardo vai alegar que apenas as evidências colhidas em juízo têm validade. Se esse argumento for aceito, ele vai tornar irrelevante grande parte das informações produzidas pelo MP e das que estão presentes nas 332 páginas do relatório final do inquérito da Polícia Federal e nas 1857 páginas produzidas pela CPI dos Correios, que originou as denúncias do mensalão.

"O artigo 155 do Código de Processo Penal diz que o juiz, para decidir, deve se basear nas provas colhidas durante a instrução criminal feita em juízo, com a participação da acusação e da defesa", argumentou Leonardo. "O tribunal não pode julgar com base nas provas colhidas na fase da investigação."

Para Leonardo, o STF terá que analisar separadamente cada uma das acusações e provas envolvendo, um a um, os réus. Ele acredita que o fato de os votos dos ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski terem mais de mil páginas indica que isso deve ser feito. "É típico de quem vai examinar tudo. Tem que tratar de cada pessoa, cada acusação, cada fato. O STF não tem muita vivência de julgar processo criminal, mas, quando o faz, enfrenta cada prova e analisa cada caso", afirmou o advogado.

O debate entre a observação isolada das provas e o quadro geral depreendido a partir delas também será central para o réu número um do mensalão, o ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Boa parte das provas contra Dirceu são testemunhais. O MP fez uma descrição da conduta do ex-ministro a partir de vários depoimentos que disseram que Dirceu negociou apoios de partidos e deu ordens para fechá-los. "Provou-se que o acusado, para articular o apoio parlamentar às ações do governo, associou-se aos dirigentes do seu partido e a empresários do setor de publicidade e financeiro para corromper parlamentares", escreveu o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, nas alegações finais do MP.

Mas, segundo a defesa de Dirceu, há apenas um depoimento contra ele - o de Roberto Jefferson, que foi cassado pela Câmara por não ter apresentado provas das acusações que fez contra o ex-ministro-chefe da Casa Civil na CPI dos Correios. "A única acusação contra ele é de Jefferson, que foi cabalmente desmentido por outros réus e testemunhas", afirmou o advogado José Luis Oliveira Lima, mais conhecido como Juca.

Segundo ele, os outros depoimentos que formam o quadro geral da acusação podem ser contestados um por um. "O MP fez distorções do que as pessoas efetivamente falaram", disse Juca. O advogado alegou que a acusação utilizou um depoimento de José Borba, ex-deputado pelo PMDB do Paraná, para defender a tese de que bastava procurar Valério para obter privilégios junto ao governo, pois ele seria próximo de Dirceu. "Não existe isso na fala de Borba", criticou Juca. "O MP também disse que Dirceu teria favorecido um banco para que a instituição não fosse fiscalizada pelo Coaf, mas isso não está nas alegações finais", continuou. "Eu tenho mais de 30 testemunhas a favor de Dirceu", enfatizou o advogado.

O processo do mensalão conta com 600 testemunhas ouvidas apenas na fase de instrução. As testemunhas de acusação ocupam 15 volumes do processo. Já as testemunhas de defesa estão em mais de um terço dos autos: 95 volumes.

A análise desses depoimentos deve render muitas discussões, pois o STF não costuma considerar testemunhas isoladas como provas criminais, ainda mais quando são feitas por outros réus. O depoimento de um réu é visto com desconfiança, já que é uma fonte que também está sendo processada e, portanto, não teria muita credibilidade. "O STF já decidiu que depoimentos desse tipo não valem como prova isolada", disse Pierpaolo Bottini, advogado do ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP).

Ao todo, o mensalão tem 234 volumes e 500 apensos. São 50 mil páginas com vários tipos de provas, como depoimentos da CPI, testemunhas de acusação e de defesa, cheques, contratos, livros contábeis, documentos fiscais, transferências bancárias, contratos, discos rígidos e mídias digitais. Se os ministros do tribunal forem excessivamente garantistas e defenderem a necessidade de se provar ponto por ponto, a tendência é de o julgamento resultar em menos penas. Mas, se a Corte partir para uma visão geral, as condenações vão ser maiores.

Segundo o relatório do ministro Joaquim Barbosa, todas as provas foram objeto de laudos, o que deve dificultar as alegações da defesa com o objetivo de anulá-las. Mas essas tentativas serão muitas.

Um dilema que os ministros do STF vão enfrentar no julgamento é se a reunião de mais de uma prova pode levar a uma condenação que a prova isoladamente não levaria. Visto isoladamente, um saque feito num banco pela mulher de um deputado é algo regular. Isso está relatado nos autos do mensalão: a mulher do então presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) retirou R$ 50 mil numa agência. Mas, para o MP, esse saque deve ser visto num contexto: ele foi autorizado pela agência SMP&B, de Marcos Valério, que tinha firmado um contrato com a Câmara.

O procurador-geral descreveu o saque atrelado a outros fatos. Segundo ele, Valério e João Paulo tiveram tantos encontros entre 2003 e 2004 que nem o deputado soube quantificá-los. Além disso, João Paulo recebeu uma caneta Mont Blanc de presente de Valério.

Segundo o advogado Alberto Zacharias Toron, responsável pela defesa do deputado, o saque foi feito com a identificação do nome e dos documentos da mulher, o que indica que ela não tinha a intenção de ocultar o dinheiro. Toron disse ainda que os valores foram utilizados para pagar pesquisas eleitorais, e as comprovações estão no processo. "Não há causalidade entre o contrato da Câmara dos Deputados e o mensalão", enfatizou o advogado.

Os fios que levam uma prova a outra estão sendo contestados por todos os acusados. "Em relação ao Paulo Rocha, a denúncia pressupõe uma situação que não se conclui", alegou o advogado João Gomes, responsável pela defesa do ex-deputado do PT do Pará.

Rocha foi acusado pelo MP por lavagem de dinheiro, após ordenar saques de dinheiro proveniente da SMP&B para pagamento de dívidas de campanha no Pará. "Ele pegou os saques e pagou as contas, pois essa era a condição dele como presidente do diretório regional do PT no Pará", disse Gomes. Segundo ele, a denúncia não mostrou qual teria sido o crime antecedente à lavagem de dinheiro - uma exigência legal para se chegar a uma eventual condenação. "A denúncia não o acusa de formação de quadrilha nem de outro crime antecedente", disse Gomes.

Em meio a tantos argumentos da defesa para rebater prova por prova do mensalão, um assessor de um ministro do STF utilizou a metáfora de um elefante para explicar a situação em que a Corte se encontra. "O mensalão é como um grande elefante, visível no meio da sala, mas advogados dizem que há problemas na hora em que se liga a tromba com o rabo."