Título: Importação mais forte e mix do consumo explicam PIB menor
Autor: Salgadom, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 29/09/2006, Brasil, p. A3

Um aumento das importações superior aos esperado - 23% até agosto - e um consumo bastante concentrado nas famílias de menor renda frustraram as expectativas de um ritmo de crescimento mais acelerado este ano, segundo avaliação de economistas ouvidos pelo Valor, embora eles não sejam unânimes em explicar a economia brasileira em 2006.

No fim de 2005, os analistas projetavam um crescimento de 3,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) - média em torno da qual oscilavam altas maiores (até 4%) e menores (próximas a 3%). A projeção de 3,5% embutia, entre outras premissas, um aumento da produção industrial mais ancorada no mercado interno e com menor demanda por exportações. Não estava no cenário uma alta muito forte da importação - as projeções apontavam aumento de 15% a 17%.

Para Celso Toledo, economista-chefe da MCM Consultores, há um descompasso muito grande na economia brasileira. Enquanto a demanda interna vai bem, impulsionada por crédito e por uma melhora no mercado de trabalho, a produção cresce em um ritmo menos intenso, pois exporta menos e sofre com os produtos vindos do exterior.

Até agosto, a quantidade de bens importados cresceu 13,7% - um ritmo quatro vezes superior ao das exportações. Nas contas do comércio exterior, essa diferença aparece menos porque os exportadores brasileiros aumentaram seus preços em 11,7%. mas é a conta em volume que vai para o PIB.

Segundo os cálculos de Toledo, com base em dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a demanda interna - consumo do governo, das famílias e investimentos - cresceu no primeiro semestre a um ritmo de 7% ao ano, na comparação com o fim do ano passado. Mas, quando o setor externo entra na conta, esse crescimento cai para 3,5% - e é este número que se reflete no PIB.

A distribuição de renda dos últimos anos se manteve em 2006 e refletiu na expansão do consumo dos mais pobres. Isso fica evidente no Nordeste, onde o varejo, especialmente o de produtos de higiene, limpeza e alimentos, tem bom desempenho. O comércio dos Estados nordestinos vendeu 10,6% mais de janeiro a agosto deste ano, em relação ao mesmo período de 2005, bem acima dos 5,7% apurados para a média nacional. Mas esse "milagre" chega mais ameno na indústria, porque parte dessa demanda se abastece de produtos que vêm de fora, diz Toledo. Além disso, como a renda no Nordeste é menor que a média do país, a capacidade de endividamento do consumidor de lá também é menor.

Embora a massa salarial real do país tenha crescido 6,2% entre janeiro e agosto deste ano, esse movimento não foi homogêneo. O economista Sergio Vale, da MB Associados, projeta que ao fim deste ano a massa de renda cresça 3,8% em termos reais. O estímulo vindo dos programas de transferência de renda e dos reajustes no mínimo fará com que a massa de rendimento das famílias que ganham até um salário mínimo cresça muito acima da média nacional: 23,7%. Para quem ganha entre um e dois mínimos, a alta projetada é de 15,5%. Em contrapartida, nas famílias com renda acima de cinco mínimo o crescimento será de apenas 1,2%.

"As classes mais baixas têm mais poder de compra agora, mas em termos de consumo, elas não representam muito e não são suficientes para estimular a economia como um todo", diz Vale. Com isso, o crescimento é assimétrico e apenas alguns setores de atividade vão bem: mineração, petróleo, açúcar e álcool, além dos que produzem itens de necessidade básica.

Há quem esteja intrigado com o que tem ocorrido com a economia neste ano. Mais gasto público, mais emprego e renda e mais crédito deveriam levar a um crescimento maior do PIB. "Até podemos prever o PIB com base nos indicadores da indústria, mas está difícil entender esse movimento", relata Fernando Montero, economista da Convenção Corretora.

Ele vai além da explicação da substituição de produtos nacionais por importados e aposta em um problema na estrutura de preços do país. O salário mínimo cresce muito acima do PIB, toma dinheiro do governo, que não consegue investir em áreas que gerem empregos e demanda por profissionais mais qualificados.

O câmbio apreciado age em várias frentes. Inibe a decisão de investimento produtivo, diminui o ímpeto da produção, afeta as exportações, tanto de manufaturados como de bens agrícolas. "Os preços desequilibrados até permitem algum crescimento, mas pouco sustentável, pois não há investimento por trás", argumenta.

A economia brasileira estaria, então, patinando em torno de um baixo crescimento? O diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Edgard Pereira, acredita que sim e explica que isso ocorre pela perda de fôlego nos componentes da demanda agregada.

O aumento do consumo por meio da transferência de renda e de modalidades de crédito como o consignado tem um limite e ele já está próximo. Para Pereira, esse incremento no poder de compra ocorre a partir do momento em que o consumidor passa a receber o benefício ou tem seu salário ou benefício reajustado. "Ele atinge um novo patamar e se mantém nele, não há uma continuidade", diz.

Outro componente da demanda - o nível de endividamento do consumidor - divide opiniões. Os números mais recentes, ao contrário do que aponta Pereira, não indicam um cenário pouco amistoso. Pelos dados da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), o grau de comprometimento da renda de quem tem alguma dívida, não necessariamente em atraso, ficou em 36% em setembro. O percentual é menor do que o pico atingido em julho (40%) e não fica muito acima do número mais baixo apontado pela pesquisa, que foi de 31% em janeiro e em fevereiro de 2006. A quantidade de pessoas com contas atrasadas também cedeu e chegou a 19%, o menor valor para a série, que teve início em janeiro de 2005.

Fábio Silveira, da RC Consultores, acredita que nem mesmo dados positivos de queda de inadimplência ajudarão a sustentar o consumo. Para ele, a política monetária foi muito apertada e por um tempo demasiadamente prolongado, o que enfraqueceu a confiança e inibiu o consumo. Além disso, ela afetou a decisão de investimentos das empresas que, esperando menos demanda, produziram e empregaram menos.

O investimento é um problema estrutural do país. "O ambiente é pouco amigável. O empresário não quer investir aqui, pois não sabe se vai ter energia, estradas, não sabe como vão ficar os impostos nos próximos anos", diz Toledo.