Título: A responsabilidade dos cartórios e a nova lei
Autor: Cury, Cesar
Fonte: Valor Econômico, 05/02/2007, Legislação, p. E2

Antes mesmo que fossem suficientemente digeridas e pacificadas as inovações trazidas pelo novo Código Civil no âmbito do direito sucessório, foi sancionada, em 4 de janeiro de 2007, a Lei nº 11.441, que possibilita a realização de inventários, partilhas, separações consensuais e divórcios consensuais pela via administrativa.

O ponto que nos interessa nesta breve exposição, diz respeito à responsabilidade dos tabeliães de notas diante desta alteração legislativa. É certo que os notários e registradores respondem civilmente pela ação ou omissão voluntária, negligente, imprudente ou imperita que cause dano a outrem, nos termos do artigo 22 da Lei dos Notários e Registradores - a Lei nº 8.935, de 1994.

Todavia, tratando-se a escritura pública de um ato notarial meramente declaratório, feito de acordo com a vontade manifestada pelas partes, assistidas por advogados, quem será o responsável pela correta descrição dos bens, dos herdeiros, pela elaboração da partilha, pelo pagamento de impostos e pela conferência de certidões negativas de débitos. Os advogados? As partes? O tabelião de notas? Ou os registradores, por ocasião do registro da escritura?

No que toca à relação de bens e herdeiros, não há um dispositivo expresso que trate do assunto. Entretanto, segundo o artigo 6º, inciso I da Lei nº 8.935, é uma atribuição dos notários a formalização jurídica da vontade das partes. Talvez a principal atribuição do tabelião seja a adequação, ao texto legal, da partilha dos bens entre os herdeiros.

No que tange à fiscalização do pagamento dos impostos, entendemos que tal responsabilidade recairá sobre os tabeliães de notas e sobre os registradores, por força dos artigos 6º, inciso I, e 30, inciso XI da Lei nº 8.935 combinado com o artigo 305 da Lei de Registros Públicos - a Lei nº 6.015, de 1973.

A fiscalização rigorosa dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar é tratada com destaque nos diplomas legais acima citados e certamente provocará muita celeuma, já que em determinadas ocasiões a incidência do imposto dependerá da corrente doutrinária adotada na interpretação dos dispositivos legais que tratam da concorrência do cônjuge ou da companheira na sucessão.

Por outro lado, a prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e de suas rendas, prevista no artigo 1.031 do Código de Processo Civil para a hipótese da partilha amigável judicial, não se repetiu na nova Lei nº 11.441 para a partilha extrajudicial. Todavia, entendemos que ela permanecerá sendo necessária, para a lavratura da escritura, a apresentação das respectivas certidões.

-------------------------------------------------------------------------------- A responsabilidade no que tange à fiscalização do pagamento de impostos recairá sobre os tabeliães de notas e registradores --------------------------------------------------------------------------------

A par da formalização jurídica dos atos apresentados aos notários, sabe-se que os oficiais de registro verificarão a legalidade e a validade do título, procedendo ao seu registro se o mesmo estiver em conformidade com a lei. Sua competência nesse exame é ampla. Essa função caracteriza o que se denomina principio da legalidade, pelo qual somente podem ser admitidos a registro os documentos que estiverem de acordo com a lei.

Desta forma, nos parece que, tanto os notários - entre eles os tabeliães de notas - como os registradores poderão opor-se à lavratura e/ou ao registro do título caso identifiquem alguma desconformidade. O descuido na escritura implicará em exigências dos registradores, o que, por sua vez, demandará uma nova escritura de re-ratificação. Logo, seria de bom alvitre que todas as eventuais exigências dos registradores constassem do primeiro exame, e não em doses homeopáticas.

A exigência dos registradores, poderá, ainda, desaguar no Poder Judiciário, através de suscitação de dúvida, que, a princípio, pelo artigo 89, inciso III do Código de Organização Judiciária do Rio de Janeiro, é de competência da vara de registros públicos. Entendemos, todavia, que o mais lógico seria submeter eventuais dúvidas ao juízo orfanológico, por força do artigo 87, inciso I do mesmo código. De toda forma, temos aí um conflito de competência.

Finalmente, com relação à partilha dos bens móveis, apesar de a lei declarar que a escritura servirá de título hábil somente para fins de registro imobiliário ou civil, é evidente que o referido ato prestar-se-á também como título hábil para a transferência dos bens móveis. Outra interpretação tornaria a lei inócua, já que a maioria dos cidadãos possui uma conta bancária, automóvel etc. Não obstante, considerando que não haverá, neste caso, seu exame pelos registradores, entendemos que toda a responsabilidade, antes delineada, recairá exclusivamente sobre os tabeliães.

Assim, o ponto fundamental, em termos de responsabilidade do tabeliães de notas e dos registradores, apesar da obrigatória assistência de advogados, residirá na correta interpretação dos artigos 1.790 e 1.829 do Código Civil, que trata da concorrência do cônjuge e da companheira na sucessão, e na fiscalização dos impostos daí decorrentes.

Cesar Cury é advogado integrante do departamento de sucessões do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados

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