Título: Faltam engenheiros para iniciar produção de chips no Ceitec
Autor: Bueno, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 05/02/2007, Carreira, p. D6

A um ano do início da fabricação de semicondutores em escala comercial, o Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec) que está sendo implantado em Porto Alegre pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) defronta-se com a escassez de profissionais qualificados para preencher parte das primeiras 30 vagas abertas na linha de produção. A maior carência é de engenheiros e técnicos com experiência na operação e manutenção de equipamentos deste tipo de fábrica, já que o Brasil deixou de produzir chips em 1997, quando a Sid Microeletrônica, que pertencia ao grupo Mathias Machline, encerrou a atividade em Contagem (MG).

Segundo o gerente de fábrica do Ceitec, Celso Peter, depois que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado pelo governo federal isentou de impostos a importação de insumos e equipamentos para a indústria microeletrônica, o "empecilho" que resta para o desenvolvimento do setor no país é a falta de mão-de-obra altamente especializada. Para trabalhar na fabricação de semicondutores no centro gaúcho, os contratados serão submetidos a um treinamento específico de seis meses a um ano, explicou o executivo de 42 anos, formado em física e engenharia eletrônica com mestrado em microeletrônica e experiência de 12 anos na Sid.

Conforme Peter, o problema é concentrado na fabricação, já que a contratação de projetistas e engenheiros para desenhar os circuitos integrados é relativamente mais fácil. O Ceitec já dispõe de 25 desses profissionais e deve chegar a 100 em dois anos. "Há mais candidatos nesta área", afirma. De acordo com ele, mais de 20 universidades brasileiras oferecem cursos de pós-graduação relacionados a projetos em microeletrônica, contra "seis a oito" focadas na produção.

Até agora foram contratadas apenas cinco pessoas para a futura fábrica do Ceitec, que serão as responsáveis pelo desenvolvimento dos processos de fabricação. São engenheiros e físicos de sólida formação e experiência acadêmica, domínio de inglês e egressos de instituições como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS), USP e Unicamp, que foram selecionados entre mais de 30 candidatos.

Para coordenar a produção e fazer a manutenção dos equipamentos serão necessários outros cinco profissionais, mas até agora Peter já leu mais de 200 currículos e ainda não conseguiu separar dez para a fase de entrevistas. As vagas, oferecidas por intermédio de 175 "headhunters" em todo o país e pela página da instituição na internet (www. ceitecmicrossistemas.org.br), são para engenheiros químicos, mecânicos, elétricos, eletrônicos e industriais com pelo menos três anos de experiência em linhas de produção de alta tecnologia.

"Precisamos de pessoas com experiência em estruturas complexas, capazes de trabalhar em ambiente de sala limpa e com sistemas de água e gases ultra-puros", explica o gerente. Segundo ele, se todos os projetos em maturação no Ceitec forem bem sucedidos, em três anos será necessário abrir o segundo turno de produção e dobrar o número de funcionários.

Depois de fechar o quadro de engenheiros, Peter vai abrir o processo de seleção de 20 técnicos de nível médio com formação em química, eletrônica e mecatrônica e já prevê dificuldades também nessa etapa. "Há uma grande carência neste segmento no Brasil porque temos poucas escolas de boa qualidade", afirma o gerente.

Para quem já foi contratado, o Ceitec foi a alternativa a permanecer na pesquisa acadêmica sobre processos de produção de semicondutores ou a buscar colocação no exterior. O salário é atraente. Pode partir de R$ 7 mil e crescer de acordo com o desenvolvimento dos profissionais dentro do plano de carreira já desenhado pelo centro. Conforme Peter, foi adotado o modelo em "Y" para permitir a ascensão tanto pelo ramo técnico quanto pelo gerencial. "Queremos atrair e reter talentos porque competimos com as boas universidades e as empresas de design de semicondutores".

André Daltrini, 30 anos, físico com pós-doutorado em microeletrônica pela Unicamp e ex-bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), foi contratado pelo Ceitec no início de janeiro depois de 12,5 anos ininterruptos de vida universitária, incluindo três meses de estágio voltado a processos de produção na Queen's University, na Irlanda do Norte, em 2005. "Troquei a visão acadêmica pela industrial, que considera a qualidade, os custos e também a viabilidade dos projetos", diz Daltrini, que já viu um ex-colega de graduação utilizar os conhecimentos de matemática para trabalhar na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) devido às dificuldades de encontrar vagas na área de origem.

Para Canan Ramos, 29 anos, engenheiro químico com mestrado em engenharia e tecnologia de materiais pela PUC-RS, o Ceitec foi a melhor oportunidade para dar seqüência a uma carreira acadêmica há quase dez anos focada na pesquisa e desenvolvimento, em laboratório, de sistemas semicondutores. A trajetória iniciou na graduação, ainda em 1998, como bolsista de iniciação científica, e foi até o período de um ano e meio como técnico superior na planta-piloto para a fabricação de módulos fotovoltaicos do Centro Brasileiro de Energia Solar (CB Solar) instalado junto ao Núcleo Tecnológico de Energia Solar da universidade.

Segundo o diretor presidente do Ceitec, Sérgio Souza Dias, as obras físicas do centro, iniciadas em 2005, deverão estar concluídas até junho. Depois disso serão necessários três meses para a instalação dos equipamentos, parte deles doada pela Freescale ainda em 2001, e um período semelhante de ajustes até o início das operações industriais. A capacidade instalada será de até 1 mil lâminas de silício por semana, capazes de comportar até 15 milhões de semicondutores. O primeiro chip a sair das linhas do centro gaúcho deverá ser destinado à identificação por radiofreqüência para uso em sistemas de rastreabilidade bovina.

No total, a implantação do Ceitec exigirá investimentos de R$ 180 milhões, sendo 80% bancados pelo MCT. Além da Freescale, o governo do Rio Grande do Sul e a prefeitura de Porto Alegre também contribuíram com obras de infra-estrutura e serviços de logística. No ano passado o projeto recebeu 100% dos R$ 89 milhões orçados pelo ministério e em 2007 deverão ser repassados mais R$ 62 milhões para completar a obra e colocar os equipamentos em funcionamento.

Os custos de operação serão de cerca de R$ 15 milhões anuais, mas o centro pretende alcançar a auto-suficiência financeira em três anos com a venda de produtos e serviços, afirma Dias. O Ceitec também está negociando com a Casa Civil do governo federal a conversão da figura jurídica de associação civil sem fins lucrativos para empresa pública, com a possibilidade de no futuro abrir capital para a captação de novos recursos.