Título: Plano B dos fichas sujas
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 18/10/2010, Política, p. 7

ELEIÇÕES 2010 Partidos tentam na Justiça manter na legenda os votos de seus candidatos que correm o risco de ficar de fora do Congresso, caso o Poder Judiciário entenda que eles são inelegíveis por terem sido condenados em decisões colegiadas ou por renunciarem ao mandato

Preocupados com a indefinição sobre a validade da Lei da Ficha Limpa para estas eleições, os partidos articulam um plano B para não perderem os votos dados a candidatos que estão com o registro indeferido. Advogados de legendas que esperam ficar com os votos recebidos pelos chamados ¿fichas sujas¿ têm como carta na manga o artigo 175 do Código Eleitoral, que prevê que os votos de políticos que forem julgados inelegíveis depois do pleito passam a ser do partido.

A medida, caso aplicada, livrará alguns partidos da perda de cadeiras no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas. No entanto, a minirreforma eleitoral, que incorporou novos dispositivos à Lei Eleitoral, em setembro do ano passado, prevê em seu artigo 16-A que os votos recebidos por candidatos que se tornarem inelegíveis após as eleições sejam considerados nulos e retirados do partido ou da coligação.

A dúvida jurídica se dá em torno do fato de ambos os artigos, um do Código Eleitoral (Lei n° 4.737/65) e outro da Lei Eleitoral (n° 9.504/97), estarem em vigor. O imbróglio terá de ser decidido pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE ). Em regra, a lei mais nova prevalece em relação à mais antiga nos trechos em que ambas conflitam. Nesse caso, a decisão seria no sentido de tornar nulos todos os votos dados aos candidatos indeferidos, independentemente de a inelegibilidade ter sido definida antes ou depois da eleição de 3 de outubro.

Engavetados De acordo com o advogado eleitoral Arthur Rollo, até as últimas eleições, o TSE aplicava a chamada ¿teoria dos votos engavetados, na qual é levada em conta a fotografia do dia da eleição¿. Para exemplificar, o jurista citou o caso de deputado federal Valdemar Costa Neto (PR). ¿Ele estava com o registro deferido no dia da eleição. Se o TSE reformar a decisão e ele passar a ter o registro indeferido, os votos passariam para a legenda.¿

Valdemar foi reeleito com 174 mil votos, já que, no dia do pleito, sua candidatura estava deferida. A Justiça, porém, ainda vai julgar um recurso em que o Ministério Público pede que seja reconhecida a inelegibilidade do parlamentar, que renunciou ao mandato em 2005 para escapar da cassação, após ser citado no escândalo do mensalão.

Arthur Rollo ressalva que se a nova regra for aplicada em cenário que Valdemar se torne inelegível, os votos ¿irão da gaveta para o lixo¿. ¿Existe uma pressão para se manter o entendimento anterior, aplicado nas últimas eleições. Mas o correto, na minha opinião, seria aplicar o artigo 16-A, que torna nulos todos os votos dados a candidatos inelegíveis em qualquer momento. Esse votos não deveriam ir para a legenda¿, opinou.

O principal argumento dos partidos na luta para ficar com os votos dos ¿fichas sujas¿ é o de que os dois primeiros números digitados no momento do voto para deputado formam o número do partido. Por isso, consideram que o voto é da legenda. Alegam ainda que, quando o eleitor digita os dois números da legenda e depois mais três números de candidato que não existe, o voto fica com o partido. Tal argumento, se acatado, pode abrir um precedente perigoso, pois estimularia candidaturas inviáveis, como a de políticos condenados pela Justiça e ou que tenham a ¿ficha suja¿ reconhecida.

Supremo Qualquer que for a solução encontrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a validade da Lei da Ficha Limpa nestas eleições, ela poderá alterar as bancadas dos partidos no Congresso Nacional. Se os ministros decidirem que a regra não pode ser aplicada neste ano, a Justiça Eleitoral terá de refazer o cálculo do quociente eleitoral.

Nesse cenário, os votos recebidos por candidatos como Paulo Maluf (PP-SP), que obteve 497 mil votos, e João Pizzolatti (PP-SC), que conquistou 133 mil, passariam a ser válidos. Ambos só não foram eleitos porque foram considerados inelegíveis pela Justiça Eleitoral.

A ELEIÇÃO NÃO ACABOU

TREs Os tribunais regionais eleitorais (TREs) já anunciaram o resultado das eleições, mas sabem que as composições, principalmente das cadeiras do Congresso e das assembleias legislativas, podem ser alteradas por decisão da Justiça.

TSE O Tribunal Superior Eleitoral acumula dezenas de recursos contra a candidatura de políticos eleitos em 3 de outubro e também de candidatos que conquistaram votos suficientes para uma vitória, mas que não foram declarados eleitos porque estão inelegíveis. As decisões do TSE podem alterar o cálculo do quociente eleitoral e o tamanho das bancadas dos partidos.

STF A palavra final sobre a Lei da Ficha Limpa será dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que, no fim de setembro, chegou a julgar o primeiro caso concreto sobre a validade da regra. A análise, porém, foi interrompida com o placar empatado em 5 votos a 5, sem que fosse proclamado um resultado final. Se o STF definir que a lei não vale para estas eleições, todos os candidatos barrados com base na Ficha Limpa terão os votos contados, o que promete alterar significativamente o tamanho das bancadas nos estados.

O QUE DIZ A LEI

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não se pronunciou sobre o destino dos votos recebidos por candidatos que no dia da eleição estavam com a candidatura indeferida, mas depois forem considerados inelegíveis. A dúvida é se o voto ficará ou não com o partido ou a coligação.

Artigo 175 do Código Eleitoral (Lei n° 4.737/65) O artigo diz que serão nulos, para todos os efeitos, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados, mas ressalva que a medida não se aplica quando a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento de registro for proferida após a eleição, ¿caso em que os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido feito o seu registro.¿

Artigo 16-A da Lei n° 9.504/97 (alterado pela minirreforma eleitoral de setembro de 2009) De acordo com o artigo, a validade dos votos atribuídos ao candidato fica condicionada ao deferimento de seu registro. O parágrafo único define que a contagem dos votos dados aos candidatos em situação sub judice no dia da eleição fica condicionada ao deferimento do registro do candidato. Ou seja, se o político for considerado inelegível, ele fica sem voto, assim como seu partido.