Título: CPMF e DRU desafiam futuro Congresso
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 29/09/2006, Política, p. A10

O governo terá dificuldade de continuar contando com a receita da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) a partir de 2008, seja quem for o próximo presidente da República. Os dois principais partidos hoje de oposição não vão aceitar a prorrogação pura e simples do tributo, como aconteceu em 2003, avisam o líder do PFL na Câmara, deputado Rodrigo Maia (RJ), e o presidente do PSDB e vice-líder da minoria no Senado, senador Tasso Jereissati (CE).

Prorrogada duas vezes, a CPMF expira no fim de 2007, ano em que responderá por uma arrecadação de R$ 35,5 bilhões, 8,8% do total administrado pela Secretaria da Receita Federal (SRF), segundo Orçamento já apresentado ao Congresso. Afinados, os dois líderes oposicionistas disseram ao Valor que seus partidos até estão dispostos a defender uma emenda constitucional que transforme em permanente a contribuição. Mas, para tanto, a mesma emenda terá que prever um cronograma gradual de redução da alíquota, atualmente de 0,38%, a um nível simbólico. A idéia é que, no prazo máximo de mais um mandato presidencial, o tributo deixe de ser um instrumento de arrecadação e permaneça apenas como instrumento de fiscalização da SRF. Há quem entenda que o prazo deve ser menor. É o caso do vice-líder do PSDB na Câmara, deputado Bismarck Maia (CE). Para ele, essa transição deveria ser feita, "no máximo, em três anos".

A determinação em acabar com a CPMF tal qual ela é atualmente vale inclusive na hipótese de vitória do candidato da coligação num eventual segundo turno das eleições presidenciais, assegura Rodrigo Maia. "Esse é um compromisso do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) conosco", diz o deputado do PFL.

Rodrigo Maia e Tasso reconhecem que "o futuro governo Alckmin" não poderia abrir mão da CPMF como instrumento de arrecadação sem substituí-la por outra fonte de receita. Por isso, admitem a criação ou ampliação de outro tributo, desde que não recaia sobre a produção. O grande problema da CPMF, explicam, é justamente o fato de que ela onera a produção. A fonte substituta deve ser "preferencialmente um tributo sobre a renda", para desonerar a produção e para que seja repartido com Estados e municípios, defende Tasso. A CPMF não é repartida.

Dentro dos quadros da atual oposição, porém, essa é uma questão polêmica. O deputado Bismarck Maia prefere um ajuste do lado das despesas à substituição da CPMF por outra fonte. Tasso também vê necessidade de um programa de ajuste fiscal profundo, do lado da despesa. Mas, ainda assim, com substituição e não mera extinção da CPMF.

Antes de um possível acordo com o governo em torno da CPMF, os atuais oposicionistas vão cobrar uma prestação detalhada de contas sobre o uso desses recursos, avisa o líder do PFL no Senado, senador José Agripino (RN). "Vamos fazer uma avaliação crítica. Não podemos dar um cheque em branco. Esse é um governo em que não se pode confiar", disse ele, numa alusão à possível reeleição de Lula.

O governo atual já sinalizou que vai brigar para não perder a receita hoje proporcionada pela CPMF, ainda que na forma de outro tributo. "Nenhum governo poderá prescindir " dela, disse o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, por ocasião do encaminhamento da proposta orçamentária para 2007. "Seja quem for, o eleito terá que enfrentar essas duas questões", acrescentou ele, referindo-se, ainda, ao mecanismo de Desvinculação de Receitas da União (DRU).

A renovação da DRU, que também expira no fim de 2007, é menos polêmica. Por causa do excessivo grau de vinculação das receitas dos orçamentos públicos, nenhum dos líderes do PFL e do PSDB ouvidos se opôs a tal possibilidade. Na tentativa de ganhar governadores como aliados nessa causa, o governo federal, por sua vez, pensa em propor junto a criação de igual mecanismo para os Estados, a DRE. Resta saber em que percentual. Na União, a DRU desvincula 20% das receitas, após apartadas aquelas destinadas a transferências constitucionais a Estados e municípios.

Também criada no mandato de Fernando Henrique, a DRU tem sido fundamental para fechar as contas do Orçamento da União, embora não seja um instrumento de arrecadação. Isso porque acaba evitando mais gastos, ao permitir que despesas obrigatórias sem fonte carimbada de receita sejam cobertas com arrecadação que seria necessariamente aplicada em outra finalidade, não fosse a desvinculação. No projeto de Orçamento para 2007, por exemplo, a margem de manobra aberta pela DRU chega a R$ 79,25 bilhões. O valor supera a meta de superávit primário (sem juros) no âmbito do orçamento fiscal e da seguridade social, fixado em R$ 51,7 bilhões.

O senador Heráclito Fortes (PFL-PI) diz que um grande acordo em torno da CPMF e da DRU ficará mais fácil se essas propostas caminharem paralelamente ou mesmo depois da reforma política. Nesse ponto, ele conta com a concordância dos líderes do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), e do PT, senadora Ideli Salvatti (SC), no Senado. "Reconstruir as relações entre governo e Congresso e entre os partidos passa pela reforma política. Este é um ponto de aglutinação", afirma Jucá.

A solução para o fim da DRU e da CPMF precisa, em tese, estar definida antes do prazo final de apresentação do Orçamento de 2008 ao Congresso, em agosto de 2007. Por isso, Jucá defende que o governo não espere 2007 para encaminhar a respectiva proposta de emenda constitucional. "A discussão entre os partidos deve começar ainda nesta legislatura", concorda o líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). Chinaglia e Ideli entendem que tão urgente quanto a prorrogação da DRU e da CPMF e a reforma política é a PEC de unificação das regras e alíquotas do ICMS (estadual), já aprovada pelo Senado e em tramitação na Câmara.