Título: Para analistas, atentado é começo do fim de Assad
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Fonte: Valor Econômico, 19/07/2012, Internacional, p. A13

É o começo do fim, mas um fim potencialmente sangrento. Esta é a avaliação feita ontem por analistas e ativistas, depois que Bashar al Assad enfrentou um golpe devastador ao seu governo com uma explosão em uma instalação de segurança no centro de Damasco que matou pelo menos três das autoridades mais graduadas do país na área de segurança, incluindo seu cunhado Assef Shawkat, número 2 das Forças Armadas.

Enquanto outros oficiais eram transportados para um hospital de Damasco, em meio a rumores de que o irmão do presidente, Maher, chefe da principal unidade de elite do Exército, também estava ferido, analistas e ex-membros do regime acreditavam que Assad vai atacar seus oponentes, em uma tentativa desesperada de mostrar que pode manter o controle sobre a capital.

"Estou ouvindo relatos de Damasco de que eles estão transferindo tropas de outras áreas para a cidade", disse Samir al Taqi, um ex-conselheiro do governo, hoje um dissidente em Dubai. "Há confusão no regime, que poderá se transformar em pânico."

Embora não estivesse claro ontem quem esteve por trás do atentado - o regime o classificou de ataque suicida, o que sugere a participação de um grupo extremista, e a oposição insistia que se tratou de uma operação do grupo rebelde Exército Livre da Síria, com a ajuda de gente de dentro das instalações -, ele foi uma demonstração dramática de que o prolongado conflito em torno de Damasco se transformou em uma batalha total pelo controle da capital.

Trata-se de uma batalha que vinha sendo anunciada havia meses. Analistas afirmam que, mesmo que os rebeldes lutando para manter o controle sobre áreas rurais e o regime tentando manter o controle sobre as cidades, o futuro da Síria será decidido em Damasco, a sede do poder.

Desde abril, o clima na cidade mudou, depois que rebeldes expulsos de outras áreas se concentraram nos subúrbios e começaram a abrir caminho por entre os bairros que cercam a capital. Em junho, os rebeldes conseguiram impor uma greve aos centros empresariais de Damasco pela primeira vez, e ativistas cada vez mais ousados vêm organizando manifestações contra o governo.

No entanto, foi no começo desta semana que o Exército Livre da Síria intensificou as atividades, com seus combatentes enfrentando forças do governo em vários pontos da cidade e usando, na noite de terça-feira, lançadores de granadas para atacar um prédio presidencial. Algumas áreas de confronto, como os distritos de Harasta, Qaboun e Barzeh, no norte da cidade, há muito são focos de oposição. O que mudou nesta semana, porém, foi a propagação dos combates para distritos do sul e centro da cidade, como Tadamon, Kfar Sousah e Midan, transformando o conflito, até agora localizado, em uma batalha espalhada.

"Os rebeldes se aprimoraram bastante, e o regime não percebeu até onde", disse um analista em Damasco. "O regime percebeu que precisava tentar impedir o ataque a Damasco sendo duro com a oposição dentro e em torno da capital nos últimos dias. Mas grupos armados vêm demonstrando que podem se proteger e criaram uma sensação de que o regime está perdendo o controle de Damasco."

Emile Hokayem, analista em Beirute do International Institute for Strategic Studies de Londres, disse que os rebeldes também aprenderam lições importantes após mais de 16 meses de luta contra o regime. "Eles estão tentando manter alguns bairros, sem se estender demais, e ao mesmo tempo tentando ataques simbólicos e estratégicos contra o regime."

Entre os mortos confirmados no ataque de ontem, está o carismático Shawkat que representa a maior perda estratégica para o regime. Marido de Bushra, a poderosa irmã de Assad, ele era considerado por muitos o mais importante membro do clã, depois do presidente. Supostamente na casa dos 60 anos, ele tinha mais experiência do que Assad ou seu irmão Maher, e era visto como o "adulto" e o cérebro por trás do regime.

"Foi um golpe em todos os níveis possíveis. Assef Shawkat era seguramente um dos dois ou três oficiais mais graduados em assuntos de segurança", disse Hokayem. No entanto, opositores de Assad admitiram ontem que ainda é muito cedo para declarar o fim do presidente, embora sua capacidade de sobrevivência tenha diminuído ainda mais. "Ainda não é o fim, mas é o começo do fim", disse Louay Mokdad, um ativista que trabalha com o Exército Livre da Síria. "O regime agora vai atacar as vizinhanças civis de Damasco e vai usar a violência, mas se eles tiverem que colocar tanques nas ruas, estarão perdidos."

Certamente, o regime tem capacidade militar para retaliar com ferocidade, mas a confiabilidade dos militares e das forças de segurança estão agora sob uma dúvida crescente. Ontem, o governo tentou demonstrar que tudo estava dentro da normalidade, nomeando um novo ministro da Defesa e insistindo que a vida segue normal.

Entretanto, uma das prováveis repercussões dos acontecimentos de ontem será a aceleração das deserções, no momento em que os comandantes rebeldes afirmam que 20 generais do regime aderiram às suas fileiras.

"Militarmente, o regime tem como lutar e se tiver tempo poderá esmagar a rebelião em Damasco, mas o simbolismo disso tudo é que é importante", disse o analista baseado em Damasco. "Há uma sensação de que o fim chegou. Se o regime não mostrar de forma clara que este não é o fim, será um salve-se-quem-puder."