Título: País cresce e padrão de vida pouco evolui
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 18/10/2010, Economia, p. 11

CONJUNTURA Mantido o ritmo de expansão, o Brasil só alcança o atual nível dos EUA em 30 anos

No último ano de sua gestão, a equipe econômica do governo Lula comemora a superação da crise financeira global e a expectativa de um crescimento sem precedentes nos últimos 25 anos. O nível de desenvolvimento, porém, ainda está muito aquém do encontrado em nações avançadas e, para deixar definitivamente a condição de país emergente, é necessário acelerar o ritmo sob pena de levar até 75 anos para o brasileiro ter o mesmo padrão desfrutado hoje pelos norte-americanos.

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) médio na última década foi de 2,3%. Com essa taxa, o Brasil chegará aos US$ 46 mil equivalentes ao PIB per capita dos Estados Unidos apenas em 2085. Se o país cumprir nos próximos anos o que os economistas chamam de PIB potencial %u2014 nível em que a expansão é sustentável, entre 4% e 4,5% no caso do Brasil %u2014 esse prazo cai para 54 anos e, mantido o fôlego de 7,2% previsto e documentado na quarta revisão do orçamento deste ano, alcança-se a atual condição norte-americana em 30 anos.

A receita para encurtar esse caminho, garantem especialistas, começa com a resolução de questões mais imediatas, como a ampliação da taxa de investimento e a necessidade de diminuir o volume de recursos destinados aos gastos públicos, mas também inclui reformas estruturais no sistema previdenciário, desenvolvimento de tecnologia nacional e mudanças na oferta de educação básica.

%u201CManter uma taxa de 7% por vários anos, do jeito que estamos hoje, é sonho. No máximo conseguiremos sustentar um pouco mais de 4%%u201D, dispara José Luis Oreiro, professor do Departamento Econômico da Universidade de Brasília (UNB). Para ele, a condição mínima para ampliar a capacidade de produção do país é aumentar em pelo menos cinco pontos percentuais a taxa de investimento, dos atuais 18%, para 23% do PIB. O salto, no entanto, só será possível com o saneamento das contas públicas. %u201CÉ preciso mudar o perfil das despesas. Quando você destina menos dinheiro aos gastos da máquina e mais aos investimentos, os gargalos de infraestrutura são resolvidos naturalmente%u201D, analisa.

Os investimentos totais do governo somaram R$ 28 bilhões nos primeiros oito meses do ano, conforme divulgou o Tesouro Nacional. O valor é 62% superior ao registrado no mesmo período de 2009, mas ainda representa menos de 2% do PIB.

Obstáculos à frente A economista-chefe da corretora Icap Brasil, Inês Filipa, também lista a melhoria da infraestrutura como premissa para turbinar os motores do país. Inclui ainda outros três fatores: educação, tecnologia e demanda externa aquecida. %u201CParece um pouco bobo colocar esses fatores, mas não há escapatória. É isso que move e sustenta uma economia no longo prazo%u201D, explica. No ciclo imaginado pela economista, o incremento nos sistemas de ensino favorece a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias. O mercado internacional recuperado, por sua vez, estimularia a expansão da produção.

Somado às altas despesas mantidas atualmente pelo governo, Inês lembra que outro obstáculo ao crescimento é a baixa participação do setor privado nas grandes obras (estradas, portos, aeroportos) ainda é fruto de pouco estímulo. %u201CFaltam garantias e incentivos para os empresários. Não há sequer a certeza de retorno, então o setor privado não entra nessas empreitadas%u201D, pondera.

Além da deficiência logística, outro entrave ao crescimento é a falta de poupança interna, que joga o país na dependência do financiamento externo para bancar seus gastos. %u201CA China só consegue crescer a 10% ao ano, sem parar e sem gerar uma explosão na inflação porque tem uma das maiores poupanças internas do mundo%u201D, ressalta o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. O economista diz-se contrário à linha de pensamento que defende que o investimento gera poupança (ao aumentar a produção de riquezas). %u201CNão concordo, acho que um país que se propõe a investir mais do que a poupar acaba reforçando o deficit externo%u201D, afirma.

EDUCAÇÃO É CHAVE

O Brasil tende a perpetuar o crescimento a passos de tartaruga, enquanto mantiver a educação básica relegada ao segundo plano no que diz respeito ao planejamento de políticas públicas, garantem os economistas. Sem melhora na estrutura de ensino dos primeiros anos da carreira escolar, o país tende a perder o pouco do protagonismo internacional conquistado após a crise.

O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal, aponta essa como uma das chaves para o aumento da produtividade das empresas instaladas no mercado doméstico. %u201CA falta de qualificação é um dos maiores empecilhos para a indústria nacional%u201D, lamenta. Leal lembra que a escassez de tecnologia e maquinário dos parques produtivos pode ser rapidamente preenchida com a importação de bens de capital e insumos, solução que não se aplica à mão de obra.

Na avaliação do economista, há pouco tempo para se dedicar ao tema, uma vez que vivemos atualmente em um %u201Cbônus demográfico%u201D, no qual há uma parcela maior da população em idade produtiva. %u201CEssa janela, no entanto, deve se fechar por volta de 2020, então é preciso correr. A Coreia passou por essa situação na década de 70 e aproveitou. Hoje eles são o que são. Agarrar esse bônus é como nadar a favor da corrente%u201D, aponta. (GC)

Qualificação Em alguns setores da economia, a falta de profissionais qualificados se tornou um problema crônico, atrapalhando o avanço da atividade. Na construção civil, segmento que passa por um boom de crescimento sem precedentes nos últimos 20 anos, a solução encontrada pelas empresas para driblar a escassez foi contratar os trabalhadores e treiná-los no canteiro de obras.