Título: O descompasso entre duas Casas
Autor: Mascarenhas , Gabriel
Fonte: Valor Econômico, 16/07/2012, Política, p. 2/3

Os plenários da Câmara dos Deputados e do Senado são separados por pouco mais de 100m. A distância entre as prioridades dos projetos aprovados nas duas Casas, entretanto, é quilométrica. Parte das matérias, quando passa pelos senadores, esbarra na falta de acordo de deputados — e vice-versa.

Referendadas pelo Senado, propostas de extinção do pagamento de 14º e 15º salários a parlamentares e a de redistribuição dos royalties do petróleo, por exemplo, dormem na inércia das gavetas da Câmara. O primeiro está na Comissão de Finanças e Tributação e o segundo, pronto para entrar na pauta.

Em contrapartida, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Trabalho Escravo, que põe fim à exploração da mão de obra e ao serviço degradante, tramitando no Congresso desde 1999, foi aprovada pelos deputados, mas ainda entrou no cronograma de trabalho da Casa vizinha.

Os senadores ficaram de elaborar uma lei complementar contendo a definição do termo trabalho escravo, o que ainda não ocorreu. "Existem projetos muito importantes, inclusive para resgatar a credibilidade do parlamento, como a extinção do 14º e do 15º salários ou o fim do voto secreto no Congresso. Um projeto ser aprovado ou derrotado faz parte da democracia. Duro é haver medidas de alta relevância que nem sequer são apreciadas", criticou o deputado José Antônio Reguffe (PDT-DF).

A morosidade da tramitação costuma ser maior quando o instrumento de mudanças na legislação vem embalado na alcunha de reforma e passa pelos interesses e ganhos diretos dos parlamentares. No Senado, há a proposta de reforma administrativa, pacote de medidas que garantiriam cortes de gastos na estrutura da Casa. Embora o discurso de nove entre 10 senadores aponte a necessidade de enxugamento, a matéria naufragou na Comissão de Constituição e Justiça por falta de acordo em relação a dois modelos apresentados — um do senador Benedito de Lira (PP-AL), outro de autoria do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) — e dificilmente será apreciada este ano. No mesmo passo, caminham as propostas de reformas políticas, uma no Senado, outra na Câmara.

O Código Florestal, após horas de polêmicas e embates, enfim, passou pelas duas esferas do parlamento e chegou à mesa da presidente Dilma Rousseff. Ela vetou trechos do documento e enviou uma Medida Provisória com mudanças na versão original. Na última quinta-feira, a comissão mista formada para apreciar a matéria aprovou o texto-base vindo do Executivo, mas incluiu centenas de alterações. Todas terão que ser votadas pelo colegiado, antes de o projeto seguir novamente para a Câmara. "A produção legislativa deixou a desejar no primeiro semestre. Devemos nos preocupar com projetos estruturantes", afirmou o senador Pedro Taques (PDT-MT).

Defensores dos resultados da atuação parlamentar deste ano enxergam vitórias: a lei que cria o Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), cujo objetivo é reduzir o deficit da previdência social a partir da alteração das regras de contribuição dos servidores; e a aprovação da Resolução 72, que fixa alíquota única de ICMS em todo o país para transações de mercadorias entre estados, além da aprovação da Lei Geral da Copa e da que determinou o fim da exigência de cheques-caução em hospitais particulares.