Título: Lula culpa PT por 2º turno e põe aliados na campanha
Autor: Romero, Cristiano e Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2006, Política, p. A3

Em clima de velório, ministros e assessores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentaram ontem o fato de a eleição não ter sido decidida no primeiro turno e já começaram a planejar a estratégia para a disputa do segundo turno. Pelo menos uma decisão o presidente já tomou, segundo um assessor direto: a campanha sofrerá um "freio de arrumação", com a redução do papel do PT, principalmente, da seção paulista do partido. Lula quer agora que seus aliados, especialmente os vitoriosos no primeiro turno, o ajudem na disputa do dia 29.

Lula estaria disposto também a participar de debates com Geraldo Alckmin (PSDB). "O presidente vai para o debate, discutindo propostas e fazendo comparações com o governo anterior", revelou um colaborador. A intenção, por enquanto, é não partir para uma campanha agressiva, desde que Alckmin faça o mesmo.

Lula atribuiu o crescimento do candidato tucano e a ocorrência de segundo turno à crise do dossiê, protagonizada por petistas que trabalharam na campanha. Há duas semanas, quando estourou o escândalo, o presidente liderava as pesquisas com certa folga e tudo apontava para uma vitória no primeiro turno. Na noite de sábado, quando tomou conhecimento, em sua residência particular, em São Bernardo do Campo (SP), das pesquisas indicando empate técnico, o presidente, segundo um assessor, ficou transtornado.

Uma expressão desse sentimento foi revelado pelo senador Eduardo Suplicy, que acompanhou Lula durante a votação, numa escola de São Bernardo do Campo (SP). Reeleito ontem, Suplicy contou que Lula disse a ele que gostaria de "torcer o pescoço" dos petistas que se envolveram na crise do dossiê. "Foi essa a expressão que ele usou", revelou o senador.

"A campanha, agora, vai passar por uma rearrumação geral", contou um colaborador de Lula. No primeiro turno, por causa do escândalo do dossiê, o presidente afastou o deputado Ricardo Berzoini da coordenação da campanha. Agora, as mudanças serão mais profundas, segundo um assessor. Deverão ser anunciadas no início oficial da campanha, a ser proclamado pelo TSE.

Alguns petistas responsabilizaram o resultado do primeiro turno ao não-comparecimento de Lula ao debate da TV Globo. O presidente, conforme relato de um assessor, tomou a decisão sozinho, mas pelo menos dois ministros - Tarso Genro (articulação política) e Dilma Rousseff (Casa Civil) - teriam insistido para que ele não fosse ao debate. O temor era o de que a candidata do P-SOL, Heloísa Helena, atacasse a honra do presidente, mencionando, por exemplo, que a empresa Gamecorp, de seu filho Fábio Luiz da Silva, o "Lulinha", recebeu dinheiro da Telemar, supostamente numa operação de tráfico de influência.

Em Fortaleza, o ex-ministro Ciro Gomes (PSB) previu que, sem vitória de Lula no primeiro turno, haverá tensão social e confronto político "exacerbados". Ele sugeriu que o presidente desarme a "bomba" e pacifique o país, "cortando na carne" e chamando o PSDB para uma conversa. Ciro admitiu dificuldades para Lula ganhar a disputa no segundo turno e referiu-se ainda a "práticas golpistas" para impedir a reeleição.

"Se a população brasileira mais pobre sentir que, mesmo por dentro das instituições, uma prática golpista tirou a possibilidade de Lula se eleger, eu temo realmente pelo dia seguinte que o Brasil vai viver", disse Ciro. Segundo ele, Lula foi vítima, nos últimos dias, de "uma seqüência de golpes e estocadas oportunistas, rasteiras, mistificadoras". Ele citou a divulgação da foto do dinheiro usado por petistas para comprar um dossiê contra José Serra e a exploração pela mídia da ausência do presidente no debate da TV Globo, além do que chamou de "editorialização facciosa" da imprensa sobre esses episódios. "A classe pobre acredita no caminho democrático para superar sua miséria. O Lula materializou isso. Se ele perde a eleição, é do jogo. Mas, se as pessoas acham que jogaram para tirá-lo, não tenha dúvida de que a revolta e a reação serão muito grandes", previu.

Ciro atribuiu ao "comportamento inescrupuloso da elite política brasileira" as dificuldades enfrentadas por Lula para se reeleger, principalmente à "casta política paulista", na qual incluiu os grupos hegemônicos tanto do PSDB quanto do PT. Segundo ele, o "provincianismo" da política paulista está impondo "custos e riscos" ao país. Ciro chamou os petistas envolvidos na crise do dossiê de "aprendizes de mafiosos".

Ciro disse que Alckmin está sendo "mistificado" e não é "anjinho". E previu dificuldades para a governabilidade num governo tucano. "Se for anjinho e mulher não pode receber 400 vestidos", ironizou ele, referindo-se ao fato de Lu Alckmin, mulher do candidato tucano, ter ganhado vestidos de presente da loja Daslu. Em seguida, Ciro fez uma ameaça velada. "Ele pode ser correto, decente, republicano, como é, na minha opinião. Mas ganha o governo desse jeito e vê como é que vai ser o governo depois. Por exemplo, a minha conduta."

Um dos principais conselheiros de Lula, o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), disse, em Belo Horizonte, que uma vitória no segundo turno exigirá mais habilidade do governo para um possível pacto de governabilidade com a oposição. "Os bombeiros vão ter que trabalhar dobrado", declarou. O prefeito é um dos petistas que defendem um acordo com a oposição.

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci, criticou a oposição, mas reconheceu que haveria segundo turno antes mesmo do encerramento da votação. "Sempre cogitamos o segundo turno", disse. "Essa foi uma campanha de ataques grosseiros, pessoais, artificiais, de mentiras. A oposição não apresentou nenhuma proposta. Foi uma batalha para denegrir o presidente da República."

Ontem, após votar em uma escola de São Bernardo do Campo, Lula procurou, em vão, mostrar confiança. Em rápido pronunciamento à imprensa e visivelmente irritado com o tumulto formado na escola, ele afirmou que esta eleição representa a consolidação do processo democrático e que o povo brasileiro votaria com "maturidade". "Estamos confiantes de que o Brasil tem um destino traçado", disse o presidente, acrescentando que a economia brasileira deve continuar crescendo.

Quando votou, Lula estava acompanhado de Marisa Letícia, do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e do candidato do PT ao governo do Estado, Aloísio Mercadante, além do senador Eduardo Suplicy. No início da tarde, ele foi para Brasília, onde acompanhou a apuração no Alvorada. (Colaborou Ivana Moreira, de Belo Horizonte)