Título: Governistas aceitam estender foro privilegiado a ex-presidentes do BC
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2004, Poítica, p. A6

Mesmo a contragosto de boa parte da base aliada, especialmente do PT e do PC do B, o governo preparou o terreno ontem para votar a medida provisória 207, que concede "status" de ministro ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, estendendo a ele a prerrogativa de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Como fruto de uma negociação na noite de ontem, o relator da MP, Ricardo Fiúza (PP-PE), decidiu aceitar um destaque do deputado Miro Teixeira (PPS-RJ), estendendo o foro privilegiado também a todos os ex-presidentes do BC. A MP causou divisão explícita em reunião tensa na bancada do PT: 26 deputados defenderam a medida, e 23 manifestaram-se contra. Os dissidentes petistas prometeram votar contra a medida no plenário, alegando que feria princípios éticos do partido. Até o fechamento desta edição, a MP ainda estava sendo apreciada. A oposição pedia adiamento da votação, mas esse requerimento seria rejeitado numa votação nominal. Dessa forma a apreciação da MP se daria em seguida numa votação simbólica, não sendo possível identificar nominalmente os dissidentes da base. O relator, Ricardo Fiúza (PP-PE), concluiu a leitura de seu parecer. Parte do governo pretendia estender a votação até a madrugada, mas alguns parlamentares da base achavam mais prudente deixar a votação para hoje. A oposição usou de todos os instrumentos para obstruir a votação. A reforma política foi usada como moeda de troca para facilitar a votação da MP. Parlamentares do PL, PTB e PP negociaram com o governo o adiamento da votação da reforma, marcada para ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Adiada a votação da reforma, os partidos demonstraram mais boa vontade para aprovar a medida. "É um compromisso do PTB votar maciçamente na indicação do Meirelles como ministro. Aliás, nós o convidamos para ser o nosso candidato em Goiás e vamos dar todo o apoio para ele lá no Congresso", afirmou o ministro Walfrido dos Mares Guia, após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem. Deputados do PT negaram, com constrangimento, a existência do acordo envolvendo a reforma política. "Não vamos jogar fora o bebê com a água do banho. Quando o debate estiver maduro, vamos votar. Era necessário que a CCJ apreciasse hoje (ontem) as emendas ao orçamento. Não estou me omitindo", justificou o presidente da CCJ, Maurício Rands (PT-PE). O petista negou que o adiamento da reforma estivesse condicionado à votação da MP 207. Rands admitiu, no entanto, que, no Congresso, "todos os temas estão relacionados". "Diante do que eu vi hoje, começo a duvidar que a reforma política seja votada na CCJ este ano", denunciou o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA). Para convencer os parlamentares da necessidade de conceder foro especial a Meirelles, o relator disse que, nos últimos 20 anos, os dirigentes do BC tiveram 62 processos judiciais, 51 dos quais ainda estão em apreciação no Judiciário. Ricardo Fiúza argumentou ainda que em cerca de 90 países do mundo os presidentes de bancos centrais têm essa tranqüilidade jurídica para o exercício da função. O presidente do BC, segundo ele, é responsável por tarefas de inevitável repercussão na vida econômica e social, "requisitando, pois, a adequada proteção legal dos atos cometidos ao agente público". No PT, o clima era de puro constrangimento. Durante a reunião da bancada, o líder do governo na Câmara, deputado Professor Luizinho (PT-SP), repetiu o discurso de que quem votasse contra a MP 207 estaria rompendo com o governo. O petista afirmou ainda que havia um juiz, de Goiás, que ameaçava pedir a prisão preventiva de Meirelles. Ele chegou a argumentar, ainda, que havia riscos até de tentarem obter, pela via judicial, documentos do BC. Representantes da esquerda partidária petista consideraram a pior reunião da bancada desde o início do governo. "O governo agora adota um procedimento que o PT sempre criticou, impedindo investigações para não abalar os mercados", disse o deputado Chico Alencar (PT-RJ). "Votarei contra", sentenciou Walter Pinheiro (PT-BA), alegando ter chegado no seu limite. Até mesmo os moderados do PT lamentaram a estratégia do governo, considerando casuísmo dar "status" de ministro a Meirelles num momento em que ele é foco de denúncias por suposta sonegação fiscal e evasão de divisas. "Sem medo de errar, asseguro que 90% da bancada é contra a MP", disse um petista moderado. Na reunião da bancada, o deputado Paulo Delgado (PT-MG) alegou que o governo tinha errado ao editar a MP, mas que, sendo base aliada, o PT tinha que errar junto com Lula. Vários parlamentares do PT, PC do B e PPS ameaçavam votar contra a medida. PFL e PSDB acertaram, em conjunto, uma estratégia de obstrução. Os oposicionistas concordam com o mérito da MP, mas queriam que o governo tivesse tratado do tema por emenda constitucional. (Colaborou Taciana Collet).