Título: Alguns analistas já veem EUA em recessão
Autor: Philips , Matthew
Fonte: Valor Econômico, 23/07/2012, Internacional, p. A9

A peculiaridade de uma recessão é que normalmente as pessoas ignoram a situação até que ela já esteja instalada por algum tempo. Numa definição ampla, uma economia está em recessão não apenas quando opera abaixo de sua capacidade, mas quando encolhe abertamente. O que é, exatamente, esse encolhimento, no entanto, pode ser coisa difícil de delimitar. O mais citado parâmetro - dois trimestres consecutivos de queda da produção - nem sempre é apropriado. O Produto Interno Bruto (PIB) frequentemente é positivo no início de uma recessão. É por isso que as recuperações muitas vezes não parecem muito diferentes das recessões.

"Este é o ciclo econômico mais estranho que já vi", diz David Rosenberg, economista-chefe da Gluskin Sheff & Associates. Ele considera que os EUA estão "desconfortavelmente próximos" de uma recessão. A pergunta que Rosenberg e alguns outros economistas estão se fazendo não é se o país tornará a cair numa recessão, mas sim quando. Ou se já caiu.

Após um início de ano promissor, o nível de atividade econômica do país arrefeceu consideravelmente. O aumento do nível de emprego desacelerou. As previsões de crescimento foram reduzidas. E a produção da indústria de transformação, um dos raros bons aspectos numa recuperação de resto tíbia, perdeu força. "Acredito que a economia já está em recessão", diz Lakshman Achuthan, do Instituto de Pesquisa do Ciclo Econômico. Uma pesquisa do "Washington Post" em abril detectou que 76% dos americanos ainda acham que o país está em recessão, apesar de a economia vir crescendo desde junho de 2009. Achuthan vê muitas evidências de que a economia está encolhendo. Alguns dados que corroboram sua afirmação:

Queda do consumo. Junho marcou o terceiro mês consecutivo de queda das vendas do varejo, a primeira desde 2008. O consumo das famílias ainda responde por aproximadamente 70% do nível de atividade da economia americana. Os consumidores passaram boa parte dos últimos três anos tentando neutralizar os efeitos dos enormes montantes de dívida que assumiram durante os anos de "boom". Por isso seus gastos foram esporádicos e eles ainda têm muito a percorrer no caminho da desalavancagem. A relação dívida sobre renda das famílias ainda é de 114%, embora menor que o pico de 133%. Enquanto esse percentual não cair, os gastos do consumidor tendem a se revelar deprimidos.

A produção das fábricas está em queda livre. O índice da indústria de transformação do Instituto de Administração do Abastecimento (ISM, na sigla em inglês) recuou para 49,7 pontos em junho. Os resultados inferiores a 50 pontos significam encolhimento do setor. Essa foi a primeira aferição de menos de 50 pontos em quase três anos.

Os consumidores continuam sombrios. Apesar da breve alta de alguns meses atrás, o Índice Bloomberg de Conforto do Consumidor, semanal, ainda registra níveis vistos no início da recessão que se encerrou em junho de 2009.

Embora a maioria dos economistas zombe do diagnóstico de Achuthan, eles não estão exatamente otimistas. Joseph LaVorgna, economista-chefe para os EUA do Deutsche Bank, recentemente revisou para baixo sua previsão do PIB para o segundo trimestre para 1%. Jan Hatzius, economista-chefe do Goldman Sachs, revisou sua estimativa para o PIB do segundo trimestre para 1,1%. No dia 16 Bill Gross, da Pimco, disse que os EUA "estão perto da recessão".

Porém, há motivos para acreditar que ainda não chegamos lá:

O setor de imóveis residenciais está se recuperando. Mais de seis anos após o estouro da bolha, os preços parecem ter realmente chegado ao seu ponto mínimo. O Índice dos Preços das Casas S&P/Case-Shiller mostrou que a média dos valores subiu 1,3% em abril, encerrando um período de sete meses consecutivos de queda. Muitas das casas desocupadas ou não comercializadas que pesavam no mercado foram adquiridas nos últimos 12 meses, alimentando uma leva de novas construções. Em junho o número de casas em início de construção registrou seu maior patamar desde outubro de 2008.

Os consumidores estão conseguindo algum alívio nos postos. O preço médio de um galão (3,785 l) de gasolina caiu mais de US$ 0,50 desde abril. Normalmente leva algum tempo para que o valor poupado se infiltre por todas as camadas da economia, mas esse fator deverá aumentar o espaço para os consumidores gastarem um pouco mais neste terceiro trimestre.

Os salários subiram. Embora a renda tenha estagnado ao longo da recuperação, o mais recente relatório de emprego mostrou que os empregados não apenas trabalharam por mais horas em junho como também que seus salários subiram. Nos últimos 12 meses, a renda média anual dos trabalhadores do setor privado cresceu 2%.

Nada disso configura algo que se pareça com uma recuperação sólida. A mediana das previsões dos economistas consultados pela Bloomberg é que o PIB crescerá apenas 2,2% até o fim do ano. Muitos veem um risco crescente de instauração de uma recessão dentro de 12 meses, principalmente com o "penhasco fiscal" de alta de impostos e corte de gastos que deverá entrar em vigor em 1º de janeiro de 2013. O presidente do Fed (o BC dos EUA), Ben Bernanke, diz que, se o Congresso não agir para evitar o penhasco, o resultado poderá ser uma "recessão superficial".

Ironicamente, o ritmo desacelerado da recuperação pode contribuir para rechaçar uma recessão. Embora a economia continue vulnerável a choques externos, o crescimento vem sendo tão fraco que os EUA não têm o tipo de desequilíbrio interno que tende a facilitar a instauração de recessões, como um setor de imóveis residenciais superaquecido ou uma inflação alta. "As coisas estão enxutas, não há muitos excessos que tenham de ser reduzidos", diz Julia Coronado, economista-chefe do BNP Paribas. "Em certo sentido, isso nos protegeu" de um desaquecimento mais profundo. Portanto, veja pelo lado bom: se uma recessão de fato chegar, ela poderá não ser tão ruim.