Título: Câmara mobiliza-se para confrontar a OAB
Autor: Junqueira , Caio
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2012, Política, p. A10

A Câmara dos Deputados articula um movimento para fragilizar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ele consiste em avançar na tramitação do projeto que acaba com a exame para o exercício da profissão, bem como no recolhimento de assinaturas para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) "da OAB". Seu objeto seria a investigação de fraudes no exame e a movimentação financeira da entidade, que não tem fiscalização dos tribunais de contas.

Essas articulações podem até não avançar, mas já influem na eleição da instituição no final deste ano e a provável inviabilidade política de seu presidente, Ophir Cavalcante, se reeleger. Dentro do órgão, inclusive, já se fala no nome do sucessor, o secretário-geral Marcus Vinícius Furtado Coelho.

A avaliação é de que, desde quando Ophir Cavalcante assumiu a presidência da OAB, em janeiro de 2010, parlamentares aguardam a hora de dar o troco às inúmeras declarações consideradas ofensivas à classe política. Recentemente, ele afirmou que o Congresso se tornou um "pântano". Na sua posse, pediu "vergonha na cara" e disse ser necessário sanear o ar da política, "hoje irrespirável". Citou ainda "dinheiro em meias, em cuecas, em bolsas, oração para agradecer a propina recebida". Mirou a todos, mas a menção à reza foi direta a um ex-deputado distrital evangélico de Brasília, flagrado em um vídeo fazendo uma oração após receber uma quantia de dinheiro.

Os religiosos anotaram o recado e o movimento contra a OAB no Congresso, hoje, tem na sua linha de frente os evangélicos.

Coube ao vice-líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), evangélico, assegurar apoio de nove partidos para ser colocado em votação um requerimento de urgência para o seu projeto de lei que acaba com o exame da OAB. O texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, com relatório favorável do deputado evangélico Marco Feliciano (PSC-SP), mas a comissão, composta em sua maioria por políticos com ligação com o direito, tende a rejeitá-lo. Por isso a necessidade de que a urgência seja aprovada. Dessa maneira, o texto é apreciado diretamente pelo plenário da Câmara, o que aumenta suas chances de aprovação.

A Eduardo Cunha também é atribuída outra motivação para o projeto. Em 2011, quando se instalava a Comissão Especial para analisar alterações no Código de Processo Civil, ele conseguiu a indicação do líder da bancada, Henrique Eduardo Alves (RN), para ser o relator dos trabalhos. Ophir Cavalcante manifestou a contrariedade da OAB pelo fato de Cunha não ser ligado ao direito. Em protesto, ele apresentou o projeto para acabar com o exame. Neste mês, ampliou a carga: outra proposta sua defende a eleição direta para a OAB. Ele nega motivações políticas. "Por que só bacharéis em direito têm de fazer esse exame? Nenhuma outra profissão exige isso. É reserva de mercado. Um completo absurdo", disse Cunha.

A isso se somaram o surgimento de denúncias de fraudes contra o próprio exame e o reavivamento de antigos questionamentos contra a Ordem. O principal deles: por que a entidade tem suas contas fechadas e inacessíveis até mesmo aos advogados? Foi a base, então, para a ideia de uma CPI. O deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), "pastor, escritor e cantor" evangélico, o mesmo que deu o relatório a favor do projeto de Cunha na CCJ, decidiu junto com o deputado fluminense, na volta do recesso parlamentar, começarem a recolher assinaturas.

"Precisamos de 171 assinaturas. É só juntar os 80 do PMDB mais 80 da bancada evangélica e já chegamos próximo. Como temos objeto determinado, não vai ser difícil convencer os deputados, até porque abrir CPI não significa uma condenação, é apenas investigação", afirmou Feliciano.

Ele se apoia também em uma sinalização positiva do presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), deu a movimentos organizados de bacharéis em direito que pressionam pela aprovação do projeto e pela CPI. Em julho, o petista recebeu em seu gabinete representantes dos Bacharéis em Ação e do Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito.

"Ele disse que vai ser colocado em votação a urgência e pediu documentação sobre a CPI", afirmou Gisa Moura, presidente da Bacharéis em Ação. De acordo com ela, a prova da OAB é feita para reprovar e garantir um mercado restrito diante dos cerca de 90 mil alunos que se formam em direito no país todo ano. Além disso, aponta que a OAB lucra mais de R$ 70 milhões com a prova e que seus advogados mais antigos e conhecidos -como o próprio Ophir- não precisaram passar por ela, já que ela só passou a ser exigida após 1994. A taxa usual de reprovação beira os 75%.

Ela revela ainda que o responsável por articular o encontro com Marco Maia foi o ministro da Pesca, Marcelo Crivella, senador licenciado pelo PRB, partido ligado a Igreja Universal do Reino de Deus, e seu indicado na Transpetro, Rubens Teixeira, pastor evangélico e diretor administrativo da estatal. Ele há tempos trava uma batalha pessoal com a OAB do Rio de Janeiro, que lhe nega a carteira de advogado pro ser também funcionário de carreira do Banco Central. Em seu site, publicou um texto em que disse ter sofrido arbitrariedade, ilegalidade, humilhação e tratamento indigno pela seccional fluminense da OAB. "Deixei a luta pela minha carteira de lado e entrei na batalha pelo fim do Exame da OAB", concluiu.