Título: Faça o que eu digo, mas...
Autor: Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 20/10/2010, Economia, p. 11

AÇÕES DA PETROBRAS Quando as orientações dos grandes bancos levam o mercado a uma direção, corretoras vão para a outra e ditam o preço. Pequeno investidor vira refém

O mercado de ações, definitivamente, não é para amadores. Quem se arrisca na bolsa sem ter o conhecimento de como é seu funcionamento acaba perdendo dinheiro no curto ou no curtíssimo prazo, seja em uma oferta inicial de ações (IPO) ou mesmo em uma capitalização como a da Petrobras, que ocorreu recentemente. Nesse tipo de transação, aliás, os mais bem informados fazem a festa, pois saem na frente e ditam o comportamento do mercado enquanto os peixes pequenos amargam o prejuízo. Um bom exemplo ocorreu na megaoperação da estatal. Algumas das instituições contratadas para vender os papéis, recebendo comissões para isso, recomendaram a compra a seus clientes. Mas logo depois do encerramento da oferta, emitiram relatórios rebaixando o desempenho das ações, o que levou as cotações a caírem abaixo do valor da oferta.

Foi justamente o que fizeram duas corretoras de grande porte ligadas aos bancos Credit Suisse e Morgan Stanley e que chamou a atenção dos operadores. No feriado do último dia 12, o banco suíço Credit Suisse soltou um documento de seus economistas praticamente recomendando a venda das ações da estatal. A classificação das ações da Petrobras feita pelo último relatório do banco suíço foi neutra, mas a instituição reduziu o preço-alvo, ou seja, o valor esperado para o papel alcançar na Bolsa de Nova York em outubro de 2011, que baixou de US$ 65 para US$ 43. O mais curioso foi o comportamento da corretora suíça, que chegou a comprar quase o dobro do volume de ações da Petrobras que adquiriu nos dias anteriores, chegando até a liderar o ranking de negociações preferenciais (sem direto a voto) na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa).

Comportamento semelhante ocorreu com o Morgan Stanley, que divulgou no início do mês um relatório recomendando a compra das ações da estatal, mas também indicando queda no preço-alvo, que passou de US$ 65 para US$ 45. A corretora do banco, entretanto, foi na contramão e saiu vendendo. Na última segunda-feira, por exemplo, figurou entre os cinco maiores vendedores das ações da Petrobras.

Diante desse quadro, considerado atípico pelos operadores de pequeno e médio porte, percebe-se que nem sempre aquilo que os analistas dos bancos recomendam é o que as corretoras das mesmas instituições executam. Logo, o pequeno investidor deve tomar cuidado e não sair vendendo seus papéis sempre que sai um relatório de banco recomendando venda ou vice-versa.

Mas a lista de quem são os investidores das corretoras é praticamente sigilo de Estado, sendo aberta apenas para a Bolsa e para o órgão regulador, no caso de alguma investigação. Entretanto, fontes do mercado informam que, como todo grande banco tem corretora na bolsa, a maior carteira geralmente é composta pelos fundos de investimentos dos próprios bancos a que elas pertencem. Um ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o xerife do mercado acionário brasileiro, concorda com essa afirmação do mercado e analisa como frequente o comportamento das corretoras de nem sempre acompanhar o que mandam os relatórios dos bancos. As críticas maiores são contra a CVM e à falta de fiscalização do órgão.

Procurada pelo Correio, a Assessoria de Imprensa da autarquia limitou-se a informar que "todo e qualquer procedimento que envolva a participação de analistas de um modo geral é acompanhado pela Superintendência de Relações com Investidores Institucionais da CVM. O objetivo é verificar se a conduta desses profissionais infringe a Instrução CVM n.º 483/2010, que dispõe sobre a atividade de analista de valores mobiliários".

Comportamento atípico Na véspera da divulgação do relatório do Credit Suisse sobre a Petrobras, a corretora do banco ficou em sétimo lugar entre os maiores compradores das ações preferenciais (sem direito a voto) da estatal. Já em vendas ficou em quinto lugar. Um dia após a divulgação da nota ao mercado, ela foi a terceira maior compradora, com volume de 2,4 milhões de ações, e vendeu 2,8 milhões, liderando o ranking de vendas, mas apresentando um volume equilibrado na operação.

No dia seguinte, liderou o ranking de compras, com praticamente o dobro da véspera e dos dias anteriores à negociação, com 4,6 milhões de ações, e vendeu apenas 1,9 milhão. Ontem, ficou em terceiro lugar entre os compradores, com 1,9 milhão de ações, e em primeiro entre os vendedores, com 2,9 milhões.

Já a corretora CS Hedging-Griffo, que também pertence ao banco suíço, figurou entre os maiores compradores e vendedores antes e depois do relatório. As assessorias de imprensa do Morgan Stanley e do Credit Suisse informaram que não há ligação entre a instituição bancária e a corretora e que esse tipo de comportamento posterior aos relatórios é normal.

Papéis despencam » As ações da Petrobras voltaram a despencar ontem, tanto na Bolsa de Valores de São Paulo quanto na Bolsa de Nova York, depois do anúncio do governo de que iniciará antes do segundo turno das eleições a exploração comercial do petróleo da camada pré-sal. No Brasil, as ordinárias (com direito a voto) caíram 3,66%, fechando a R$ 27,65 e as preferenciais (sem direito) declinaram 4,24%, para R$ 25,28. No acumulado do ano, a desvalorização ultrapassa 32%. Em Nova York, os papéis recuaram 4,28%, para US$ 30,62. O anúncio foi visto pelos analistas como um aumento do risco político, comprometendo mais ainda os ganhos dos acionistas minoritários. Na capitalização, o governo ampliou a participação e arrecadou pouco mais de R$ 40 bilhões, um terço do valor anunciado (R$ 120,2 bilhões), pois o maior volume (quase R$ 80 bilhões) foi negociado pelo Estado com barris do pré-sal ainda não explorados. A expectativa é que as ações caiam mais, podendo chegar a R$ 22.