Título: Aneel vai zerar pendências do Bertin
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2012, Empresas, p. B1

O grupo paulista Bertin está prestes a sofrer um novo revés que pode comprometer definitivamente o plano de negócios formulado recentemente para resolver sua complicada situação no setor elétrico. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) se prepara para executar a cobrança de R$ 430 milhões em garantias de fiel cumprimento pelo atraso de 15 usinas térmicas, além de fazer uma limpeza nas pendências que ainda impedem a abertura de novas punições.

Pior ainda: a Aneel demonstra pouca disposição para aceitar o parcelamento do débito ou que esse dinheiro seja descontado do montante a receber das usinas que ainda podem entrar em funcionamento, contrariando um pedido da Bertin. "Não faz sentido parcelar como se fosse uma multa", afirmou o diretor Julião Coelho, que relata diversos processos na Aneel envolvendo a empresa. "Isso destitui o próprio instrumento da garantia como forma de assegurar a execução do empreendimento."

Coelho enfatiza que já houve decisões anteriores da agência negando o pagamento diluído das garantias. Com isso, segundo ele, criou-se um precedente que dificilmente será revertido. Em caso que a Aneel considera como semelhante, há três semanas, a Multiner teve negado um pedido para parcelar garantias referentes a duas usinas térmicas que somavam R$ 40,7 milhões. Além disso, as autorizações para esses dois projetos foram revogadas.

Com exceção da usina José de Alencar, em estágio mais avançado de execução, a Bertin ainda está com recursos administrativos ou em fase de defesa prévia contra a cobrança das garantias. Esse tipo de penalidade pode atingir até 10% do valor do investimento estimado para cada projeto.

Não é o único baque, no entanto, para a empresa paulista. Amanhã, em reunião de diretoria colegiada, a Aneel deverá rejeitar a devolução "amigável" pedida pela Bertin para outras cinco térmicas - Escolha, Cacimbaes, Macaíba, Iconha e Rio Largo - e abrir caminho para um processo de revogação com penalidades. Juntas, essas usinas somam 1,2 mil megawatts (MW) de potência.

O presidente da Bertin Energia, Ricardo Knoepfelmacher, disse ao Valor que a rejeição dos pedidos apresentados à agência pode comprometer o plano de reestruturação da empresa e a venda de boa parte de seus ativos ao grupo gaúcho Bolognesi. "Se o aspecto punitivo se der de forma integral antecipada e ainda com o ajuste forçado dos preços, a tendência é inviabilizar financeiramente todos os projetos e termos uma obra de R$ 4 bilhões paralisada na Bahia."

O que está em jogo, segundo a visão praticamente consensual na Aneel, é a própria credibilidade do sistema de leilões de energia. O sistema foi criado em 2004, pela então ministra Dilma Rousseff, com certames para a contratação de projetos com início da oferta três anos depois (A-3) e cinco anos depois (A-5). "Se a agência ceder, será a desmoralização dos leilões", comentou outro diretor, pedindo anonimato.

Por isso, a intenção da Aneel é endurecer com a Bertin para que o caso sirva como exemplo no setor elétrico. A interpretação corrente hoje na agência é que a aprovação dos pedidos da empresa, com relaxamento das penalidades, pode estimular atrasos de outros empreendedores.

Com base na experiência ruim da Bertin, a Aneel estuda propor uma série de medidas para evitar a repetição dos erros em futuros leilões. Uma das possibilidades é impedir a habilitação de tantos projetos por uma mesma empresa, a fim de evitar a concentração da oferta de novas usinas por um só empreendedor, como ocorreu com a Bertin no leilão de 2008.

Outra hipótese que já foi avaliada é introduzir limite de oferta no certame. No leilão A-5 de 2005, a Bertin negociou contratos de 16 das 18 usinas que colocou em disputa por uma tarifa de cerca de R$ 146 por megawatt-hora, um preço que o governo vê como alto demais e influenciado pelo excesso de oferta da empresa. Nenhuma das propostas, porém, foi considera madura o suficiente até agora.

Para a Bertin, uma espécie de tiro de misericórdia pode ser dado com a análise de pedido à Aneel para formar um "cluster" de usinas apelidado de Nova Aratu, na Bahia. A proposta da empresa é juntar as obras em andamento de seis usinas que formavam Aratu I e aproveitá-las dentro das condições contratuais de Aratu II. O primeiro grupo (Aratu I) tem cerca de 90% das obras civis executadas, várias turbinas à espera de serem ativadas e motores de fabricação europeia aguardando o embarque no porto de Hamburgo. Deveria ter iniciado as operações em janeiro de 2011 e o preço da energia contratada foi de R$ 126 por MWh. Já o segundo grupo (Aratu II) está parado, mas só tem funcionamento previsto a partir de janeiro de 2013 e teve energia comercializada a cerca de R$ 146 por MWh.

Como os dois "clusters" são irmãos siameses, com 1.056 MW de capacidade prevista, o pedido da Bertin foi para uma "mudança de localização" das usinas. Esse movimento também é visto com cautela pela Aneel. Os diretores não gostam da ideia de "trocar" uma tarifa de R$ 126 por outra de R$ 146, ressaltando que a energia gerada será a mesma. "Estamos atentos e não vamos cochilar com isso", avisou Julião Coelho.

Para a Bertin, conforme ressaltou Ricardo Knoepfelmacher, a possibilidade de aplicar uma tarifa de R$ 146 por MWh para as usinas de Nova Aratu não só tem todo o respaldo legal, como é peça-chave para levar adiante o plano de reestruturação. Sem isso, segundo o executivo, fica muito difícil ter fluxo de caixa suficiente para conseguir financiamento e concluir as térmicas. O resultado é que nenhum investidor se sentiria atraído. Na Nova Aratu, a ideia da Bertin é ficar com 49%, vendendo o controle acionário para o grupo Bolognesi.