Título: Queda de Boeing atinge Gol em plena expansão
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2006, Brasil, p. A22

A queda do Boeing 737-800 da Gol, considerado o pior acidente da história da aviação civil brasileira, pegou a companhia em um momento de euforia com a expansão dos seus negócios. Como em qualquer evento de tamanha magnitude, a imagem da empresa aérea sai arranhada do episódio, mas as circunstâncias - tanto do acidente quanto do mercado - são bem diferentes daquelas que abalaram a TAM em 31 de outubro de 1996, quando caiu o Fokker-100 que fazia a ponte Rio-São Paulo, com 99 mortos.

Na ocasião, as duas primeiras semanas após o acidente registraram uma perda de 70% no número de passageiros voando pela TAM e aeronaves da companhia chegaram a decolar só com tripulantes a bordo. As ações perderam 22% do valor em apenas um dia. O Trem de Prata, ligação ferroviária noturna entre Rio e São Paulo, teve os dois únicos meses de lucro desde que fora reativado, no início da década de 90.

O vice-presidente da TAM na época, Luiz Eduardo Falco (hoje na Telemar), estimou o custo de um acidente aéreo em US$ 1 bilhão - não com o avião perdido, coberto pelo seguro, ou com as indenizações aos familiares, mas com os danos à imagem.

Especialistas no setor aéreo e funcionários do governo avaliam que a situação, agora, é bem diferente. Primeiro: o acidente ocorreu numa área remota, com imagens bem menos impactantes que os destroços vistos a olho nu nas imediações de Congonhas. Segundo: a família de jatos 737 da Boeing usados pela empresa, além de nova, tem ótima reputação no mercado brasileiro, ao contrário do Fokker-100, que sofreu outros reveses depois do primeiro desastre. De qualquer forma, é preciso esperar a investigação do acidente para saber se houve qualquer tipo de erro dos tripulantes da Gol.

"A repercussão comercial, se houver, será insignificante", afirmou o ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia. Ontem ele conversou com o dono da Gol, Nenê Constantino, que estava "muito triste" com os acontecimentos. "Mas é claro que a empresa precisará fazer um trabalho de relações públicas", acrescentou Mares Guia.

Como fazer isso deverá constituir um dos principais desafios para a Gol, sublinha um experiente analista ouvido pelo Valor. No caso TAM, a companhia se afastou totalmente da mídia por um tempo. Em um período de forte crescimento, essa estratégia torna-se uma incógnita.

No Chile, onde a Gol lançou as suas operações na semana passada, uma intensa campanha publicitária está envolvendo US$ 1 milhão e inclui comerciais, na televisão local, com o passarinho que insinua: "Para que viajar de outro jeito se você pode voar?"

Tudo o que a Gol tem de fazer agora, além de prestar assistência aos familiares das vítimas do vôo 1907, é evitar que se cristalize, em outros passageiros, o receio que tomou conta do supervisor de vendas José Nestor Constantino, 49 anos. Morador de Criciúma (SC), ele viaja pelo menos uma vez por mês para Manaus ou Rio Branco a negócios. Ainda assustado com o noticiário sobre o acidente, embarcou no sábado à noite, em Brasília, com destino a Manaus. "Eu já não viajo mais de Fokker-100. Agora vou evitar também a Gol. Se a Varig voltar a operar os trechos em que eu vôo, dou preferência a ela", afirmou.

Algumas projeções de mercado já apontam uma queda de até quatro pontos percentuais na taxa de ocupação das aeronaves da Gol, em outubro - a taxa de agosto (último dado disponível) foi de 77%. Mas esse movimento, se ocorrer de fato, não tem como ir além disso. Com a atual concentração de mercado, as outras empresas sequer teriam como absorver uma eventual transferência de oferta da Gol.

Os especialistas responsáveis por essas estimativas frisam que TAM e Gol detêm, juntas, quase 90% do mercado doméstico. A Varig opera com apenas 10 aeronaves nas rotas nacionais e as demais concorrentes não têm oferta suficiente para absorver um aumento da demanda. "A Gol goza de melhor reputação do que as empresas menores, recém-chegadas ao mercado", diz um especialista.

Enquanto isso, a Gol segue sua trajetória de expansão. Ontem mesmo inaugurou vôos para mais um destino, Imperatriz (MA), e não há sinais de que a expansão internacional seja freada com o acidente. Além de ter começado a voar na semana passada para Santiago, o sétimo destino internacional da companhia, deve iniciar operações para Lima em novembro. Os planos são de chegar a toda a América do Sul e ao México até 2010.

Em um sinal de que os tempos na aviação brasileira mudaram, TAM e Gol vão assumir hoje a principal associação do setor, o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea), encerrando quase uma década de gestão do ex-presidente da Rio-Sul, George Ermakoff, ligado à Varig. Juntas, elas vão eleger Marco Antônio Bologna (TAM) para a presidência e Constantino de Oliveira Jr. (Gol) para a vice-presidência do sindicato.

Em muitos sentidos, embora tenha apenas cinco anos de vida, a Gol entra agora em uma nova fase de sua curta história. Encomendou 101 aviões à Boeing, com a qual tem trabalhado em conjunto no desenvolvimento das aeronaves, e chegará ao fim da década com a sua frota tendo idade média permanentemente inferior a seis anos - uma das mais jovens do mundo. Ao atingir um novo patamar, a companhia inaugurou um centro de manutenção no aeroporto de Confins, que se transformará em grande concorrente da tradicional VEM, ex-subsidiária da Varig.

O diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, Milton Zuanazzi, reconhece que todo acidente aéreo traumatiza os passageiros por um tempo. Mas elogia a atuação da Gol, lembra que o setor aéreo no país está crescendo a taxas inéditas e minimiza impactos. "Não creio [em reflexos negativos para a Gol]. Os sistemas de controle e de manutenção são muito rigorosos, e podemos garantir que a fiscalização brasileira é uma das mais respeitadas do mundo", observou.