Título: Cenário externo deve piorar em 2007, mas país tende a ser pouco afetado
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2006, Brasil, p. A23

A desaceleração global vai inevitavelmente afetar a economia brasileira em 2007, mas a expectativa dominante é de que o cenário externo ainda será razoavelmente benigno para o país. A maior parte dos analistas encampa a visão otimista do Fundo Monetário Internacional (FMI), acreditando que o desaquecimento mundial será gradual, com impacto moderado sobre os preços das commodities e sobre o fluxo de capitais para países emergentes.

Há uma unanimidade, porém: o quadro não será tão positivo como nos últimos quatro anos. O cenário mais provável para o Brasil contempla uma desvalorização moderada do câmbio, com algum impacto sobre a inflação. A balança comercial tende a ser menos robusta do que em 2005 e 2006, pois a demanda por produtos brasileiros deve diminuir.

Mesmo que haja turbulências internacionais significativas, a vantagem do Brasil é que o país está hoje em posição bem mais confortável para encarar eventuais turbulências no cenário internacional, devido ao ajuste severo nas contas externas ocorrido a partir de 2002. Essa é "a boa história" sobre o Brasil nos últimos anos, como resume Roger Scher, diretor-executivo de rating soberano para a América Latina da FitchRatings.

O FMI aposta num 2007 ainda bastante positivo, prevendo crescimento da economia global de 4,9%, pouco abaixo dos 5,1% deste ano. A expansão nos EUA cairá, para o FMI, de 3,4% em 2006 para 2,9% no ano que vem, um ritmo ainda razoável, ao passo que a China, um dos principais motores da economia global nos últimos anos, deverá crescer 10% neste ano e também no próximo.

O economista José Márcio Camargo, sócio da Tendências Consultoria e professor da PUC-Rio, considera esse o cenário mais provável. "O mundo deve crescer um pouco menos que nos últimos anos, mas ainda a taxas significativas", afirma ele, que crê em estabilização dos preços das commodities e numa liquidez internacional ainda "relativamente elevada". Com essa visão otimista, ele considera que o superávit comercial brasileiro deverá cair de US$ 45 bilhões neste ano para US$ 40 bilhões no ano que vem.

O professor Caio Prates, do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que o cenário do FMI é excessivamente positivo, mas tampouco acredita que os EUA entrarão em recessão. "Eu espero um desaquecimento dos EUA maior do que o estimado pelo FMI, mas ainda assim será um pouso suave."

Para ele, os preços das exportações brasileiras, que acumulam alta nos 12 meses terminados em agosto, vão ficar estáveis no ano que vem. O crescimento das vendas externas do país vai depender basicamente do aumento dos volumes exportados, que ele projeta em 5% para 2007. Desse modo, o superávit comercial cairia de US$ 44,5 bilhões em 2006 para US$ 34,4 bilhões no ano que vem, diz ele, um resultado ainda compatível com um pequeno superávit em conta corrente (que inclui, além da balança comercial, a de serviços e as transferências unilaterais).

O simples fato de se esperar preços estáveis para as exportações brasileiras em 2007 deixa claro que o choque externo positivo deverá realmente ficar para trás no ano que vem. De 2003 a agosto de 2006, as cotações aumentaram 50%. O câmbio, na visão de Prates, vai subir dos R$ 2,20 do fim de 2006 para R$ 2,40 no fim de 2007. Além de um menor fluxo comercial, as possíveis incertezas no front fiscal devem contribuir para uma alta moderada do dólar - que seria saudável, segundo ele, por tornar mais competitivas as exportações brasileiras.

Em seu cenário, a inflação em 2007 ficará acima dos 2,9% esperados para este ano, mas ainda confortavelmente abaixo do centro da meta, de 4,5%. Prates projeta um IPCA de 4% para o ano que vem, o que permitirá ao BC continuar a reduzir os juros. A Selic, atualmente em 14,25%, deve terminar 2006 em 13,5% e 2007 em 12%, acredita.

Camargo também tem uma visão positiva para a inflação, estimando um IPCA de 4,1% em 2007. Além de esperar um câmbio valorizado - a Tendências aposta em R$ 2,15 no fim deste ano e R$ 2,13 no fim do ano que vem -, ele lembra que o crescimento da demanda não deverá provocar pressões inflacionárias relevantes. Para Camargo, o PIB cresce 3,3% em 2006 e 3,2% em 2007.

A exemplo do que ocorre neste ano, as exportações vão crescer menos que as importações, fazendo com o que a contribuição do setor externo para a expansão do PIB seja negativa. A estimativa dos analistas é de que isso vai "roubar" um ponto percentual do crescimento em 2006. Prates avalia que deve ocorrer algo da mesma magnitude no ano que vem. "Não vejo motivos para o agravamento dessa tendência", afirma ele, lembrando que prevê uma desvalorização suave do câmbio ao longo de 2007, o que vai estimular, em alguma medida, as exportações.

Prates espera um crescimento de 4% do PIB no ano que vem, mas explica que isso se deve à expectativa de uma "herança estatística" (o carry over, em economês) mais significativa que a expansão deste ano deixará para 2007. Neste ano, a "herança estatística recebida" de 2005 foi de apenas 0,5 ponto percentual. Isso o que significa que, se a economia não crescesse nada em relação ao patamar do fim de 2005, o avanço do PIB seria de apenas 0,5%. Prates avalia que o carry over será bem maior no ano que vem. A maior parte dos analistas aposta num crescimento na casa de 3% a 3,5% em 2007, com a atividade puxada pelo consumo das famílias e o investimento.

Se o cenário róseo do FMI não se concretizar, a boa notícia é que a economia brasileira está bem mais preparada para enfrentar sobressaltos internacionais do que em 2002, como nota Scher. Ele lembra que o país tem superávit em conta corrente e reservas que superam US$ 70 bilhões, combinação que deixa o país bem mais blindado a uma eventual piora do cenário externo. Outra vantagem é que a parcela cambial da dívida doméstica não existe mais, como ressalta o economista-sênior para a América Latina do Dresdner Kleinwort, Nuno Camara. Com isso, se o câmbio se desvalorizar devido a uma piora no quadro internacional, não haverá uma disparada da dívida pública, como ocorria em 2002, diz.