Título: Debate sobre 'Power Point' divide STF
Autor: Exman , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2012, Política, p. A8

Uma simples discussão sobre o uso de Power Point pelos advogados do mensalão dividiu ao meio o Supremo Tribunal Federal (STF) e mostrou que o julgamento que se inicia, hoje, às 14h, deve ser permeado de polêmicas e debates intensos entre os ministros da Corte. Em um rápido, porém esquentado, debate sobre a possibilidade de os advogados dos réus apresentarem as suas defesas em sistemas audiovisuais, houve uma clara divisão na Corte: cinco votos contra o pedido e quatro a favor.

Em menos de 20 minutos, pelo menos dois sinais foram dados. O primeiro, de que o ministro José Antonio Dias Toffoli deve participar do julgamento. Ele votou a favor dos requerimentos apresentados pelos advogados do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), dos publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes e de José Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural. Eles pediram para utilizar programas, como Power Point, nos 60 minutos de suas defesas. Em uma breve fala, Toffoli participou da discussão previa ao mensalão e apoiou o "deferimento em parte (dos pedidos), contanto que (o advogado) assuma risco".

Essa também foi a linha adotada pelo ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo, por Joaquim Barbosa, o relator do caso do mensalão, e por Celso de Mello, o decano da Corte. Mas eles acabaram vencidos.

Lewandowski foi o mais incisivo na defesa da reivindicação dos réus - e nesse ponto surgiu outra indicação sobre os rumos do julgamento que começa hoje. O ministro indicou que vai ser um defensor do direito de os advogados dos réus apresentarem todas as suas alegações. "Esse tribunal é pioneiro em modernidade. Temos que evoluir e o Supremo tem que dar o exemplo. Se o advogado trouxer os equipamentos por sua conta e risco, creio que isso faz parte do direito à ampla defesa", afirmou.

Segundo o revisor, "o futuro é hoje". "Se atrasar meia hora, uma hora (o julgamento), não vai influir em nada. Temos que mergulhar na modernidade. Se a Suprema Corte não permitir, quem permitirá?", questionou. "O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há muito tempo usa isso", continuou Lewandowski, que já presidiu a Corte Eleitoral. "É rotineiro." Segundo o ministro, no mensalão a Corte vai ter que analisar planilhas e informações sobre "fluxos de recursos". "É difícil verbalizar isso", concluiu.

Joaquim Barbosa teve o mesmo entendimento, mas foi mais comedido ao declarar o direito de os advogados utilizarem novos meios tecnológicos para defenderem os seus clientes. "Eu não tenho nenhuma objeção a que alguns poucos réus utilizem esses sistemas. Mas à sua conta e risco. Ou seja, que ele traga e instale os equipamentos e corra o risco de eles não funcionarem dentro do prazo de uma hora", disse. Celso de Mello seguiu linha de raciocínio semelhante. "Isso torna mais intenso o exercício da defesa", justificou.

Mas prevaleceu a opinião do presidente do STF, Carlos Ayres Britto, que relatou o pedido. "São visíveis os inconvenientes. Abriríamos precedentes para julgamentos no país inteiro. Há vistosas incompatibilidades técnicas, erro de leitura de arquivo, incompatibilidade de pen drive e inoperância do sistema ocasionando travamento, problema de visualização da tela pelos ministros e pelo público devido à distância e reflexo", afirmou.

Britto disse ainda que a concessão pedida por alguns advogados poderia suscitar a mesma atitude por outros. Isso, segundo ele, levaria a pedidos de adiamentos de sustentações orais já agendadas para que os materiais pudessem ser preparados. Acompanharam o presidente os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Cezar Peluso e Gilmar Mendes, que fez uma ironia: "Fico a imaginar se decidem exibir um filme". Lewandowski contestou-o: "Por que não?". Apenas a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e Marco Aurélio Mello não participaram dos debates, pois tinham sessão à noite no TSE.

A polêmica que aconteceu ontem pode se repetir por diversas vezes, em outras questões, a partir das 14h de hoje, quando começa o julgamento. Assim que a sessão tiver início, o advogado Márcio Thomaz Bastos deve pedir o desmembramento do processo para que réus que não são parlamentares, como o seu cliente, José Roberto Salgado, um ex-diretor do Banco Rural, possam responder ao processo na 1ª instância. Bastos pretende alegar que os réus sem foro privilegiado têm direito ao duplo grau de jurisdição - princípio pelo qual as pessoas têm direito a serem julgadas em mais de uma instância do Judiciário.

Apesar de o STF já ter decidido essa questão no processo do mensalão, em dezembro de 2006, Bastos vai alegar que "a proposta jamais foi apreciada à luz de institutos constitucionais como está sendo apresentada agora". "A que foi recusada anteriormente pelos ministros do STF ocorreu apenas à luz de institutos infraconstitucionais, sem qualquer exame acerca da inconstitucionalidade da extensão da competência do foro privilegiado a réus comuns", afirmou o advogado.

Em outro acontecimento prévio ao julgamento do mensalão, o Tribunal de Contas da União (TCU) concedeu liminar que suspende os efeitos de uma decisão anterior daquela Corte em benefício de alguns réus. Em julho, o TCU se manifestou pela legalidade da tomada de contas especial que envolvia a empresa DNA Publicidade, do empresário Marcos Valério, apontado como o operador do mensalão. A DNA teria sido utilizada para o desvio de R$ 2,9 milhões. Ontem, a decisão, que daria força para a defesa de Valério, foi suspensa. (Colaborou Daniela Martins)