Título: A luta contra a corrupção na China
Autor: Wu, Friedrich
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2006, Opinião, p. A31

Os dirigentes da China raramente lavam a roupa suja em público. Portanto, a prisão do membro do Politburo e chefe do Partido Comunista em Xangai, Chen Liangyu, sob acusações de corrupção, reverberou por todo o país. Há quem especule que a prisão é na realidade parte de uma luta pelo poder, na qual o presidente Hu Jingtao está demonstrando a sua autoridade contra um articulador político local que contrariou a política nacional.

Seja qual for a verdade por trás da queda de Chen, e apesar da ampliação das investigações sobre corrupção de outros destacados funcionários do governo, informações e evidências divulgadas recentemente pelo governo e por instituições multilaterais indicam que as autoridades estão travando uma batalha de retaguarda contra uma onda crescente de práticas de suborno.

Consideremos as estatísticas sombrias recentemente divulgadas pela Suprema Procuradoria do Povo (SPP). Mais de 42 mil autoridades do governo, em média, foram investigadas por corrupção a cada ano, de 2002 a 2005. Destas, mais de 30 mil por ano enfrentam acusações criminais.

Esses números alarmantes não incluem crimes econômicos fora do setor público. Por exemplo, apenas em 2005, a Comissão Reguladora do Sistema Bancário da China (CRSBC) descobriu irregularidades envolvendo fundos usados de forma indevida no valor de 767.1 bilhões de yuan (US$ 93,7 bilhões). A CRSBC identificou 1.272 casos criminais e puniu 6.826 empregados de bancos (incluindo 325 administradores do alto escalão). De acordo com Ye Feng, diretor-geral da SPP, "praticamente todos os tipos de instituições financeiras presenciaram o surgimento de casos criminais que envolvem pedidos de propina em troca de empréstimos".

Apesar das periódicas campanhas de combate à corrupção promovidas pelo governo, o progresso tem sido lento. Pelo contrário, como reconheceu Ye francamente, o número de casos de corrupção "continuou aumentando". Realmente, as medições internacionais de práticas de suborno demonstram que as autoridades podem estar próximas de um impasse ou até retrocedendo na luta. O Índice de Percepção da Corrupção da "Transparência Internacional", a referência mais amplamente usada para avaliar as opiniões de especialistas e empresários sobre a extensão da corrupção em vários países, classificou a China na 78ª posição de um total de 158 países em 2005 - sem muita melhora em relação a 2000.

De fato, dentre os seis Indicadores de Governança do Banco Mundial, as notas da China no índice de "Controle da Corrupção" na verdade decresceram, de - 0,20 em 1998 para - 0,40 em 2002, e - 0,69 em 2005. Em 2005, o Banco Mundial classificou a China no 142º lugar de um total de 204 países no Índice de Controle da Corrupção.

-------------------------------------------------------------------------------- Medições internacionais de práticas de suborno mostram que as autoridades podem estar próximas de um impasse ou até retrocedendo na luta --------------------------------------------------------------------------------

Apesar de não ser possível medir o preço econômico da prática de suborno, vestígios indiretos indicam que os custos são expressivos. Executivos de multinacionais freqüentemente mencionam a China como sua destinação favorita para investimento, mas muitos deles também se queixam da corrupção generalizada. De acordo com as Pesquisas de Ambiente de Investimento do Banco Mundial, 27% de aproximadamente 4 mil empresas que realizaram negócios na China em 2002/2003 descreveram a corrupção como um "importante limitador" às suas operações comerciais, ao passo que 55% relataram que haviam pago propinas a burocratas do governo e/ou a sócios comerciais locais para resolver pendências.

Igualmente, Hu Angang, um professor de Economia na Universidade Ysinghua de Pequim, estimou que a corrupção apenas em 1999-2001 causou perdas à economia equivalentes a 1,293 trilhão de yuan (US$ 156 bilhões), ou 13,2% do PIB. Não surpreende que o setor de serviços financeiros tenha sido o que mais sofreu com a corrupção, perdendo 547 bilhões de yuan (6,25% do PIB). Gastos públicos fraudulentos custaram 2,4% do PIB, desvio de rendimentos das privatizações representaram quase 2,1% do PIB e o contrabando gerou perdas de mais de 1,1% do PIB. O governo chinês não censurou e não refutou as conclusões chocantes de Hu.

O maior obstáculo para o combate à prática de suborno é a fragilidade do Judiciário, especialmente em níveis regionais. Já que a maior parte da corrupção governamental ocorre nas esferas do município, distrito e povoado, ela geralmente envolve abusos de poder por parte de autoridades locais. Considerando-se, porém, que o poder destes pequenos burocratas é quase absoluto, eles também controlam os canais para lidar com queixas. Realmente, dentre os seis Indicadores de Governança do Banco Mundial, a nota da China no índice Império da Lei também declinou nos anos recentes, de - 0,28 em 1998, para - 0,47 em 2005, quando a China estava classificada na posição 124, de um total de 208 países nesta categoria.

Com poucos recursos para obter ajuda jurídica, um número crescente de vítimas frustradas da prática de propinas recorre a medidas extrajudiciais como greves, manifestações, greves brancas, visando conquistar a atenção da mídia e do público. Alguns até levam as suas lutas às autoridades provinciais e centrais, provocando um aumento acentuado em incidentes de "perturbação da ordem pública" ao redor do país. Enquanto o Ministério da Ordem Pública registrava apenas 8,7 mil casos deste tipo de perturbação em 1993, até 2005 o número havia dado um salto dez vezes maior, indo a 87 mil.

É desnecessário dizer que o tratamento inadequado dispensado pelo governo nesses casos de perturbação da ordem, ou a decisão de reprimi-los com o uso da força, só terá o efeito de alimentar ainda mais a insatisfação social. Na verdade, o sucesso do governo na repressão à corrupção, especialmente no nível regional, servirá como um teste decisivo da sua legitimidade. Um fracasso correrá o risco de desencadear um grave revés político, incluindo uma escalada espontânea das atividades contra o regime.

Friedrich Wu é livre-docente associado no Instituto de Estudos Estratégicos e de Defesa da Universidade de Tecnologia de Nanyang. © Project Syndicate 2006. www.project-syndicate.org