Título: BIS alerta para riscos na troca da dívida externa por interna na AL
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2006, Finanças, p. C2

Os governos da América Latina, ao trocarem dívida externa por interna, podem estar trocando o risco de câmbio pelos riscos de encurtamento de prazos e baixa liquidez. O alerta foi feito por Serge Jeanneau, economista sênior do BIS (Banco de Compensações Internacionais). "A predominância de títulos de curto prazo, indexados aos juros básicos ou às taxas de inflação, pode expor os governos da região a um significante risco de refinanciamento se as condições domésticas ou internacionais se deteriorarem", diz.

Segundo ele, o mercado interno dos países da América Latina representa hoje a mais importante fonte de financiamento para governos e empresas. De 1995 a 2005, o total de dívida emitida por governos e empresas não-financeiras nos sete maiores países da região cresceu 337%, para US$ 895 bilhões, ou o equivalente a 40% do Produto Interno Bruto. No mesmo período, o total emitido nos mercados internacionais teve crescimento de 65%, para US$ 264 bilhões. O Brasil tem, de longe, o maior mercado, com US$ 583 bilhões, ou 74% do PIB, em ativos de dívida em estoque, quase a mesma relação do que nos Estados Unidos, conta ele. Mas, na América Latina como um todo, os governos são responsáveis por US$ 808 milhões, ou 90% do total emitido nos mercados internos no período, contra US$ 87 bilhões das empresas.

Parte importante do crescimento nos mercados locais se deve à procura por rendimentos dos investidores, que não conseguem taxas mais atrativas nas economias desenvolvidas. A maior confiança dos investidores nos países da América Latina, a inflação mais baixa e a maior abertura dos mercados aos investidores internacionais ajudaram, além da melhor percepção dos riscos de câmbio por parte das empresas.

No entanto, segundo Jeanneau, apesar de todos os esforços em contrário, o prazo médio de vencimento da dívida pública interna ainda é baixo, de cerca de três anos no Brasil e no México. E, para acrescentar mais risco, no Brasil o estoque da dívida tem crescido, mas o giro no mercado secundário dos papéis em relação ao estoque vem caindo. Enquanto o México negociou em 2005 494% de sua dívida pública (cerca de cinco vezes), a Colômbia, 132%, a Argentina, 187%, o Brasil não girou nem sequer uma vez esse total - só 79%. Nos Estados Unidos, para se ter um parâmetro de comparação, o giro é de 22 vezes o total da dívida no ano.

Considerando-se os dados do Banco Central, segundo ele, o giro no mercado secundário em relação ao estoque da dívida caiu de 2% em 2005 para 1% em junho último. "Não há crescimento no mercado secundário no Brasil", conclui o especialista. Isso acrescenta mais risco - o de liquidez - ao mercado. Ele lembra ainda que inúmeras estruturas de crédito que estão sendo usadas no mercado interno dos países da América Latina, como por exemplo as securitizações - feitas no Brasil por meio dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) -, ainda não foram testadas em momentos de crise.

Jeanneau foi um dos palestrantes do 1º Seminário Internacional sobre Renda Fixa em Mercado de Balcão, promovido pela Andima (Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro) e pela Cetip (Câmara de Custódia e Liquidação).

Alkimar Moura, professor da FGV e ex-diretor do BC, apresentou no evento dados também reveladores sobre a fraqueza do mercado secundário de títulos de dívida no Brasil. Em relação aos papéis públicos, do giro diário de papéis públicos, 95% correspondem a operações compromissadas, de compra com compromisso de recompra, que hoje, no Brasil, na prática, são operações de financiamento usando como lastro os títulos públicos. Ou seja, restam R$ 8 bilhões de negócios com títulos públicos no secundário. No mercado de títulos privados, a situação não é mais animadora: o estoque de debêntures cresceu de R$ 23 bilhões em 2002 para R$ 93 bilhões, mas o giro em relação ao estoque caiu.

É no mercado de futuros que os investidores adotam posições vendidas ou compradas, de forma sintética, em títulos públicos, explica Alfredo Moraes, presidente da Andima. "Os bancos e fundos ficam com os papéis em caixa e montam posições no mercado de derivativos, onde encontram liquidez e menor custo de transação", diz. Por isso, para tornar o mercado secundário de títulos públicos mais atraente, é necessário ampliar a transparência desse mercado, fornecendo dados de forma simples e barata para ampliar a capacidade de análise dos participantes e permitir a formação de preços justos, aumentando sua liquidez e reduzindo custos de transação.

Os únicos papéis públicos que vêm apresentando volume crescente de negociação - pois têm sido um dos prediletos dos investidores externos e não possuem um mercado de derivativos eficiente vinculado a eles - são os indexados à inflação (IPCA), chamados de NTN-Bs, lembra Marco Antônio Sudano, diretor do Banco Itaú. No entanto, em momentos de estresse no mercado, como em maio, o Tesouro precisou ele mesmo intervir e recomprar o papel. Os investidores queriam vender e não encontravam saída, o que acabou pressionando os preços, em uma pequena mostra dos riscos de liquidez que o governo pode enfrentar na dívida interna.