Título: Com Chávez, Mercosul ganha mercado e perde relevância
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Fonte: Valor Econômico, 01/08/2012, Opinião, p. A14

Seis anos depois de convidada, a Venezuela ingressou ontem no Mercosul. Com o Paraguai suspenso por uma manobra oportunista, o presidente Hugo Chávez passará a frequentar com mais desenvoltura, agora em condição de membro pleno, as reuniões do bloco. Com isso, o Mercosul, uma construção de duas décadas que não avança e só parece retroceder, pode ter seu pêndulo deslocado para a política, um pantanoso território pouco promissor.

É a Venezuela, e não Chávez, quem está entrando em um bloco comercial. Do ponto de vista econômico, analisando-se estritamente as vantagens para o Brasil do mercado venezuelano, a integração até faz sentido. As exportações brasileiras para lá atingiram US$ 4,9 bilhões em 2011 e foram apenas um pouco inferiores à soma das vendas brasileiras para seus dois parceiros menores do Mercosul, Paraguai e Uruguai. Mas esse é apenas um dos ângulos da questão, já que, tamanho de mercado por tamanho de mercado, o Brasil deveria então dar prioridade a acordos com os EUA e União Europeia.

Junto com as oportunidades de negócios, Hugo Chávez traz também mais dissonâncias a um bloco já demasiadamente desafinado. Com a entrada da Venezuela, o bloco passará a contar com dois países - o outro é a Argentina - com inflação das mais altas do mundo. A variação dos preços projetada pelo FMI para a Venezuela é de 31,6% em 2012, enquanto que para a Argentina as previsões de economistas privados supera 20%. O FMI desistiu de fazer projeções, já que o país manipula índices à luz do dia, sem a menor cerimônia.

Cristina Kirchner e Chávez vêm conduzindo a economia de forma errática, sepultando as chances de que um dia possam crescer de forma sustentada. Chávez, o novo sócio, está mais avançado nessa tarefa. Com suas estatizações, subsídios e expropriações, tem conseguido derrubar a já baixa produtividade venezuelana. O país importa praticamente tudo com as receitas ainda abundantes do petróleo, o verdadeiro e praticamente único provedor dos cofres públicos. O motor da economia venezuelana é a PDVSA, cujos recursos bancam de tudo, até mesmo a exploração de petróleo - estagnada há alguns anos, por sinal.

Acumulando dívidas enormes para o futuro e sem muito crédito na praça, Chávez tem cativado a China em troca de dólares. Os chineses já são investidores ativos no país, possuem dinheiro para gastar, estão atrás de matérias-primas e podem financiar a infraestrutura venezuelana. Se um dos objetivos dos países do Mercosul é se contrapor à concorrência chinesa no continente, Chávez poderá frustrá-lo. Ao usar a política como norte, os laços que o líder bolivariano constrói com a China não deverão ser desatados facilmente.

Chávez acrescentará mais um elemento errático à tradição do Mercosul, na qual o Brasil se tornou especialista em administrar surpresas desagradáveis. Cristina Kirchner colocou a burocracia para brecar as importações - um tiro no pé -, depois de, com seus acordos de restrição voluntária a importações do Brasil, dar mais mercado aos competidores chineses. Talvez para saudar a chegada de Chávez ao Mercosul, a presidente argentina adotou novas normas sobre hidrocarburetos que poderiam servir de exemplo até ao chavismo. As empresas, entre elas a Petrobras, terão de apresentar metas de produção, exploração e recomposição de reservas, abrir suas estruturas de custo ao governo, que irá ou não autorizar exportações e fixará preços de referência para o mercado interno e as margens de rentabilidade.

Politicamente, Chávez vem ano após ano destruindo as instituições democráticas, e as que importam, como a Justiça, são hoje um arremedo delas. A pressa do Brasil em trazer a Venezuela para o Mercosul não se justifica. Chávez será um espantalho para acordos comerciais razoáveis e um sinalizador de que o Mercosul dá primazia à ideologia em seus movimentos. No poder, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva alimentou a ilusão de que era melhor se aproximar de Chávez para domar seus ímpetos. Esse equívoco já vai completar uma década e será repetido. Quem muda as leis de seu próprio país ao sabor de sua política e de sua vontade errante dificilmente respeitará regras que não fez. E ao dar agora o palco do Mercosul para Chávez, o Brasil ofereceu-lhe um bom trunfo na mais difícil eleição que enfrenta desde 1999. O governo brasileiro sempre abonou os defeitos chavistas. É uma política errada e de alto custo.