Título: Efeitos da utilização do IOF como controle cambial ::
Autor: Farinelli , Luís R. G.
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2012, Opinião, p. A14

Em meados de junho, pela terceira vez neste ano e pela quinta desde março de 2011, o governo federal alterou o prazo mínimo exigido para que a alíquota do imposto incidente sobre operações de câmbio (IOF do câmbio) no ingresso de recursos no Brasil a título de empréstimo externo fosse reduzida a zero, sob pena de aplicação da alíquota de 6%.

A justificativa do governo para as sucessivas modificações desse prazo foi a necessidade de controlar o fluxo de entrada de capital estrangeiro no país e, por consequência, as taxas de câmbio. Porém, essas medidas afetaram, de forma relevante, o custo de obtenção de capital, assim como as decisões sobre a tomada de empréstimos, gerando, inclusive, disparidades entre operações contratadas em intervalos pequenos de tempo.

Imposto afetou o custo de obtenção de capital, assim como as decisões sobre a tomada de empréstimos

Considerado, no passado, como imposto com finalidade primordialmente regulatória, o IOF do câmbio passou a ter cada vez mais importância como instrumento de arrecadação, em particular a partir da extinção da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Com efeito, antes que a CPMF fosse extinta, o IOF do câmbio incidia sobre operações de câmbio em poucas hipóteses, aplicando-se a alíquota zero na maior parte das contratações de câmbio. Desde que a CPMF deixou de existir, o IOF passou ser devido em parte relevante das operações de câmbio à alíquota geral de 0,38%, que era justamente o percentual de incidência da CPMF, bem como às alíquotas mais elevadas de acordo com a operação. Esta elevação da alíquota do IOF do câmbio, juntamente com o aumento da alíquota de outras modalidades de IOF, teve por objetivo compensar a queda de arrecadação que decorreria do término da cobrança da CPMF, ainda que esses tributos não incidissem sobre as mesmas operações.

Logicamente, ao mesmo tempo em que o IOF do câmbio passou a ter maior representatividade na arrecadação tributária federal, esse imposto também se tornou relevante para as empresas na análise do custo de suas operações envolvendo contratações de câmbio, inclusive como aspecto importante o bastante para mudar os planos das empresas a respeito da realização de certas operações.

Nesse contexto, em que o custo com o IOF do câmbio adquiriu importância, o governo federal começou a utilizar esse imposto com assiduidade como um instrumento de política monetária para tentar influenciar o comportamento das taxas cambiais. O uso do imposto com essa finalidade - de eficácia duvidosa - ocorreu mediante alterações frequentes e imprevisíveis nos prazos mínimos de permanência no Brasil de recursos ingressados a título de empréstimo e da elevação da alíquota caso tais prazos não fossem cumpridos.

O quadro abaixo demonstra a frequência com que o governo utilizou o IOF como instrumento de controle cambial.

As alterações passaram a valer imediatamente, uma vez que a Constituição não impõe a obediência a qualquer prazo de antecedência ou anterioridade para a exigência do IOF do câmbio, podendo o mesmo ser alterado mediante simples edição de decreto pelo Poder Executivo. A possibilidade de modificação imediata decorria da visão do imposto como um instrumento de propósito mais regulatório do que arrecadatório, o que, como mencionado, já não mais corresponde à realidade atual.

Esse histórico de medidas evidencia a situação de incerteza a que as empresas foram submetidas neste período. Em certos casos, o prazo médio mínimo foi alterado em um intervalo tão curto de tempo, que as negociações começavam sob uma regra e tinham que ser reiniciadas ou revistas antes da sua conclusão, em face da modificação do prazo mínimo exigido para a aplicação da alíquota zero. Em outras situações, a mera decisão de contratar a operação de câmbio em uma determinada data (às vezes apenas um dia depois) resultou na obrigatoriedade de manter os recursos por mais ou menos tempo no Brasil.

Essas alterações parecem nem sempre ter produzido os resultados esperados pelo governo federal, não justificando a situação de insegurança instituída por elas. De fato, alguns especialistas do mercado questionam a eficácia dessas medidas por incidirem apenas sobre o mercado à vista de câmbio, sem considerar o mercado futuro que, em conjunto com outros fatores, inclusive externos, afetam fortemente as taxas de câmbio. Não obstante, essa prática continua a ser adotada.

Mais especificamente, no caso da última mudança, novas questões surgiram com a redução do prazo mínimo exigido para a alíquota zero de 1.800 para 720 dias, em um movimento diferente das alterações anteriores. Por exemplo, as empresas que receberam empréstimos do exterior entre 12 de março a 14 de junho de 2012 somente poderão devolvê-los em um prazo que não desrespeite o prazo médio mínimo de 1.800 dias para que não lhes seja exigido o IOF de 6%? Por outro lado, empresas que receberam empréstimos a partir de 14 de junho, poderiam permanecer com os recursos por apenas 720 dias para manter a aplicação da alíquota zero? Não nos parece justificável tratamento tão desigual!

Sendo assim, considerando que o objetivo das flutuações dos prazos médios mínimos para empréstimos externos era desestimular o fluxo de capitais estrangeiros para o Brasil, não nos parece razoável que exista disparidade de tratamento entre aqueles que receberam recursos antes e a partir de 14 de junho, uma vez que o objetivo da modificação anterior já teria sido atingido.

Assim, a edição de uma regra de transição - que permitisse que as empresas pudessem ajustar seus contratos de empréstimo à atual exigência de prazo mínimo (de 720 dias) - sem qualquer incidência de IOF do câmbio, seria uma medida de todo recomendável, visando corrigir as disparidades causadas pela sucessão de mudanças nas regras desse imposto. Ademais, uma revisão dessa prática sopesando a eficácia dessas medidas em comparação com os problemas decorrentes da insegurança por elas geradas também parece ser bastante conveniente.

Luís Rogério G. Farinelli é advogado especializado em questões tributárias e sócio do escritório Machado Associados - Advogados e Consultores.