Título: Emprego e renda aumentam mais para domésticas
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 15/01/2007, Brasil, p. A3

Marlete Henrique do Carmo Souza, 28 anos, vai cursar o segundo ano da faculdade de Pedagogia em 2007. A morena, de cabelos alisados pela chapinha, fala com desenvoltura e usa o português corretamente. Fez cursos de computação e pretende começar o de inglês. Casada há sete anos, tem uma casa equipada: suas aquisições mais recentes foram um computador, com tela de LCD de 15 polegadas, e uma impressora. Com acesso à internet, Marlete faz pesquisas e trabalhos para a faculdade e conversa com as amigas por e-mail. Em seu último emprego, tinha carteira assinada e recebia R$ 650 mensais mais vale-transporte.

Marlete não trabalhava como recepcionista ou como auxiliar em um escritório. Apesar de já ter o ensino médio completo e cursar uma faculdade, ela era empregada doméstica: fazia a limpeza da casa e cuidava da filha de um ano de um casal. Com dificuldades em conciliar trabalho e estudo, resolveu deixar o emprego para se dedicar apenas à pedagogia. A moradora da Brasilândia, no extremo norte da cidade de São Paulo, não é uma exceção.

O aumento no número de vagas e a melhor remuneração têm atraído muitas mulheres para o emprego doméstico. Nos últimos quatro anos, o emprego e o rendimento nesse setor cresceram acima da média do emprego no país. Enquanto a ocupação total aumentou 13,4% de 2003 até novembro do ano passado, a geração de postos de trabalho para domésticas avançou 17,8%. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As empregadas domésticas ainda ganham bem abaixo da média dos trabalhadores brasileiros, mas o seu salário aumentou 10,7% e passou a valer, na média, R$ 390, acima do valor atual do salário mínimo, que é de R$ 350. Ao mesmo tempo, nesses últimos quatro anos, o rendimento médio do trabalhador brasileiro caiu 2%, pois no primeiro ano do governo Lula, 2003, a renda diminui 12,5%.

Com a recente melhora no mercado de trabalho é natural que mais pessoas, especialmente mulheres, passem a procurar emprego. Elas podem tanto ser empregadas domésticas, quanto exercer outros tipo de atividade e, por conta disso, precisarem de uma profissional para cuidar da casa e dos filhos. Isso explicaria o crescimento do emprego no setor.

A avaliação é de Marcio Pochmann, professor da Unicamp e ex-secretário de Trabalho da cidade de São Paulo na gestão de Marta Suplicy. Ele diz que, apesar dos aumentos no rendimento desses trabalhadores, esse tipo de serviço é "relativamente barato para uma família brasileira, se compararmos com os preços praticados em países da Europa e também nos Estados Unidos". Para o economista, "aqui, até uma família de classe média baixa pode ter empregada".

A expansão dos rendimentos, por sua vez, está intimamente relacionada aos sucessivos reajustes do salário mínimo nos últimos anos, explica Fábio Romão, da LCA Consultores. Ele explica que o salário mínimo funciona como um indexador para as empregadas. Mas, como, em média, essas trabalhadoras ganham R$ 389,60 e os aumentos do mínimo foram altos, o percentual concedido às domésticas foi um pouco mais modesto.

A competição acirrada no mercado por uma vaga e a maior escolarização da população também explicam porque mulheres qualificadas como Marlete trabalham como domésticas. "Em todos os ramos há muita concorrência. E quem tem estudo, ainda que ele não seja necessário para o exercício da função, é um candidato mais atrativo", argumenta Marcelo de Ávila, do Instituto de Economia Aplicada (Ipea).

"Tem crescido muito o número de mulheres com o colegial completo que nos procuram em busca de emprego. Acredito que seja por falta de oportunidade em outras áreas do mercado", diz Ana Simião, coordenadora do Sindicato das Empregadas Domésticas de Campinas e ex-presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas.

Ela conta que as patroas exigem capacitação. "Elas querem que a empregada tenha boa aparência e estudo, porque elas fazem parte da família, cuidam das crianças e precisam saber se portar", explica. Tudo muito diferente de 20 anos atrás, quando a sindicalista começou na profissão. "Na minha época tinha que ser um 'pé de boi' para fazer o trabalho pesado e estudo não era importante", diz. Hoje, além de anotar recados, cuidar das crianças e, muitas vezes, fazer a compra da casa, a empregada também precisa saber lidar com eletroeletrônicos e eletrodomésticos cada vez mais modernos.

Pelos dados mais recentes do IBGE, em março de 2006, 14,2% dos trabalhadores domésticos tinham 11 anos ou mais de estudo, o que significa que tinham completado o terceiro ano do ensino médio. Em 2003, esse número era bem menor: 8,9%.

Por outro lado, a quantidade de empregados nessa atividade que tinham menos de oito anos de estudo diminui de 70,8% para 64% no período. "E hoje, só quem é mais qualificado passa pelo funil do mercado de trabalho", diz Pochmann. Ele afirma que o perfil da empregada doméstica que vinha do interior para as capitais em busca de oportunidade para quem tivesse pouca escolaridade ficou para trás. "Essa atividade não tem mais aquela pecha de atividade servil, que as pessoas nem gostavam de assumir que realizavam", ressalta.

Maria Tereza de Souza, de 45 anos, não foi tão longe quanto Marlete, mas completou o ensino médio e optou por seguir trabalhando como babá e empregada doméstica. Tentou arrumar emprego como recepcionista, mas achou que não valia a pena. "O salário não é muito maior do que eu ganho e como empregada posso morar na casa da patroa e economizar com aluguel", explica. Ela chegou a fazer três meses de cursinho preparatório para o vestibular, mas não conseguiu pagar a mensalidade. "Quando me mudei de Ourinhos para cá achei que pudesse arrumar outro tipo de trabalho, mas não deu."

Marlete está mais esperançosa. Quer um emprego que esteja relacionado à pedagogia, mas sabe que não será fácil. "Os estágios que aparecem na faculdade pagam em torno de R$ 300, muito menos do que eu ganhava como empregada. Mas sei que para entrar na área vou ter que aceitar algo assim", diz. Marlete espera que depois de formada apareçam oportunidades melhores. Enquanto isso, ela e seu marido viverão mais apertados, com o R$ 1,2 mil que ele ganha como operador em uma metalúrgica.