Título: Para rodada andar, Bush tem de conversar com democratas
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 15/01/2007, Brasil, p. A4

Os esforços para reativar as negociações da Rodada Doha de liberalização do comércio mundial vão depender de muitos fatores nos próximos meses, mas um deles certamente será decisivo. Se o governo George Bush não se entender com os líderes do Partido Democrata no Congresso dos Estados Unidos, pouca coisa vai mudar nessa área.

Autoridades americanas fizeram força nos últimos meses para tentar reanimar as discussões da rodada, suspensas desde julho. Foram movimentos discretos, sem resultados muito visíveis até aqui. Mas será impossível dar os passos seguintes sem combinar com a oposição, revigorada após a vitória nas eleições legislativas de novembro.

O governo foi o primeiro a reconhecer a nova realidade. Poucas semanas depois das eleições, num almoço com membros da comunidade empresarial, a representante comercial dos EUA, Susan Schwab, fez um discurso em que estendeu a mão para os democratas e pediu cooperação para retomar as negociações.

"Os riscos de um fracasso são profundos e para evitar desperdiçar as oportunidades de Doha, os EUA precisam falar com uma só voz nos próximos meses", disse Schwab, a principal autoridade do governo americano nessa área.

Poucos dias antes, os democratas já haviam dado uma amostra dos problemas que estão por vir. Numa carta para Schwab, suas principais lideranças indicaram que bloquearão a passagem dos acordos comerciais assinados recentemente pelos EUA com o Peru e a Colômbia se os dois países não seguirem padrões internacionais de respeito a direitos trabalhistas.

Os democratas passaram a controlar a agenda do Congresso há uma semana, com a posse dos novos deputados e senadores. A discussão dos acordos com o Peru e a Colômbia, que precisam do sinal verde do Congresso para entrar em vigor, deverá ser um dos primeiros testes da disposição da administração Bush e da oposição para o diálogo nessa área.

"Há muita ansiedade na classe média americana com alguns efeitos da globalização e os democratas estão respondendo a isso", disse ao Valor a ex-representante comercial dos EUA Carla Hills, hoje sócia de uma consultoria. "A atmosfera política está bem complicada e será preciso conversar muito se os dois lados quiserem mesmo trabalhar em parceria".

Tempo é o que eles menos têm. A autorização legislativa que dá a Bush poderes especiais para negociar acordos comerciais expira em junho e não será renovada sem concessões aos democratas. Esse mecanismo impede o Congresso de emendar os acordos assinados pelo governo e assim facilita sua aprovação. Sem ele, a Rodada Doha não sairá nunca do lugar.

Schwab tem vendido a idéia de que, se todos os membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) aceitarem novas concessões que permitam reativar a rodada, isso pode ser suficiente para convencer o Congresso a renovar a autorização de que Bush precisa para negociando.

Também terá lugar no Congresso outra discussão crucial para o futuro de Doha. A Lei Agrícola, que disciplina os generosos subsídios pagos aos agricultores, também expira em 2007 e será revista nos próximos meses. Os EUA aceitaram abrir mão de parte dos subsídios em 2006, mas terão de cortar mais se quiserem destravar a rodada.

Os EUA queriam autorização para gastar US$ 22 bilhões por ano com subsídios agrícolas. Nos últimos meses, seus negociadores acenaram com a possibilidade de limitá-los a US$ 17 bilhões. A União Européia defende um teto de US$ 15 bilhões. Para levar a idéia adiante, será preciso contrariar interesses dos produtores que hoje recebem esses benefícios. Eles são bem organizados e têm muita influência no Congresso.