Título: Desafio do crescimento latino-americano
Autor: Teitel, Simón
Fonte: Valor Econômico, 15/01/2007, Opinião, p. A13

Desde 2003, as economias latino-americanas vêm crescendo - em Produtos Internos Brutos (PIBs), incluindo as estimativas para 2006 -, em até 17%, numa taxa média de crescimento anual de 4,3% e um aumento de 12% no PIB per capita. Embora o números sejam notáveis, essa é apenas a segunda vez em 25 anos em que a América Latina registra quatro anos consecutivos de crescimento econômico positivo. Será que esses bons tempos perdurarão?

Esse recente crescimento foi alimentado por uma forte alta nos preços de commodities, entre elas não apenas insumos energéticos, como petróleo, gás e carvão, mas também metais, minerais e produtos agrícolas. Uma crescente demanda por matérias-primas, devida à substancial intensificação do crescimento industrial asiático, particularmente na China e na Índia, beneficiou os termos de troca de muitos países latino-americanos, e não há previsões de um fim de curto prazo para essa conjuntura.

Historicamente, tende a se manifestar um esbanjamento fiscal em momentos como este, em que receitas extraordinárias são desperdiçadas em projetos públicos extravagantes. Mas isso não está acontecendo dessa vez - pelo menos até agora. Nas sete principais economias latino-americanas (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela), que reunidas respondem por quase 90% do PIB regional, o crescimento econômico anual foi, em média, igual a 6% no terceiro trimestre de 2006, ao passo que a produção industrial cresceu 8%. Mas os governos desses países parecem estar aproveitando a prosperidade para saldar dívidas externas e aumentar suas reservas em moeda forte.

Surpreendentemente, políticas macroeconômicas responsáveis foram implementadas após uma onda de vitórias eleitorais populistas/socialistas em anos recentes. Brasil, Chile, Equador, Nicarágua e Venezuela elegeram candidatos presidenciais socialistas ou populistas/reformistas em 2006, ao passo que em 2005 a Bolívia elegeu um presidente indígena populista, o Uruguai escolheu um presidente socialista no mesmo ano e a Argentina entregou a presidência a um político de centro-esquerda em 2003.

Maior independência financeira internacional é uma das conseqüências da alta nos preços das matérias-primas. Países como o Brasil e a Argentina quitaram seus empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) antes do vencimento, enquanto outros países estão recomprando papéis de sua própria dívida em mercados secundários. O aumento da liqüidez nos mercados internacionais de capital também reduziram a necessidade da obtenção de financiamento multilateral e, com isso, diminuiu também a necessidade de aceitar imposições como a privatização de recursos naturais e desregulamentação de empresas de serviços públicos.

-------------------------------------------------------------------------------- Embora o crescimento da AL seja percebido como desigual, dados da ONU põem a região em primeiro lugar entre as áreas de países em desenvolvimento --------------------------------------------------------------------------------

Mas, em sua maior parte, as políticas fiscais e monetárias até agora não implementaram as promessas retóricas dos líderes, no sentido de promover profundas reformas estruturais e fazer uma redistribuição em favor dos indígenas e dos pobres. Mesmo assim, persiste o risco de déficits fiscais e inflação em diversos países. Em conseqüência, a nova geração de líderes não pode adotar drásticas reformas estruturais, extremamente necessárias em diversos países, de uma maneira que ponha em risco a estabilidade macroeconômica - sem a qual nenhuma de suas promessas podem ser cumpridas.

De fato, embora o crescimento econômico na América Latina seja freqüentemente percebido como extremamente desigual - o que explica a inflexão para a esquerda - dados recentes das Nações Unidas (ONU) põem a região em primeiro lugar entre todas as áreas de países em desenvolvimento. Não é vigoroso apenas o desempenho econômico da região; o mesmo acontece com sua pontuação em termos de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que compreende indicadores sociais como educação e saúde. Com efeito, embora o PIB per capita latino-americano seja inferior à média mundial, ele supera todas as outras regiões em desenvolvimento, bem como a média mundial, em termos dos principais indicadores sociais.

Apenas um país latino-americano (o Haiti) aparece no grupo de países com baixo IDH, ao passo que os demais estão nos grupos de IDH médio e alto. Dos 30 países latino-americanos incluídos no relatório deste ano, apenas um terço tem classificação em IDH inferior à sua posição no ranking segundo o PIB, e apenas alguns - aqueles com as maiores necessidades, na região, de substanciais melhorias em infra-estrutura social, especialmente de saúde e educação - exibem grandes discrepâncias.

Mas pairam ameaçadores dois riscos para a recuperação econômica latino-americana. Em primeiro lugar, em vista da alta dos preços de bens exportados, em conseqüência da atual alta nos preços das matérias-primas, a região está cada vez mais vulnerável à denominada "doença holandesa", condição na qual propagam-se altos salários e preços por toda a economia, debilitando a competitividade, especialmente em mercados industriais. Com a penetração dos exportadores asiáticos de manufaturados em mercados no mundo inteiro, a "doença holandesa" seria extremamente prejudicial para as perspectivas de crescimento latino-americanas.

Em segundo lugar, num momento em que a globalização econômica está tornando porosas as fronteiras nacionais, os líderes políticos podem se deixar levar por uma retórica de independência. Todos os períodos de ganhos extraordinários terminam. Se não forem adotados procedimentos adequados para sustentar a competitividade mundial, as conseqüências econômicas, sociais e políticas poderão ser sombrias.

Simon Teitel é pesquisador no Centro Internacional de Pesquisas Econômicas (ICER), em Turim, Itália, e ex-assessor econômico e pesquisador sênior do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). © Project Syndicate 2007. www.project-syndicate.org