Título: China paga o preço de más escolhas de investimentos
Autor: Rabinovitch , Simon
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2012, Especial, p. A16

Para a China, um país com um trânsito infernal, a mais longa ponte marítima do mundo é um sucesso em pelo menos um ponto: ela não provoca atrasos. O problema é que os automóveis que passam por ela são poucos. A ponte, que foi inaugurada há um ano na cidade portuária de Qingdao, no leste do país, traça um amplo arco através de uma baía, ligando o agitado centro da cidade à zona rural, longe dos escritórios e residências que ela supostamente deveria servir.

Com seis faixas e 42,5 km de comprimento, o suficiente para atravessar o canal da Mancha e mais, ela levanta uma questão econômica perturbadora: terá a China, de uma maneira espetacular, alcançado seu momento "ponte para lugar nenhum"?

O fato de a segunda maior economia do mundo poder estar perdendo dinheiro em investimentos não produtivos é uma afirmação controvertida. Muitas autoridades e investidores estão convencidos de que o país precisa melhorar bastante sua infraestrutura - rodovias, aeroportos, fábricas e conjuntos habitacionais - nos próximos anos para alcançar as economias mais desenvolvidas.

Esse ponto de vista otimista está sendo testado. A preocupação não é a China ter esgotado os bons investimentos, e sim que ela pode já ter feito muitos investimentos ruins, especialmente no setor imobiliário, e agora precisa pagar o preço na forma de uma desaceleração econômica acentuada.

"É possível errar o passo e investir demais ao longo do caminho. Os investimentos agora representam mais de 40% do PIB há nove anos seguidos, e nenhum país jamais fez isso", afirma Nick Lardy do Peterson Institute for International Economics de Washington. "Desatar a coisa toda fica muito difícil."

O governo vem tentando fazer exatamente isto - desfazer os excessos da década passada, contendo o ritmo dos investimentos. Os resultados desse esforço foram vistos quando a China anunciou que o crescimento econômico caiu para 7,6% no primeiro semestre, o menor desde o começo de 2009. As políticas domésticas foram o maior problema. A atividade no setor da construção vem sofrendo depois que Pequim passou a frear os investimentos descontrolados no setor imobiliário.

Isso, segundo muito analistas, é uma coisa boa. Para uma economia mundial frágil, o crescimento chinês morno pode não parecer bom, mas o cenário alternativo é mais assustador. Se Pequim não induzir uma desaceleração branda agora, a possibilidade de um grande colapso, com o aumento dos investimentos ruins, ficará ainda maior em poucos anos.

"Estamos em um ponto crítico. Precisamos equilibrar o crescimento de curto prazo com o crescimento de longo prazo. Isto é, não podemos apenas nos preocupar com a desaceleração no curto prazo", afirma Peng Wensheng, economista-chefe do banco de investimentos China International Capital. Mas mesmo com essa pequena queda - um crescimento de 7,6% é, afinal de contas, maior que o de qualquer outra grande economia no momento -, a preocupação aumenta em toda a China. As companhias do setor da construção estão tendo prejuízos maiores, o mercado de ações está definhando e muitos governos locais, que dependem das vendas de terras para obter receitas, estão com o caixa baixo. Gritos de protesto estão vindo de incorporadores imobiliários e autoridades locais.

Pequim até agora manteve o sangue-frio. Wen Jiabao, o primeiro-ministro que deverá deixar o cargo neste ano, disse pela primeira vez em 2007 que a economia estava em um ritmo "instável, insano, descoordenado e insustentável", muito embora na ocasião tenha feito pouca coisa para reverter isso. O programa de estímulo de 4 trilhões de yuans (US$ 585 bilhões) de 2009-2010 serviu apenas para agravar os problemas. A imprensa oficial vem prometendo que não haverá uma recaída. "Os velhos modos não serão repetidos", disse em maio a agência de notícias Xinhua em um editorial.

Mas há limites para essa tenacidade. Líderes do alto escalão não querem ver uma desaceleração abrupta que leve ao desemprego e, potencialmente, a distúrbios. Eles se mostram particularmente determinados neste ano, período de transição na liderança do país, que ocorre uma vez a cada década, a minimizar qualquer problema.

Portanto, nos últimos dois meses, em meio a sinais de fraqueza econômica, o governo mudou cautelosamente para uma posição pró-crescimento. Ele cortou as taxas de juros duas vezes, encorajou os bancos a emprestar mais, especialmente para as pequenas empresas, e introduziu subsídios para induzir os consumidores a gastar mais.

Analistas afirmam que essa mudança precisa ser conduzida com a maior cautela. Se o governo estimular demais o crescimento, os investimentos voltarão a decolar, sobrecarregando o país com ainda mais conjuntos de apartamentos vazios, parques industriais desertos e pontes que ligam o nada a lugar nenhum. A recuperação deste ano ocorreria ao custo de problemas graves à frente.

"O pior cenário seria afrouxar a política monetária, relaxando ao mesmo tempo as medidas de controle sobre o setor imobiliário", diz Peng. "Se o afrouxamento não for cuidadosamente administrado, corremos o risco de desequilibrar a economia."

Zhuhai, que fica perto de Macau, no sul, é a cidade mais recente a tentar forçar um fim às medidas enérgicas impostas ao setor imobiliário. Há cerca de duas semanas, surgiram rumores de que ela iria relaxar a mais dura das medidas do governo para esfriar o mercado - a proibição da compra de mais de uma residência. Assim como outras cidades que tentaram táticas parecidas, Zhuhai foi rapidamente enquadrada pelas autoridades centrais. Ela desistiu de seu plano.

Mas embora o governo venha surpreendendo muitos com sua determinação em controlar o setor imobiliário, há bons motivos para acreditar que ele ainda não se livrou do vício dos investimentos. Isso está refletido nos comentários feitos por Wen no início do mês que poderão se mostrar muito importantes. Demonstrando sua preocupação com a desaceleração, ele ordenou ao governo que se concentre em apoiar a economia no segundo semestre. "As políticas para estabilizar o crescimento incluem a promoção do consumo e a diversificação das exportações, mas no momento a principal tarefa é promover um crescimento razoável dos investimentos", disse ele.

Essas palavras foram um sinal importante de que Pequim está pronta para ligar o motor dos investimentos mais uma vez, aprovar gastos de capital em grande escala, especialmente com infraestrutura, e usar os bancos estatais para fornecer financiamentos. Wen insistiu que o governo continuará firme no controle ao setor imobiliário. Na falta disso, porém, todas as coisas ligadas à "qualidade e à eficiência, que fizerem as pessoas viverem melhor", serão encorajadas.

O governo vem falando insistentemente sobre seu objetivo de conter os investimentos e encorajar o consumo para tornar o crescimento mais sustentável. Na prática, porém, o crescimento passou de cerca de 32% do PIB em 1990 para cerca de 49% no ano passado, um recorde. Na década de 1970, durante sua era de crescimento acelerado, o Japão mal conseguiu atingir 40% do PIB.

"Acontece que toda vez que há necessidade de um estímulo, os canais mais comuns ainda estão voltados para os investimentos", diz Louis Kuijs, um ex-economista do Banco Mundial (Bird) em Pequim, que hoje trabalha no Fung Global Institute, um centro de estudos de Hong Kong. "Esses padrões possuem um ímpeto e somente com medidas de reformas muito audaciosas podemos esperar ver uma mudança substancial neles. Estamos observando algumas medidas reformistas, mas nenhuma delas grande."

Sob uma perspectiva, está claro que a China ainda precisa de mais investimentos. Seu estoque de capital por trabalhador corresponde a apenas 8% daquele dos Estados Unidos, dando a ela muito espaço para investir mais, segundo o banco britânico HSBC. Isso é óbvio para qualquer pessoa que já esteve em grandes cidades como Shenyang, no norte, ou Cantão, no sul, que possuem ruas congestionadas e poucas linhas de metrô.

Mas a pressa para alcançar as grandes economias tem sido inadequada. Seu estoque de capital deverá convergir com os das economias mais avançadas, mas isso deverá demorar muitas décadas, não vai acontecer da noite para o dia, segundo Nick Lardy. Quase dois terços do estoque de capital foram criados desde 2003. Em suma, a China construiu demais e muito rápido.

De volta a Qingdao, as autoridades admitem reservadamente que a maior ponte do mundo foi um erro. Ideia de um chefe local do Partido Comunista, que já foi defenestrado por corrupção, ela serve um distrito suburbano que também está ligado ao centro da cidade por um túnel sob o mar, várias rotas de balsas e uma rodovia que margeia o mar. Embora projetada para suportar 30 mil veículos por dia, um executivo de uma construtora ligada ao governo diz que ela está registrando apenas 10 mil.

Num sinal mais positivo, algumas autoridades do alto escalão estão agora preparadas para falar em público sobre o problema. Guo Shuqing, principal autoridade reguladora do mercado de valores mobiliários da China, visto como uma das autoridades de mentalidade mais reformista, falou sobre os problemas do país com termos duros em um pronunciamento feito em uma conferência financeira no mês passado. "A infraestrutura era o nosso gargalo, mas agora estamos começando a ver um excesso parcial de capacidade, algumas rodovias e ferrovias que estão ociosas", disse ele. O desperdício tem sido maior no setor imobiliário, em que os imóveis são erguidos rapidamente mas o material é de má qualidade, mesmo nas regiões costeiras, que são as mais ricas. "Casas precisam ser reconstruídas em média a cada seis ou sete anos", disse Guo.

Ele não está sozinho. Um refrão cada vez mais comum entre os planejadores econômicos mais graduados tem sido, neste ano, mudar as fundações do modelo de crescimento. "As reformas precisam ser implementadas de maneira inquebrantável, caso contrário darão num beco sem saída", disse Wen em fevereiro.

Suas palavras foram seguidas por uma série de reformas nos últimos meses, como parte de uma tentativa múltipla de afastar a China de sua dependência excessiva dos investimentos. O capital barato tem sido uma causa importante dos investimentos excessivos, e o banco central já começou a corrigir isso aumentando a influência das forças do mercado sobre as taxas de juros e o câmbio. Ao mesmo tempo, na tentativa de direcionar os financiamentos para usos mais produtivos, as autoridades reguladoras ordenaram aos bancos que emprestem mais às pequenas empresas e menos para as companhias estatais. Progressos também vêm sendo obtidos na mudança do sistema fiscal, para tornar os governos locais menos dependentes das vendas de terras e terrenos, assim, menos entusiasmados com novos projetos de investimentos.

O fato de essas reformas estarem sendo levadas a cabo meses antes da esperada nomeação de Xi Jinping como presidente é uma forte indicação de que a próxima geração dos líderes chineses apoia as mudanças.

Mesmo assim, até agora elas estão caracterizadas como uma série de pequenas medidas, e não uma reorganização total. Os atuais líderes e seus sucessores não pretendem fazer nada muito radical - a menos que seja absolutamente certo que o sistema está quebrado, por que mexer nele?

"As pessoas estão apostando que a nova liderança vai abraçar o desafio das reformas. Mas isso está longe de garantido. Na medida em que uma economia amadurece, fica mais difícil realizar reformas", afirma Ben Simpfendorfer, fundador da Silk Road Associates, uma consultoria de Hong Kong.

Um consultor do governo afirma que tem havido progressos significativos em pelo menos uma frente. Cinco anos atrás, era difícil convencer as autoridades de que o excesso de investimentos era uma preocupação. "Agora, todos eles concordam. Mas, implementar as reformas necessárias é outro problema", diz o consultor, que falou sob a condição de permanecer no anonimato.

Com o ritmo de crescimento da economia diminuindo e Wen falando mais sobre a necessidade de investimentos do que de uma reforma estrutural, a China corre o risco de voltar a trilhar a mesma estrada mais uma vez - aquela que ele chamou de beco sem saída há apenas poucos meses.

A tentação de manter a economia aquecida no curto prazo, desatenta às armadilhas do longo prazo, é difícil de ser ignorada.