Título: Segregação contábil atinge 20% dos empreendimentos em 2006
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 15/01/2007, Finanças, p. C1

Só 90 empreendimentos imobiliários em todo o país adotaram o patrimônio de afetação em 2006, o equivalente a 20% dos que tiveram financiamento da caderneta de poupança para construção de imóveis residenciais. A adesão das construtoras a esse regime opcional de segregação contábil -criado para proteger pessoas que compram e bancos que financiam moradia na planta - ainda está está longe da pretendida pelas instituições financeiras. Mas, vem crescendo desde o primeiro ano de sua efetiva utilização, em 2005, quando foi de apenas 12%.

Essa foi a conclusão a que chegou o vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, ao confrontar dados da Secretaria da Receita Federal (SRF) com números do Banco Central sobre operações do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE, cuja fonte é a caderneta) com as construtoras. Embora lenta, a evolução está dentro do esperado tanto pela CBIC quanto pela Abecip, associação que representa as instituições financeiras com carteira de crédito imobiliário.

Para os bancos, o cenário ideal seria uma adesão de 100%, reconhece o diretor geral da Abecip, Osvaldo Fonseca, sabendo que isso ainda vai demorar. "O patrimônio de afetação exige uma profunda mudança de cultura das construtoras. Se fosse fácil, seria obrigatório", diz Fonseca. Ele acredita que a exigência do regime em todos os empreendimentos financiados pelo sistema bancário só será possível a partir de 2014, quando completará dez anos a lei atualmente em vigor.

Além de fazer uma segregação entre o patrimônio do empreendimento e o do empreendedor, o regime de afetação nas incorporações imobiliárias implica regime especial de tributação (RET) no âmbito federal. Por isso, a cada vez que uma empresa decide adotá-lo precisa de aprovação da SRF. A Receita aprovou, até final de 2006, a instituição de 128 RETs nessa modalidade. Desse total, 38 foram processos concluídos em 2005 e 90 em 2006.

Os dados do Banco Central, por sua vez, mostram que os bancos com carteira de crédito imobiliário firmaram, no âmbito do SPBE, contratos para financiar a construção de 314 empreendimentos habitacionais em todo o país, em 2005. Em relação a 2006, o levantamento ainda não está completo. Mas, com base no ocorrido até novembro, o vice-presidente da CBIC estima que o SPBE tenha firmado, no ano passado, 435 contratos na mesma modalidade. Embora possam ser poucos para um país de dimensões do Brasil, esses empreendimentos somam mais de 37,6 mil unidades residenciais, destaca José Carlos Martins.

Ele explica que, para medir a adesão do setor ao patrimônio de afetação, a CBIC só considerou os empreendimentos financiados pelo SBPE porque praticamente não existe crédito com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço para financiamento de empresas. O fundo só tem financiado compradores finais. E quando o mutuário final toma empréstimo bancário para compra do imóvel é porque o empreendimento já está pronto e, portanto, não faz mais sentido instituir o regime, observa ele.

A razão de ser do patrimônio de afetação é assegurar que a receita proveniente da venda de imóveis na fase de projeto ou de construção seja aplicada no próprio empreendimento até sua conclusão, impedindo que o dinheiro seja utilizado pela construtora em outra obra antes de terminá-lo. Por isso, além daqueles do FGTS, mesmo no caso do SBPE, também não faz sentido considerar no cálculo do percentual de adesão as operações de financiamento de imóveis prontos, que representam a maior parte do crédito imobiliário.

Em geral, as construtoras só adotam o patrimônio de afetação por exigência do banco financiador do empreendimento. Por isso, o percentual de adesão ao regime só leva em consideração o número de projetos lançados em parcerias com o sistema financeiro. Interessa aos bancos assegurar que os imóveis, que são a garantia do empréstimo, sejam concluídos, até para que o crédito seja posteriormente desdobrado e repassado aos compradores, pulverizando o risco da instituição financeira.

Osvaldo Fonseca, da Abecip, diz que muitas construtoras ainda não estão preparadas para tal segregação. Isso não significa, porém, que não sejam empresas saudáveis. Por isso, os bancos têm aceitado dar o financiamento mesmo quando o tomador alega dificuldades para implementar a exigência.

Associada aos problemas financeiros da empresa, a prática de usar em outra finalidade recursos de obras inacabadas foi justamente o que gerou a crise Encol, na década de 90. Para desespero de muita gente que tinha comprado imóvel na planta, a empresa, falida, abandonou a construção de uma série de prédios que já tinham sido parcial ou totalmente pagos pelos compradores. Muitas dessas pessoas tiveram que pagar de novo para ter seus imóveis terminados por outra construtora ou simplesmente perderam o investimento. Bancos que financiaram os empreendimentos da Encol também perderam dinheiro.

A quebra da Encol levou sociedade, governo e Congresso a se mobilizar em torno da aprovação de uma lei instituindo o patrimônio de afetação. A primeira versão da lei foi aprovada em 2001. Mas, nunca funcionou por que fazia uma segregação incompleta. Pela lei anterior, o ativo do empreendimento "afetado" corria o risco de ter que responder por débitos tributários relativos a outras obras e atividades do empreendedor, distorção que foi corrigida em 2004.

A efetiva utilização da lei nova só começou em 2005, quando saiu a regulamentação da Receita. José Carlos Martins lembra que, no início, porém, houve muita resistência por parte das empresas porque foi constatado outro problema, relativo à tributação, corrigido posteriormente por uma Medida Provisória. A incidência de uma alíquota única de 7% sobre a receita do empreendimento "afetado" - em substituição ao Imposto de Renda, contribuição sobre lucro e demais tributos administrados pela SRF - só era considerada definitiva quando a favor do Fisco. Se, ao fazer a declaração consolidada, a empresa constatasse alguma vantagem, tinha que recolher a diferença, o que, na prática, neutralizava o incentivo.