Título: Um dia que vale por quatro anos
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 31/10/2010, Política, p. 2

Dilma e Serra fazem o confronto final pelo direito de comandar o Planalto preocupados com a repercussão que o alto índice de abstenção pode ter no resultado

Na sexta eleição presidencial pós-ditadura militar e primeira sem a presença oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os candidatos José Serra e Dilma Rousseff chegam ao grande dia torcendo para que a parcela dos 135,8 milhões de eleitores simpáticos às duas candidaturas não deixe de votar.

Em todas as conversas reservadas desde sexta-feira, as equipes mostram-se preocupadas com a abstenção neste segundo turno. O temor tem lá suas razões. Afinal, o que ficou desta eleição, segundo as mais sinceras avaliações feitas por representantes dos dois finalistas, foram o debate religioso, o uso massivo da internet para o bem e para o mal, além das denúncias que pesaram sobre a Casa Civil da Presidência da República, vitrine de Dilma, e o governo de São Paulo, vidraça de Serra.

A marca desta eleição foi a desproporção do volume de campanha de Dilma e a de Serra, avalia o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, numa referência à presença constante do presidente Lula na disputa, tanto no primeiro como no segundo turno. Foi uma eleição chata, onde a marca foi a desigualdade entre oposição e governo. Eles usaram e abusaram com total desrespeito as normas eleitorais, diz o presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), citando as multas recebidas pelo presidente Lula ao longo do ano, antes mesmo de a Justiça Eleitoral declarar aberta a temporada eleitoral.

Do início oficial da campanha, em 6 de julho, até ontem data do último esforço de ambos no sentido de buscar votos e convencer o eleitor a comparecer foram 2.808 horas de embate. Dilma Rousseff, a primeira mulher a chegar à reta final de uma disputa presidencial no Brasil no papel de favorita, avaliava ontem, após visitar 55 cidades diferentes em uma centena de dias, que esse período foi o mais instrutivo de sua vida considerava, inclusive, o tempo em que lutou contra a ditadura. Eles dizem que ela foi aluna do Lula, mas, na verdade, se ela conquistou os votos dele foi porque demonstrou capacidade, diz o presidente do PT, José Eduardo Dutra, citando os obstáculos que Dilma superou, desde o descrédito nos primeiros debates até a campanha mais rasteira na internet.

A candidata estreante na urna não é a única a tratar dessa eleição como aprendizado. Ninguém acreditava, ou melhor, não se sabia que, no Brasil, um presidente popular era capaz de transferir tantos votos. Ele se empenhou na eleição de candidatos a prefeitos no passado e não deu certo. Desta vez, deu. Para mim, a maior surpresa foi Dilma disparar logo no início contra tudo o que se pensava. Eu mesmo não acreditava, comenta o marqueteiro Nelson Biondi, que acompanhou a campanha de Serra em 2002 e, desta vez, ficou como observador da disputa.

Biondi cita três grandes lições a serem tiradas. A primeira é a questão religiosa, que, na avaliação dele, passou a ter o mesmo peso que detém em eleições nos EUA. Nunca vi os candidatos falarem tanto de religião. A segunda é o uso da internet, em especial das redes sociais. Seja para o bem, seja para o mal, foi a grande mídia, diz o especialista em marketing político. O terceiro detalhe que chama a atenção do marqueteiro é a imprevisibilidade. Todos avaliam que essa eleição tinha tudo para terminar no primeiro turno, uma vez que a oposição só passou a se comportar como tal no fim da campanha. A surpresa, entretanto, foi Marina Silva. Ela apareceu e, para nossa sorte, acabou nos ajudando, comentavam reservadamente os tucanos.

Sem a chamada polarização, veio o segundo turno, para desgosto dos institutos de pesquisa. As urnas desmoralizaram os institutos, afirma o deputado Jutahy Junior (PSDB-BA). O tucanato logo se animou e uniu o partido. Lula, que não esperava a segunda rodada, de saída se retraiu e viu o adversário ganhar fôlego.

Passada a primeira semana de outubro, entretanto, o presidente voltou à ativa. Dilma recuperou terreno. Mas o susto foi grande. Serra, menos animado que Dilma, comentava, ao fim do debate da TV Globo, na sexta-feira: A nossa parte, fizemos. Agora é com o eleitor. Dilma, confiante, mas não menos tensa, completaria minutos depois, ao receber um telefonema de Lula, que lhe desejava sucesso: Deus te ouça, respondeu. Nunca o nome de Deus foi tão usado. Mas quem vai decidir mesmo é o eleitor.

Pesquisas indicam vitória da petista

» Quatro institutos de pesquisa divulgaram ontem a última rodada de sondagens antes da eleição presidencial. Os números indicam estabilidade em relação às projeções anteriores, dentro das margens de erro. Em todas, Dilma Rousseff (PT) leva vantagem de dez pontos percentuais ou mais sobre José Serra (PSDB) nos votos válidos. Segundo a CNT/Sensus, a candidata petista tem 57,2%, contra 42,8% do tucano. O Datafolha aponta 55% para Dilma e 45% para Serra. O Ibope, 56% das intenções de voto para a ex-ministra e 44% para o ex-governador paulista. O Vox Populi, 57% para Dilma e 43% para José Serra.

PERFIL - DILMA

SUBVERSIVA, ECONOMISTA E MINISTRA

» Isabella Souto

Ser uma bailarina, bombeira ou trapezista. Esses eram os planos da menina Dilma Vana Rousseff Linhares, mineira de Belo Horizonte, nascida em 14 de dezembro de 1947. O que ela não imaginava é que um dia poderia disputar e com chances reais de vitória o comando do Brasil. Na infância, ela gostava de andar de bicicleta, subir em árvores, ler histórias de Monteiro Lobato e assistir a óperas ao lado do pai, o empreendedor búlgaro Pedro Rousseff, morto quando ela tinha apenas 14 anos.

Os primeiros anos escolares foram no Colégio Sion, exclusivo para meninas na época e onde se falava com os professores em francês. Em 1965 foi transferida para o Estadual Central e, em seguida, fez faculdade de economia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), palco da efervescência cultural e política da capital mineira. Resultado: Dilma integrou a Polop, Colina e VAR-Palmares, organizações clandestinas. Viu amigos serem presos, torturados, exilados e assassinados pela repressão.

Em 1970, foi presa e torturada nos porões da Oban e do Dops, em São Paulo. A Justiça Militar a condenou por subversão, com pena de dois anos e um mês de prisão que, na prática, vivaram quase três anos. Libertada, voltou para Belo Horizonte e em seguida foi para Porto Alegre, onde o ex-marido, Carlos Araújo, também capturado pela repressão, cumpria pena de quatro anos. Jubilada da UFMG por ter se envolvido em organizações de esquerda, ela recomeçou os estudos de economia na capital gaúcha.

Engajada na campanha pela anistia aos presos políticos, foi uma das fundadoras do PDT gaúcho com o ex-marido e atuou diretamente no movimento Diretas Já. Em 1986, foi nomeada secretária da Fazenda pelo prefeito de Porto Alegre, Alceu Collares. Com a eleição do prefeito para o governo estadual, assumiu a Secretaria Estadual de Minas, Energia e Comunicação. O convite é refeito na gestão de Olívio Dutra no governo gaúcho, eleito em 1998 a partir de uma aliança entre PDT e PT. Dois anos depois, com o rompimento entre os partidos, filiou-se ao PT.

Dilma concluiu a segunda passagem pelo governo gaúcho no final de 2002. Lula havia sido eleito presidente da República e a convidou para assumir o Ministério das Minas e Energia. Lá ficou até 21 de junho de 2005, quando foi deslocada para o Ministério da Casa Civil, onde sucedeu José Dirceu (PT), exonerado do cargo depois das denúncias de ser o mentor do mensalão esquema de pagamento de propina a parlamentares em troca de aprovação de projetos de interesse do governo. Em 31 de março deste ano, a petista deixou a cadeira para disputar a Presidência da República.