Título: Voto antiLula levou a 2º turno, dizem analistas
Autor: Borges, Robinson
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2006, Especial, p. A18

A virada do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) na reta final das eleições de anteontem pode ser explicada pelo fenômeno que cientistas políticos qualificam de voto útil. Isto é, a opção de parte do eleitorado por um candidato que representasse o antiLula. Essa manifestação pode ser compreendida como clara resposta ao último escândalo envolvendo o PT.

"A classe média brasileira forçou o segundo turno. Ela desaprovou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela estratégia soberba e olímpica adotada no primeiro turno, em que optou por não debater com os outros candidatos e, sobretudo, por não responder às denúncias de corrupção no fim da campanha", afirma o cientista político Marcus Figueiredo, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

A tese é compartilhada pelo cientista político Fábio Wanderley Reis. "O voto útil em Alckmin pode ter definido o segundo turno. Foi mais um voto contra Lula do que a favor do candidato do PSDB", diz Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para Claudio Gonçalves Couto, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) "o eleitor optou pelo candidato capaz de aglutinar forças contra Lula."

Nelson Perez/Valor "O voto indignado roubou votos até de Suplicy, um político comprometido com a ética, para Afif. Mais uma vez, o voto foi contra o PT e não em Afif" - Cláudio Couto Rogério Schmitt, analista político da consultoria Tendências, corrobora a tese dos três cientistas. "O eleitor sinalizou que precisa de mais tempo para pensar se Lula merece ser reeleito. Ele quer mais debate e esclarecer os fatos obscuros envolvendo o presidente."

O desgaste da imagem do PT, gerado pelo envolvimento de petistas na tentativa de compra do dossiê Vedoin, teria comprometido também o desempenho de outras candidaturas maduras, como a do senador Eduardo Suplicy (PT), candidato à reeleição por São Paulo, que teve menos votos do que apontavam as pesquisas, favorecendo Guilherme Afif Domingos (PFL), apoiado por Alckmin.

"O voto indignado fez com que o senador Aloizio Mercadante (PT), candidato ao governo do Estado de São Paulo, deixasse de crescer nas últimas semanas, além de roubar votos até de Suplicy, um político comprometido com a ética, para o candidato Afif. Mais uma vez, o voto foi contra o PT e não em Afif", diz Couto.

Na avaliação de Reis, a nova onda de escândalos foi o dado-chave para que a candidatura Lula e o PT perdessem o que ele denomina de "batalha da opinião pública", que vinha sendo travada desde o escândalo do mensalão, no ano passado.

Carla Romero/Valor "A classe média forçou o 2º turno. Ela desaprovou o presidente pela estratégia soberba e olímpica de não debater e, sobretudo, por não responder às denúncias" - Marcus Figueiredo "A parcela mais atenta do eleitorado, em grande parte composta pela classe média, não tolerou mais esta provocação", diz Reis. O cientista político Bolívar Lamounier concorda. "O evento catalítico foi o dossiê Vedoin. O eleitorado do centro-sul chegou ao seu limite", avalia o professor da Universidade de São Paulo (USP).

O voto útil teria sido mais acentuado entre eleitores com maior nível de escolaridade, o que coincide com a formação da classe média brasileira, na opinião dos analistas. Para Figueiredo, esse extrato social foi justamente o mais prejudicado pelo governo Lula, o que revela um traço do pragmatismo do eleitor na decisão do voto.

"A classe baixa se deu bem com os programas sociais. A classe alta também ganhou muito com o modelo econômico adotado, o que favoreceu os bancos, o agronegócio, os exportadores. Mas foi a classe média que pagou o ônus por meio dos impostos que financiaram os benefícios aos pobres", afirma.

Marisa Cauduro/Valor "O eleitor sinalizou que precisa de mais tempo para pensar se Lula merece ser reeleito. Ele quer mais debate e esclarecer os fatos obscuros envolvendo o presidente" - Rogério Schimitt O pragmatismo pode ser a melhor explicação também para a escolha de alguns candidatos, cujos nomes estiveram envolvidos em escândalos. "Paulo Maluf, Ricardo Berzoini, João Paulo Cunha e José Genoino são exemplos de votos em que o eleitor considera que terá algum benefício por votar neles. Na hora do cálculo para o voto, a ética não pesou tanto, mas os ganhos diretos", afirma Couto.

A correlação entre classe social e intenção de voto, de fato, é uma característica bastante marcante destas eleições. Lula estaria mais associado aos menos favorecidos e Alckmin à elite. "Não vejo isso como uma polarização perigosa. Mas o fato é que Lula teve políticas efetivas para os pobres, uma camada social menos preocupada com a questão ética", observa Couto.

Para ele, ao contrário das eleições de 2002, em que as política públicas foram determinantes para o debate em torno dos principais candidatos, neste ano, a ética foi o ponto central para a escolha, em especial da elite. "Os setores mais ricos, com um corte na educação, são menos tolerantes do que os pobres", prossegue.

Diante desse cenário, Marcus Figueiredo avalia que Lula terá de reconquistar a classe média que o apoiava para obter a vitória que almejava no primeiro turno. "Há um clima eleitoral zerado. A oposição está eufórica e o presidente Lula na defensiva. Mas ele terá de se explicar para a classe média", afirma.

Lamounier contesta. Avalia que o custo-benefício de reconquistar a classe média das regiões Sul e Sudeste, onde teve um desempenho aquém do projetado, é muito alto. "Lula deveria manter os votos que já obteve e procurar angariar os votos que não conquistou entre os eleitores das classes C e D", diz.

Para Reis, o segundo turno começa favorável ao candidato Alckmin, por que o simples fato de Lula ir para o segundo turno já pode ser lido como uma derrota, e a ida do candidato tucano adiante, como uma vitória. "Lula está em desvantagem. Há uma questão de psicologia política envolvida", explica.

Para Lamounier, a candidatura Alckmin ganhou musculatura com sua ida ao segundo turno e mudou de status. Mas Schmitt avalia que Lula ainda tem um favoritismo residual.

Resta saber como serão reorganizados os apoios. Na opinião de Figueiredo, as pesquisas de opinião indicam que a maioria dos votos de Heloísa Helena (PSOL) deve migrar para Alckmin, pois seu eleitor é "de esquerda, pautado pela ética, ou anti-Lula". Já Reis considera que os eleitores da senadora são muito heterogêneos e devem se dispersar entre os dois candidatos.