Título: Múltis no país "importam" talentos de subsidiárias
Autor: Giardino, Andrea
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2007, Carreira, p. D6

A falta de profissionais qualificados na área de tecnologia da informação (TI) têm feito com que muitas empresas "importem" mão-de-obra especializada de outros países. Com o boom de projetos para atender o mercado interno e externo nos últimos anos, a alternativa encontrada pelas multinacionais do setor instaladas no Brasil é trazer gente de suas subsidiárias na América Latina, Estados Unidos e Europa.

"Fechamos o ano passado com 20 posições em aberto pela dificuldade em achar consultores ou técnicos especializados, principalmente com inglês fluente", afirma Paula Jacomo, diretora de RH da SAP no Brasil. A meta era terminar 2006 com um quadro de 80 pessoas, no entanto o máximo alcançado foi uma equipe de 60. No caso da gigante de softwares de gestão, a matriz na Alemanha é o principal celeiro exportador de consultores seniores para a filial brasileira. "Eles não vêm apenas para driblar esse 'gap', mas também para atuar com tecnologias específicas, pouco conhecidas aqui", explica.

Hoje, há cerca de 20 consultores de fora trabalhando na subsidiária, média que vem se repetindo anualmente. A prática de "importar" profissionais, segundo Paula, é bastante comum na SAP e deve aumentar ainda mais por conta da grande demanda de novos projetos. "Enquanto o mercado continua crescendo de maneira acelerada, a formação de mão-de-obra não acompanha esse ritmo na mesma velocidade". Tanto que na área de desenvolvimento, a estratégia é manter um mix de profissionais locais e de outras regiões.

Prova disso é que o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, alertou que atualmente o Brasil deveria contar com 600 mil trabalhadores nesse setor, mas dispõe apenas de 60 mil. Ou seja, faltam cerca de 550 mil profissionais para atender a demanda. Diante da dificuldade em achar especialistas na tecnologia da SAP, outra saída encontrada pela fabricante foi mudar os pré-requisitos exigidos na contratação. Para gerentes de projetos, experiência na tecnologia da SAP não é mais uma habilidade imprescindível ao candidato. Ele deve conhecer bem alguns setores da indústria, como finanças, telecomunicações e consumo, além da fluência no inglês. "Preferimos formar quem chega", afirma Paula.

Na Getronics, em casos de projetos pontuais em que há um "gap" de gente, a filial não pensa duas vezes na hora de trazer gente de escritórios próximos. No início do ano passado, Marcelo Zanoni, diretor da empresa lembra que suou a camisa para achar profissionais que dominassem telefonia IP, uma das grandes promessas do mercado de telecom. Foi quando, após uma busca intensiva, optou por ter suporte remoto da Getronics no México. "Não precisamos alocá-los aqui, o que encareceria o custo do projeto", observa.

Mas em 2005 Zanoni teve que "importar" especialistas americanos para fazer a atualização de uma versão nova do Windows. "Não tínhamos essa especificação pronta, por isso montamos uma equipe mista, que envolveu dois americanos no projeto, nos permitindo a transferência de conhecimento", conta. Para o executivo, além do problema da falta de mão-de-obra, a evolução tecnológica é tão rápida que fica difícil para o profissional segui-la. "Não é à toa que a situação fica cada vez mais crítica", avalia.

Zanoni, entretanto, vê um cenário mais problemático quando é preciso encontrar profissionais de tecnologia que conheçam a fundo mercados específicos. "Você até pode ter um especialista em cobol ou em mainframe, tecnologias antigas e que poucos dominam. Mas alguém de TI com vivência de negócios é algo meio utópico", ressalta o diretor, de olho no potencial de atuação da companhia, que hoje trabalha forte no mercado financeiro.

A Tata Consultancy Services Brasil (TCS), braço de tecnologia do bilionário grupo indiano Tata, também enfrenta dificuldades em encontrar mão-de-obra qualificada. Mesmo firmando acordos com instituições privadas de ensino para oferecer cursos de especialização em tecnologia, a empresa ainda possui 300 posições em aberto para serem preenchidas. "Trazemos mão-de-obra não apenas para suprir deficiência de gente no mercado local, como também para transferir o conhecimento de nossas metodologias", diz Joaquim Rocha, diretor de RH da TCS.

A maioria dos "impatriados" - estrangeiros que vêm ao país trabalhar - são transferidos por um período que varia de 3 a 24 meses, cumprindo assim um prazo de validade. "São profissionais conhecidos como mentores", explica. "Eles além de transmitirem o conhecimento na nossa metodologia, ajudam também nos projetos globais, porque dominam o inglês". A companhia que já chegou a ter 18 indianos na subsidiária brasileira, conta atualmente com 12 e a expectativa é de que nos próximos dois anos, esse número dobre.

O indiano Sreenivas DSSDP, diretor de TI da TCS no Brasil, é um deles. Há um ano no Brasil, coordena as operações da fábrica de software da empresa em Campinas, interior de São Paulo. Ele acredita que o mercado brasileiro de TI possui um enorme potencial, seja pela boa qualidade técnica dos profissionais ou pelo fator fuso horário que favorece a execução de projetos para países europeus no modelo offshore. "Mas vejo o entrave da língua. O percentual da população que fala inglês é menor se compararmos a países emergentes em TI, como a Índia", diz.

"O inglês pode não ser um problema quando há projetos locais, mas é importante para que as empresas brasileiras de TI não se limitem a prestar serviços apenas ao mercado interno". Sreenivas toma como exemplo as exportações em seu país a Índia, que atingiram a casa dos US$ 17,7 bilhões em 2005. Enquanto no Brasil, esse volume representou cerca de US$ 300 milhões. "Poderíamos ter um desempenho bem melhor se os profissionais de TI falassem mais inglês, o que renderia um número maior de projetos", avalia o executivo.

Para atender a demanda do mercado exterior - principalmente América Latina e Estados Unidos - sob o modelo offshore, a Sofftek Brasil, consultoria de TI, tem "importado" profissionais argentinos. De acordo com Salomão Ascar, diretor-executivo da empresa, a alternativa foi uma forma de resolver a necessidade de se ter técnicos e desenvolvedores de sistemas com inglês fluente e espanhol. "Mesmo assim, não consegui preencher 16 vagas", afirma. Em setembro passado, a filial brasileira abriu 50 posições para os escritórios de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza e Porto Alegre.

De olho em consultores SAP e sistemas de business intelligence (BI), a companhia exigiu formação superior e experiência. "Sabemos que o idioma ainda é uma barreira. Nesses casos, vamos apostar na qualificação por meio do e-learning", ressalta Ascar. O executivo reconhece que não há muita saída para enfrentar o aquecimento do setor de TI e, em paralelo, aposta na qualificação via parceria com o centro de competência de Porto Alegre da Unisul. "É imprescindível ter profissionais certificados nas tecnologias que têm um 'boom'", defende.

Na opinião de Marcos Chomen, diretor comercial da Cognos, a questão da falta de gente qualificada é estrutural e trazer gente de fora ameniza, mas não resolve o quebra-cabeça. Ele faz duras críticas ao modelo de ensino das faculdades de informática. "Falta qualidade no ensino e as universidades viraram apenas uma empresa", dispara. "A USP e outras universidades públicas são exceções. Só que quando chegamos nas instituições privadas vemos sair recém-formados mal preparados". É onde, segundo ele, ganham força cursos que qualificam o profissional a prestar exame para as inúmeras certificações. "Aí sim, o profissional adquire conhecimento técnico e, em alguns casos, de negócios, passando a ser valorizados e disputados pelas empresas", afirma Chomen. "Estes têm salários acima da média".

Apesar da Cognos ter programas de qualificação profissional, o executivo defende que apesar desse tipo de iniciativa estar nas mãos das companhias, a obrigação é do governo em melhorar a qualidade do ensino. "Na China e na Índia, os recém-formados saem falando inglês, ao contrário do que acontece aqui".