Título: WiMax acirra disputa pelo mercado de telefonia móvel
Autor: Moreira, Talita
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2006, Empresas, p. B3

Fazia anos que não se via um debate tão acalorado no setor de telecomunicações - provavelmente desde 2000, quando o governo brasileiro escolheu trazer o padrão tecnológico GSM para incentivar a competição no mercado de celulares, impondo perdas a alguns e ganhos a outros.

Agora uma tecnologia desperta polêmica entre as operadoras. O chamado WiMax, que permite o acesso sem fio à internet em alta velocidade, tornou-se o centro das atenções devido a seu potencial de revolucionar a forma como as operadoras de telefonia - fixa e móvel - fazem negócios hoje.

Não foi por acaso que os leilões de freqüência para implantação do WiMax transformou-se também num foco de disputas e ações judiciais porque, até agora, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Ministério das Comunicações não conseguiram se entender sobre o uso que pretendem dar à tecnologia.

No fim das contas, o frisson em torno do WiMax lança holofotes sobre o que o país vislumbra para suas políticas de telecomunicações. Existem duas visões bastante distintas e a prevalência de uma ou outra poderá ter impacto significativo sobre o futuro do setor.

De um lado, a Anatel defende que as concessionárias de telefonia local sejam impedidas de atuar com o WiMax em suas próprias áreas de operação, numa tentativa de incentivar a competição na chamada "última milha", aquele trecho final da rede que chega à residência dos consumidores.

De outro, o ministério da Comunicações tem atuado para permitir que as concessionárias de telefonia operem o WiMax em qualquer região do país. Esse embate foi parar nos tribunais e acirrou a discussão em torno da tecnologia.

No edital do leilão de licenças para explorar as freqüências de 3,5 gigahertz (GHz) e 10,5 GHz - propícias ao WiMax -, a Anatel proíbe as concessionárias de telefonia fixa de participar da disputa em suas áreas originais. Porém, as companhias recorreram à Justiça contra essa deliberação, numa briga que até agora não foi resolvida.

As operadoras argumentam que o espectro é um bem escasso e que, portanto, todos os interessados devem ter direito a disputá-lo num leilão. Elas também alegam que seu negócio tradicional - a telefonia fixa local - está em declínio, o que abre a necessidade de encontrarem nova fonte de receitas.

"WiMax é uma tecnologia que terá o poder de mudar a forma de fazer negócios. Por isso, o acesso à tecnologia nunca deve ser restrito", afirma o presidente da Telefônica, Fernando Xavier. Para ele, impedir as operadoras de participar do leilão em suas áreas de concessão fere a isonomia no tratamento a todos os concorrentes.

O presidente da Abrafix (associação das operadoras fixas), José Fernandes Pauletti, levanta a questão de se não seria papel do Estado garantir a todos o acesso à tecnologia e oferecer às concessionárias uma nova atividade. "A concessão é um bem público que está temporariamente nas mãos de uma empresa. O serviço de telefonia fixa está acabando, então as empresas têm que reestruturar e atualizar para poder competir e preservar a concessão", diz.

A Neovia, empresa paulista que já oferece acesso à internet sem fio, com uma tecnologia que chama de pré-WiMax, afirma que a participação das concessionárias é indiferente. "Para nós, não é assunto crítico se as concessionárias vão ou não poder disputar. A gente já compete com a Telefônica em banda larga. Se ela tiver ou não licença, não faz muita diferença", observa o presidente da companhia, Maurício Coutinho.

Na avaliação dele, se as concessionárias puderem entrar na disputa, é provável que os preços dos equipamentos utilizados na rede caiam mais rapidamente. Porém, ele acha natural que as empresas que pretendem entrar no mercado se ressintam da participação das operadoras, que dominam o mercado.

O grande atrativo do WiMax é o custo. Como a tecnologia dispensa a necessidade de levar fios até o consumidor final, adotá-la fica mais barato do que implantar uma rede convencional - que representa investimento de algumas dezenas de bilhões de reais. As concessionárias conseguiram dominar o mercado de telefonia local, até agora, justamente pelo fato de que dispõem dessa infra-estrutura já amortizada.

No entanto, um outro aspecto do WiMax - talvez o mais interessante - tem permanecido longe dos holofotes na discussão que se desenrola no mercado brasileiro. Trata-se do potencial da tecnologia para oferecer serviços de telecomunicações móveis.

A versão do WiMax que está certificada e começa a aparecer no mercado é chamada de nomádica. Isso significa que, embora o sinal chegue sem fio aos consumidores, não existe mobilidade. Ele não possibilita que as pessoas se desloquem com um aparelho móvel, como o celular. Porém, os fabricantes de equipamentos estão desenvolvendo uma nova versão que agrega essa característica ao WiMax.

"Esse, sim, é um movimento que vai representar uma ruptura muito grande para os usuários e um modelo de negócios para a operadora e a distribuição de conteúdo", avalia Coutinho, da Neovia.

Na avaliação de Pauletti, da Abrafix, arrematar uma licença no leilão de freqüências não significa que o vencedor terá o direito de oferecer serviços móveis, quando a tecnologia o permitir. "Uma coisa é licença para freqüência, outra coisa é licença para mobilidade. Vai precisar de licença de mobilidade."

O debate sobre os usos do WiMax não se restringe ao Brasil. Até mesmo a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou, em março, um estudo sobre as implicações da tecnologia na competição e na regulamentação dos serviços de telecomunicações.

Uma das conclusões do estudos é de que as agências reguladores podem ter de reavaliar a distribuição de fundos de universalização e qual o papel que as tecnologias de banda larga sem fio irá desempenhar.