Título: O futuro do país
Autor: Jeronimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 31/10/2010, Política, p. 13

Cientistas políticos analisam os desafios do novo presidente

Presidente novo, Congresso novo e problemas antigos. O sucessor ou a sucessora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumirá a cadeira com as missões de dar continuidade à política social, de desengavetar as reformas política e tributária, de formar um governo de coalizão e de ajustar o desenvolvimento econômico à agenda ambiental. O Correio ouviu análises de cientistas políticos de instituições de pesquisa e ensino das cinco regiões do país em relação aos desafios que serão enfrentados pelo novo presidente.

Dilma ou Serra, seja qual for o nome do próximo presidente, o governante será obrigado a manter a linha dos benefícios sociais herdados do governo Lula, cravam os analistas. A cientista política Céli Jardim Pinto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), aponta que o fim dos programas sociais poderia gerar cenário de revolta popular. Não é possível a nenhum candidato simplesmente acabar com as políticas sociais, pois isso geraria uma crise. Mas se a manutenção dos programas é uma obrigação, para Eurico Figueiredo, coordenador da pós-graduação do curso de ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF), o novo presidente terá como missão passar da transferência de renda para propostas estruturais.

Já o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Geras (UFMG), destaca a educação como o principal desafio do próximo presidente. Reis analisa que não é possível pensar em desenvolvimento a longo prazo se a qualidade do ensino não acompanhar as vitórias econômicas. O professor também pontua que o novo presidente não terá o mesmo peso de líder político apresentado por Lula pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A ausência da qualidade, ressalta, pode prejudicar o desempenho do eleito junto ao Congresso. Para superar a falta de popularidade e liderança observa o pesquisador Túlio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco o novato terá que negociar mais.

Risco de apagão

Na infraestrutura, o país está empacado. Principalmente o transporte aéreo, que está prestes a ter um apagão a qualquer hora. Esse é um nó que precisa ser desatado. Outra urgência é a reforma tributária, que é a mais difícil. Também há a necessidade de uma nova reforma da Previdência, para debater o aumento das idades e a cobertura. Porque a população vai ficando mais velha e as aposentadorias precoces pesam muito. A Previdência Social será um desafio, porque o PIB vai crescer muito menos no próximo ano. Esse é outro desafio. Pois tudo está bombando, agora. Inflação baixa, disponibilidade de crédito, criação de empregos. Mas no próximo ano pode ser diferente. O governo federal terá que reduzir gastos, a exemplo do que ocorreu em 2003.

David Fleischer, professor da UnB

Necessidade de reformas

A manutenção da estabilidade econômica, do ritmo de crescimento da economia e da política social são as principais missões do novo presidente. As reformas política e tributária foram adiadas, mas devem ser feitas ainda que parcialmente. A reforma política não depende tanto do presidente, mas o eleito tem que criar um clima favorável. O presidente terá que ter um bom diálogo com o Congresso. O fato de o presidente ser menos popular que Lula tem aspectos positivos, como o de negociar mais, isso é bom para a democracia. Um presidente que não tem essa popularidade vai ter que construir. Mas um presidente que esteja no mesmo nível dos outros poderes pode ser tomado como fraco.

Túlio Velho Barreto, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco

Governo de coalizão

Se o eleito for a Dilma, ela terá dificuldade com seu próprio partido, porque ela não é uma liderança partidária reconhecida. Independentemente do eleito, será mais uma vez um governo de coalizão. O Executivo sem o Congresso não existe. Se a Dilma ganhar, o país terá cenário com um vice mais forte, o Temer vai reivindicar uma posição. Nem o Marco Maciel nem o José de Alencar tiveram esse papel que o vice de Dilma poderá ter. O PMDB é muito mais complexo e muito mais forte. Na verdade, o PMDB é um partido maior do que o PT, e isso gerará uma contradição. Será um foco possível de instabilidade para ela. Ela também terá que resolver o relacionamento com Lula, no papel de ex-presidente. Ele poderá ter uma posição de estadista ou de um político que quer voltar ao poder.

Eurico Figueiredo, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Maioria garantida

Seja quem for o novo presidente, o quadro de governabilidade não é complicado, nem grave. Qualquer um tem condições de montar governos e montar maioria no Congresso. Nenhum dos dois terá problema ao estilo Collor, que assumiu o poder e não constituiu uma maioria. A questão mais a longo prazo que os governos têm que colocar são as reformas que não foram feitas. São a reforma tributária e a reforma política. O Lula tem toda essa popularidade, mas não se esforçou para aprovar as reformas porque jogou muito a favor da classe política. Quando se assume o poder é o momento certo de fazer as reformas. A reforma tributária está pedindo, está clamando e deve sair. A reforma política permitiria moralizar um pouco o cenário.

Céli Regina Jardim Pinto, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Agenda definida

O novo presidente seguirá uma agenda mais ou menos óbvia nas áreas econômica e social. As deficiências na infraestrutura são um embaraço ao desenvolvimento. O problema na educação também é muito importante. Houve expansão na incorporação na escola, mas a qualidade deixa muito a desejar. Em um quadro de incorporação política e econômica, de expansão da classe média, há um longo legado negativo, com séculos de escravidão, que deixou uma herança muito feia, uma população parcamente educada. Isso é algo que tem que ser atacado e tem importância econômica. A hipótese mais provável, pelo que as pesquisas indicam, é a vitória da Dilma. Aí temos uma grande interrogação. Ela pode ser uma boa gestora, mas acho uma liderança deficiente.

Fábio Wanderley Reis, professor da Universidade Federal de Minas Gerais

Combate à miséria

Um dos principais problemas que o novo presidente vai enfrentar é a redução da miséria. As bolsas assistencialistas minimizaram, mas não resolveram problemas. É grande o percentual dos brasileiros que vivem exclusivamente dessas bolsas, não têm emprego e renda. Continuidade não é suficiente. Continuidade é manter essa camada social à margem. Cria uma política de dependência para com o governo federal. É muito ruim para um país que quer alavancar a economia. Outro desafio é a modernização das indústrias. Nossa planta industrial ainda é a mesma dos anos 1950, excetuando a Petrobras. Mas a questão ambiental e a geração de energia é o maior conflito que o novo presidente vai enfrentar.

Coracy Saboia, professor da Universidade Federal do Acre