Título: Com instituições enfraquecidas, Espanha pode repetir Grécia
Autor: Gardner , David
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2012, Internacional, p. A13

Para o governo de Mariano Rajoy, eleito há apenas oito meses por maioria absoluta, deve ser incômodo ter manifestantes batendo panelas à porta da sede de seu Partido Popular (PP), de centro-direita, em protesto contra a última rodada de aumentos de impostos e cortes de gastos públicos. A situação parece ainda pior quando chega a tropa de choque da polícia, coberta pelo sobrevoo de um helicóptero, para enfrentar nada mais do que uma irrupção local de indignação.

Essas demonstrações-relâmpago estão pipocando por toda a Espanha. Seus organizadores estão usando a mídia social, em vez dos fossilizados sindicatos, que, no entanto, atraíram para as ruas da Espanha centenas de milhares de pessoas na semana passada, quando o pacote de austeridade de € 65 bilhões tramitou pelo Parlamento.

Essa nova mobilização da sociedade espanhola, embalada pelo conforto e excesso de autoconfiança durante os anos de boom, lembra, em certo sentido, a atividade febril política e de rua que marcou a transição para a democracia após a morte do ditador Francisco Franco, em 1975. Mas é mais amorfa e experimental e passa ao largo da política e das cada vez mais chamuscadas instituições da Espanha.

"Não sou de nenhum partido", diz Rafael Álvarez, funcionário dos correios há 30 anos, em manifestação à frente do diretório do PP em Madri. "Mas este é o partido que realizou o maior corte dos salários e dos direitos sociais da era democrática, e, já que eles fizeram letra morta de todas as suas promessas, deveriam convocar novas eleições", observou ele.

"Não sou nem de esquerda nem de direita", diz Sofia, bacharel em ciências desempregada de 27 anos, que engrossa a mesma manifestação. "Estamos todos "indignados"", acrescenta, referindo-se ao movimento de jovens que irrompeu nas praças da Espanha no ano passado. "Todo dia haverá alguma coisa em algum lugar, até eles renunciarem."

Uma das coisas que chamam a atenção na atual crise - para além do drama imediato do custo de captação da Espanha e da crise da zona do euro como um todo - é a extensão pela qual as instituições da Espanha, o fulcro da vibrante democracia dolorosamente erigida pelos espanhóis após Franco, foram desgastadas.

"As instituições centrais parecem seriamente danificadas", diz Jesús Ceberio, ex-editor do "El País", o principal jornal espanhol. "Esta é a pior crise enfrentada pela Espanha desde a promulgação da Constituição [em 1978]. Acho que nos encaminhamos para um cenário ao estilo do de Papandreou dentro de um ano."

Se isso acontecer, a realização de novas eleições fragmentaria o espectro político, reduzindo o PP e os socialistas da oposição a algo como os tão diminuídos Nova Democracia, conservadora, e o Pasok, o partido do ex-primeiro-ministro George Papandreou, da Grécia.

O descrédito para com as instituições é amplo e profundo. "Nenhuma instituição manteve seu prestígio intacto, e, para a maioria, isso ocorreu porque elas foram dominadas pelos partidos", diz José Ignacio Torreblanca, do instituto de análise e pesquisa Conselho Europeu de Relações Exteriores. O Tribunal Constitucional, por exemplo, está tão distribuído entre facções que está engessado. "Todas as partes preferem conviver com uma instituição que não funciona do que com uma que pode agir contra elas."

A monarquia não chega a parecer uma força unificadora após ter ficado patente que o rei Juan Carlos fez um safári em Botsuana quando a crise começava a se instaurar e após seu genro ter sido flagrado num escândalo financeiro. O altamente politizado Judiciário ficou maculado após Carlos Dívar, ex-presidente de seu Conselho-Geral e do Supremo Tribunal, ter sido obrigado a sair após um colega denunciar irregularidades em seus gastos.

Os bancos locais de poupança conhecidos como "cajas", cujo papel social remonta a mais de um século atrás, se transformaram em cofres em forma de porquinho e em licença para imprimir papel-moeda para os potentados regionais - de todos os partidos, mas mais flagrantemente do PP - exercerem seu clientelismo. A crise imobiliária abriu rombos nos resultados patrimoniais das "cajas" que são o cerne da crise financeira espanhola.

Mas a venda de ações preferenciais para 700 mil depositantes das cajas reduziu sua poupança a pó. "Rajoy deveria ter sido muito mais bem-informado sobre tudo isso", diz um membro do PP. "Numa crise de confiança, a maneira pela qual eles administraram isso é incompreensível."

Instituições vitais para o grau de confiança - tanto externo quanto interno -, como o Banco de España, estão sendo tragadas pelo lodaçal da guerra partidária. Miguel Ángel Fernández Ordóñez, ex-presidente do banco nomeado pelos socialistas, deverá depor amanhã perante o Parlamento. Mas, como diz um analista, as "falhas regulatórias" do setor bancário não são exclusividade da Espanha, e ambos os partidos têm responsabilidade por elas.

O próprio Parlamento mais parece um espectador, uma vez que o governo de Rajoy recorre a decretos para impor a maior parte de suas medidas e o primeiro-ministro raramente fala, no Parlamento ou em quaisquer outras instâncias.

"Seria de se esperar, pelo menos, que ele fizesse um pronunciamento ao país", disse o graduado funcionário do PP sobre o pacote fiscal da semana passada. Apesar de contar com a maioria do Parlamento, o governo evita o debate ou a total transparência. Os detalhes do pacote da semana passada surgiram em inglês no site do Tesouro, claramente endereçados aos investidores. A versão em espanhol que apareceu posteriormente encerrava uma discrepância de € 10 bilhões em relação aos aumentos de receita previstos.

"É claro que você tem de abordar os mercados, mas é pouco provável que os investidores tenham boa impressão de um governo incapaz de se comprometer com seus próprios cidadãos ou instituições como o Parlamento", disse o analista. Acrescenta-se a tudo isso os crescentes temores de que a instituição da família, uma força estabilizadora num país em que mais de 50% dos jovens estão desempregados, está desgastada. "Este é um Estado de bem-estar social invisível, e chegará um momento em que se esgotará", diz Torreblanca.

Rajoy, segundo começam a sugerir alguns analistas, precisa formar um consenso nacional urgentemente, por meio de alguma coisa que se assemelhe aos Pactos de Moncloa de 1977, o contrato social pluripartidário que sustentou a transição para a democracia. Isso, atualmente, representa um anátema ante um governo ainda jovem, diz a autoridade do PP, mas pode se tornar inevitável.

"Este país precisa de mudanças realmente basilares. Precisamos de uma maioria ampla para realizar as mudanças fiscal e econômica de uma maneira a convencer o país como um todo de que isso é imparcial e justo; não é suficiente só contar com uma maioria absoluta" no Parlamento, diz um ex-auxiliar de José Luis Rodríguez Zapatero, o primeiro-ministro socialista substituído por Rajoy.

"O que precisamos agora é de um novo pacto [nacional], entre os partidos, mas que inclua os bascos e os catalães", diz ele. "Para recuperar nossa credibilidade temos de pactuar um acordo entre nós."