Título: A siderurgia brasileira e o novo cenário global
Autor: Padovani, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2007, Opinião, p. A8

O setor siderúrgico está diante de um cenário de forte consolidação global. O Brasil pode ser um dos grandes beneficiários desse processo caso seja capaz de avançar em reformas que elevem a produtividade de sua economia e potencializem as vantagens comparativas existentes na produção de aço no país.

A reestruturação mundial do setor parece inevitável. A maior integração comercial entre os países e a ameaça de auto-suficiência na Ásia têm mudado definitivamente a estrutura da siderurgia. Nesse novo desenho de mercado, deverá prevalecer a tendência de fortalecimento e redução dos players, com a criação de grandes conglomerados internacionais.

Parece pouco razoável que uma indústria de capital intensivo, com investimentos de longo prazo de maturação e com necessidade de elevada escala de produção ainda conviva com uma estrutura de oferta relativamente ampla diante do número de fornecedores de insumos e de empresas consumidoras. Para que se tenha uma idéia dessa fragmentação, mesmo depois da fusão Arcelor-Mittal, as quatro maiores siderúrgicas respondem por apenas 10% da produção mundial.

Esse desenho é anacrônico. O mundo atual é marcado por forte integração e investimentos eminentemente privados. A fragmentação da siderurgia não é compatível com o reduzido número de fornecedores de insumos - as mineradoras - e a concentração de seus principais clientes - as montadoras de automóveis. Prova disso tem sido a dificuldade enfrentada pelas empresas do setor na negociação dos reajustes de preços do minério de ferro, manifesta em um incremento de quase 100% nessa matéria-prima nos últimos dois anos.

Tal estrutura de mercado, contudo, tem perdido vigor devido a fatores políticos e econômicos. Do ponto de vista político, as crescentes restrições fiscais do setor público e os ganhos de produtividade advindos da abertura de mercado vêm aumentando o custo de manter a produção de aço sob controle do governo. São incentivos para que o modelo fechado e a forte presença estatal nos investimentos sejam alterados. O Estado deverá deixar de ocupar o papel de produtor para se transformar em regulador eficiente, que atraia o investimento privado.

A questão econômica também é relevante para mudar a elevada fragmentação da produção de aço no mundo e tem como pano de fundo a redução das importações na China e na Índia. De fato, os chineses se tornaram exportadores líquidos de aço, e a Índia tem adotado políticas para assegurar que sua siderurgia permaneça como uma das líderes globais.

O aparecimento de enorme excedente exportável nesses países, em especial na China, constitui ameaça forte o suficiente para impor ao mercado mundial um novo ciclo de fusões e aquisições.

A elevada fragmentação da oferta também tem raízes políticas. Até pouco tempo atrás, o mundo era marcado por alto fechamento econômico e forte presença estatal nos investimentos. As crescentes restrições fiscais no setor público e os ganhos de produtividade advindos da abertura aumentam, no entanto, o custo de se manter o mercado de aço sob controle do governo. É razoável supor que essa ideologia não irá desaparecer de modo repentino. Afinal, existem ainda cerca de 47 países com produção relevante de aço com perfil fortemente estatal. O importante, no entanto, é que o papel do Estado seja alterado. Se há pouco espaço para o investimento público direto, é cada vez mais importante sua função reguladora.

-------------------------------------------------------------------------------- O Estado deverá deixar de ocupar papel de produtor para se transformar em regulador, a fim de atrair o investimento privado --------------------------------------------------------------------------------

Nesse contexto - e especialmente depois do período de privatização do setor -, a indústria brasileira de aço coloca-se entre as mais competitivas do mundo, tirando proveito da disponibilidade de minério de ferro de boa qualidade, da energia em abundância com preços competitivos e da mão-de-obra altamente qualificada. Não por outro motivo, Gerdau e CSN já estão presentes nesse novo cenário global por meio da aquisição de usinas nos EUA, na Europa e na América do Sul.

Essa, aliás, tem sido a estratégia adotada pelas companhias brasileiras para fazer frente ao movimento de consolidação mundial, garantindo espaço para os seus produtos ao ofertá-los diretamente aos mercados consumidores onde passam a atuar com as novas aquisições.

Surge dessa interação uma espécie de divisão no processo mundial de produção do aço. As companhias transnacionais entram na parte "quente" da cadeia produtiva, em que são concebidos os produtos semi-elaborados. O componente "frio" desse processo, equivalente ao acabamento dos produtos, é realizado nos próprios mercados consumidores dos bens siderúrgicos.

A estratégia de internacionalização da CSN tem sido exemplo da conduta das siderúrgicas brasileiras no processo de redução dos players, como se pôde observar tanto na tentativa de aquisição da norte-americana Wheeling-Pittsburgh, frustrada em razão da discordância do sindicato local, quanto, mais recentemente, na ousada oferta de compra da siderúrgica anglo-holandesa Corus, a oitava maior do mundo.

Esta última operação, se concretizada, representa uma porta de entrada para o importante mercado consumidor europeu e oferece outras grandes vantagens para a companhia brasileira, como um vultoso contrato de fornecimento de minério de ferro originário das reservas da mina Casa de Pedra, em Congonhas (MG).

A despeito das grandes vantagens comparativas acumuladas pela siderurgia brasileira, a carga tributária incidente sobre a produção de aço no país está entre as maiores do mundo, assim como o custo de movimentação de produtos siderúrgicos nos principais portos do Brasil, o que representa sério constrangimento à capacidade de entregar a produção a preços competitivos.

Os problemas aparecem ainda nas decisões de investimento. A demora nos processos de concessão de licenças ambientais gera custos e incertezas que podem inviabilizar planos. Some-se a isso o fato de que as empresas brasileiras, não só as siderúrgicas, enfrentam um custo financeiro para obtenção de capital muitas vezes superior ao de suas concorrentes internacionais.

O Brasil pode se valer de suas vantagens comparativas e tirar grande benefício do processo de consolidação mundial, mas é preciso que essa vocação do capitalismo brasileiro seja reforçada com um novo ciclo de reformas. Manter a força do aço brasileiro exige ajuste fiscal, reforma tributária e definição de um marco regulatório moderno.