Título: Espanha se aproxima cada vez mais de pacote de socorro total
Autor: Wigglesworth , Robin
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2012, Finanças, p. C1

Ontem pode ter sido simplesmente o dia em que os mercados de bônus perderam a confiança de vez na Espanha. O custo para o governo federal em suas captações de dez anos chegou a 7,57%, maior patamar na era do euro, e tornou praticamente certa a necessidade de um pacote completo de socorro financeiro.

O contínuo aumento no rendimento dos títulos espanhóis, especialmente os de curto prazo, é ainda mais preocupante se for levado em conta que os ministros das Finanças europeus aprovaram pacote de auxílio financeiro aos bancos do país de € 100 bilhões, com a primeira parcela, de € 30 bilhões, a ser liberada até o fim de julho.

Mas a boa notícia já estava precificada. Em vez de guiar-se por ela, os investidores ficaram inquietos com as manchetes apontando para problemas econômicos ainda mais profundos e com as evidências de que as endividadas administrações regionais do país precisarão de auxílio. Acredita-se que o pedido de ajuda feito por Valência ao governo federal será seguido por solicitações similares da Catalunha, por exemplo, uma região cuja economia tem tamanho equivalente ao de Portugal.

O Banco da Espanha divulgou previsão ontem de que o país continuará em recessão até 2014, o que deu mais força aos ventos contrários, dificultando a continuidade do acesso aos mercados por parte de Madri.

"O problema regional apenas intensifica a sensação de que a situação está fora de controle na Espanha, enquanto as várias regiões simplesmente se somam às demandas ao governo federal em Madri", diz John Stopford, codiretor de renda fixa e câmbio da Investec Asset Management. Depois de ter recuado quase 6% na sexta, o mercado acionário espanhol chegou a cair 5,5% ontem, embora tenha reduzido as perdas depois da imposição de uma proibição às vendas de ações a descoberto.

"Quando se chegou a esses níveis no passado, isso frequentemente levou as autoridades a agirem de alguma forma", afirmou o diretor de renda fixa e câmbio do Barings, Alan Wilde. "Há um grande risco de que a Espanha fique fora de controle."

Embora a alta no rendimento dos bônus referenciais de dez anos tenha atraído a maior parte da atenção, a variação mais ameaçadora aconteceu nos papéis de curto prazo. Os juros dos títulos de dívidas de dois anos do governo espanhol subiram mais 78 pontos-básicos ontem, maior alta diária desde o início da crise da região do euro há mais de dois anos, e chegaram ao recorde na história da moeda única de 6,54%.

Na linguagem do mercado de bônus, a curva de juros está se "aplanando" e perto de inverter-se, com o rendimento dos títulos de curto prazo ficando próximo de superar o dos papéis de longo prazo. Isso tem implicações terríveis para a Espanha.

Um dos motivos para o país ter continuado capaz de financiar-se mesmo com os bônus de dez anos tendo chegado a níveis considerados insustentáveis foi a possibilidade de lançar bônus e notas de curto prazo a juros menores. A alta acentuada no custo dos empréstimos de curto prazo coloca essa estratégia em risco.

Além disso, um leilão decepcionante de bônus da Espanha de dois e cinco anos na semana passada levantou dúvidas sobre a capacidade dos bancos locais em manter o governo financiado nos próximos meses. O volume de € 1 trilhão em empréstimos bancários baratos de três anos oferecido pelo Banco Central Europeu (BCE) permitiu aos bancos espanhóis absorverem as emissões do governo neste ano, mas sua recente relutância nos leilões gerou especulações de que não têm capacidade para absorver muito mais.

A Espanha terá vários testes quanto à sua capacidade de acessar os mercados de capitais no resto do ano, mesmo depois dos progressos no refinanciamento de seus títulos na primeira metade de 2012. Madri ainda precisa vender cerca de € 36 bilhões em bônus neste ano e levantar outros € 20 bilhões a € 25 bilhões com a emissão de notas (papéis com vencimento em menos de um ano), segundo o J.P. Morgan.

O próximo ano deverá ser igualmente desafiador. Economistas do Citigroup, encabeçados por Willem Buiter, preveem que o déficit orçamentário espanhol cairá a € 63,6 bilhões em 2013, o equivalente a 6% da produção econômica, mesmo com os aumentos de impostos e cortes de gastos draconianos. Isso aumentará o endividamento total para mais de 100% do Produto Interno Bruto (PIB).

Os investidores temiam já há algum tempo que a Espanha poderia perder a capacidade de se financiar, sendo obrigada a pedir, além dos € 100 bilhões já acertados para seus bancos, um pacote de auxílio financeiro completo a ser liberado pelos fundos de socorro europeus - o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, na sigla em inglês) e seu sucessor, o Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM).

Caso os juros de curto prazo continuem em alta e mais governos regionais peçam ajuda a Madri, é difícil prever como a Espanha seguirá tendo acesso aos mercados sem, por exemplo, a compra de seus títulos pelos fundos de socorro da região do euro ou pelo BCE.

Nas palavras de Philippe Meyer, do Société Générale, "a batida dos tambores do mercado por um socorro completo está ficando mais alta". Por enquanto, os rendimentos das notas espanholas, cujo vencimento é inferior a um ano, continuam relativamente controlados. Poucos, no entanto, acreditam que Madri poderá se financiar por muito tempo no curtíssimo prazo.

"Se os rendimentos continuarem nesses níveis, então, a Espanha terá muita dificuldade em financiar-se", diz Pavan Wadhwa, diretor internacional especializado em taxas de juros no J.P. Morgan. "Não há algo do tipo como um socorro financeiro parcial e, nas últimas semanas, tornou-se cada vez mais claro que a Espanha vai precisar de um socorro soberano completo."