Título: Para empresários, bloco tem culpa por fracasso em acordos bilaterais
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2007, Brasil, p. A3

A política externa e comercial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro mandato é avaliada como um fiasco pelos empresários. O setor privado culpa o Mercosul - bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela - pelo imobilismo do governo nos acordos bilaterais e quer se ver livre das amarras da união aduaneira.

Representantes da agricultura e da indústria criticam o governo pela estagnação nas negociações para acordos de livre comércio com as duas maiores economias do mundo, Estados Unidos e União Européia. Vêem como ponto positivo da diplomacia brasileira apenas a participação na Organização Mundial de Comércio (OMC). Apesar de a Rodada Doha estar suspensa, o setor privado acha que o governo fez o possível para que ela desse certo.

"É preferível dar um passo atrás, mas preservar algo no Mercosul", diz Humberto Barbato, diretor de comércio do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). O empresário defende que os países do bloco tenham uma "licença" para negociar acordos de livre comércio. "É melhor fazer isso antes que um sócio saia do bloco", diz, referindo-se à ameaça uruguaia de fechar acordo com os EUA.

"Estamos presos no Mercosul por essa cláusula de negociação em conjunto", afirma Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do departamento de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Pelas regras da união aduaneira, os sócios do bloco só podem negociar juntos. Em uma área de livre comércio, essa exigência não existe.

A entrada da Venezuela no Mercosul também é vista com receio pelos empresários, mas eles reclamam mais da falta de pragmatismo e resultados econômicos do que da retórica antiamericana do presidente venezuelano Hugo Chávez. "A Venezuela é bem-vinda. Pode ser até que ganhemos espaço do México nesse mercado. Mas até agora isso não representa nada, porque as tarifas não se alteraram", diz Barbato. "O Brasil tem interesse no petróleo da Venezuela e em fazer obras de infra-estrutura. Mas está errado permitir que o país entre no bloco sem uma negociação técnica. É colocar o carro na frente dos bois", diz Rubens Ricupero, ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso e presidente do conselho de comércio exterior da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio).

O motor da insatisfação com o Mercosul é a falta de acordos bilaterais. Quando chegou ao poder em 2003, o governo Lula tinha nas mãos três grandes negociações comerciais: Alca, Mercosul-UE e a Rodada Doha, da OMC. As três negociações estão estagnadas. O Valor acompanhou dois seminários realizados pela Fiesp e pela Fecomercio no fim de 2006 para avaliar a política externa do governo. Em ambos, a insatisfação com o Mercosul e com a falta de acordos era evidente entre os empresários.

"Não avançamos um milímetro nas negociações com os EUA e a UE", diz Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). "E agora estamos emparedados pelos concorrentes. Não temos as vantagens comparativas de China, Índia ou Vietnã e também não temos acordos preferenciais, como América Central, México e Peru." Ele espera que o governo seja mais sensível às demandas do setor no segundo mandato.

Os fabricantes de tecidos e confecções possuem um dos mais fortes lobbies pró-acordos da indústria. Prejudicado pela concorrência asiática, principalmente da China, o setor têxtil necessita dos acordos comerciais para manter suas exportações para os mercados americano e europeu. Mas a estagnação das negociações da Alca e do acordo Mercosul-UE também desagradou setores mais protecionistas da indústria, que não costumavam ver com bons olhos os acordos de livre comércio.

"O Lula se vangloriou de ter interrompido a Alca. Isso é motivo de preocupação", diz Barbato, que também é diretor de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Para ele, o governo Lula "começou bem" quando anunciou que iria com "calma" na Alca, mas abandonar a negociação foi um erro estratégico. "O Brasil não poderia demonstrar tanta má vontade, porque os EUA são nosso maior mercado de manufaturados."

Os empresários só não responsabilizam o governo pela suspensão da Rodada Doha. Um dos motivos pelo que isso ocorre é que essa foi a negociação em que Itamaraty e setor privado trabalharam de forma mais coordenada. Financiado pelo setor agrícola, o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) fornecia todo o suporte técnico ao governo.

"Doha é a única frente que merece uma boa nota. Apesar de não ter um resultado muito bom, o governo teve uma atitude firme e pragmática", diz Giannetti. "O lado mais positivo do governo Lula é o G-20", avalia Marcos Sawaya Yank, presidente do Icone, referindo-se ao grupo de economias em desenvolvimento coordenado por Brasil e Índia que pede o fim dos subsídios agrícolas e conquistou um espaço central nas negociações da OMC.

Os empresários acreditam que existe hoje no país uma grande confusão entre a política externa e a política comercial. Nesse sentido, criticam a prioridade dada pelo governo ao comércio Sul-Sul, entre os países em desenvolvimento. "Política externa é para todos os países do mundo. Mas política comercial tem que ter foco", diz Jank.

Segundo levantamento do Icone, o Brasil possui sete acordos - que podem ser de livre comércio ou de preferência tarifária - com 11 países, que representam 17% do comércio do país. São cifras bem diferentes dos vizinhos latino-americanos. O Chile celebrou 16 acordos com 52 países, que abarcam 80% do comércio. O México possui 13 acordos, com 46 países, que também somam 80% do comércio. "Você mede a eficácia da política comercial por implementação de acordos comerciais", diz Jank. Muitos empresários concordam com ele.