Título: Mercosul vive o pior momento, diz analista
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2007, Brasil, p. A3

A Argentina e o Brasil vão se confrontar na Organização Mundial do Comércio (OMC) em um momento em que América do Sul está suspensa entre integração e desintegração e quando aparece uma nova linha de Tordesilhas ameaçando o Mercosul.

O alerta é de Alfredo Valladão, professor da cátedra Mercosul do Instituto de Estudos Políticos de Paris, que vê mais um indício de que o processo de integração regional está passando por uma crise profunda, na denúncia aberta pela Argentina contra o Brasil na OMC, devido a uma sobretaxa antidumping imposta pelo governo brasileiro sobre a importação de resina PET produzida pela argentina.

"Há anos que Brasília e Buenos Aires negociam uma hipotética harmonização de suas políticas de defesa comercial sem nenhum resultado. Nenhuma das partes quer abandonar as suas próprias normas. Assim fica difícil não só aprofundar o bloco, mas até mantê-lo em funcionamento mínimo", diz o professor Valladão.

Para ele, o Mercosul atravessa provavelmente o momento mais difícil da sua curta história, "em parte porque o Brasil foi omisso, recusando-se a aprofundar seriamente as instituições comuns do bloco, numa desconfiança que já existia nos governos anteriores".

"O país não conseguiu nem abrir decentemente o seu mercado interno para um sócio pequeno como o Uruguai e ainda deu prioridade à idéia da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), sem levar em conta o impacto negativo sobre o Mercosul."

Com as soluções para os problemas do Mercosul cada vez mais difíceis, Valladão acha mau sinal tentar promover uma iniciativa que poderia diluir o bloco numa construção ainda mais frágil. "A Casa aparece como concorrente de um Mercosul em mau estado, um concorrente com possibilidades de aprofundamento institucional ainda menores do que o bloco."

A integração da Venezuela ao Mercosul antes de discutir com esse país os avanços comuns já feitos pelo Mercosul, demonstra que não se está levando o bloco a sério. "Pode ser uma jogada política do Brasil ou da Argentina, mas isso impede uma maior institucionalização do Mercosul."

Para Valladão, o principal desafio da política externa brasileira nos próximos quatro anos será impedir que a América do Sul se desintegre, quando está aparecendo "uma nova linha de Tordesilhas" - referência ao tratado de 1494 que dividiu o Novo Mundo entre Espanha e Portugal.

Nessa nova linha, todos os países da costa Pacífico da América Latina - do México até o Chile, tirando o Equador - assinaram acordos de livre comércio com os Estados Unidos, assinaram ou estão negociando acordos com a União Européia e alguns já se acertaram com grandes países asiáticos. Além disso, também já assinaram acordos de comércio entre si. É a emergência de um modelo "Pacífico" cada vez mais coerente e harmonizado, do México ao Chile: uma abertura rápida ao mercado mundial, enquadrada por regras pesadas e intrusivas negociadas com EUA e Europa, e que serão monitoradas e implementadas pelos dois "elefantes" do comércio mundial.

Já o Mercosul é a parte oriental dessa nova linha de Tordesilhas e, por enquanto, seu horizonte é incerto, diz Valladão. O Brasil é grande, rico e poderoso demais na região para renunciar à ambição de se tornar um "global player". Portanto, a única visão que ele pode ter de uma integração regional, qualquer que seja o governo, é um modelo "hub-and-spokes": o Brasil no centro, conectado bilateralmente com cada vizinho, e só aceitando instituições coletivas (ou supranacionais) que não tenham reais poderes de decisão, a ponto de permitir aos parceiros ter alguma influência sobre a política brasileira.

Além disso, o Brasil pratica uma política comercial bem mais cautelosa e menos aberta ao mercado mundial. O problema, nota o especialista, é que há também a "Alternativa Bolivariana" do presidente venezuelano Hugo Chávez, contrária a qualquer integração na economia mundial e que tem pouco a ver com a visão brasileira ou dos outros membros do Mercosul. "Sem contar com o neo-peronismo argentino ou com o Uruguai, que ameaça passar para o outro lado da linha de Tordesilhas", avalia o especialista.

Nesse cenário, o Mercosul faz cada vez mais menos sentido, porque não consegue definir o seu próprio modelo - e a eventual entrada da Bolívia no bloco vai complicar ainda mais essa equação. Enquanto isso, haverá este mês uma reunião dos países latinos do Pacífico, em Cali, na Colômbia e alguns já falam até de criar uma zona de livre comércio entre eles, que está sendo chamada de ZLC Pacífico.