Título: Crescimento de alto risco
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 31/10/2010, Economia, p. 20

Brasil terá, neste ano, o maior salto econômico em um quarto de século. Mas futuro governo será premiado com problemas graves

A expansão de mais de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) esperada para o último mandato do governo Lula tem sido comemorada pela equipe chefiada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e considerada, pelos mais otimistas, como a coroação de uma gestão bem sucedida. Se muitos foram os esforços para conquistar tal situação, maiores têm sido as tentativas de disfarçar uma série de problemas que ficarão evidentes no próximo ano e cairão no colo do futuro presidente, seja lá quem for o escolhido hoje pelos brasileiros para dirigir o país até 2014.

Caso o avanço da economia se confirme na magnitude prevista, será o maior dos últimos 25 anos, mas carregará na bagagem um rombo recorde nas contas externas a projeção é de US$ 100 bilhões no ano que vem , uma moeda supervalorizada que está levando à desindustrialização do país, a maior taxa real de juros do mundo, inflação em alta, superendividamento das famílias e deterioração das contas públicas, que ameaça a estabilidade conquistada antes do governo Lula e consolidada nos últimos oito anos. Não bastassem as estripulias realizadas mais recentemente, pesará ainda sobre o futuro governante o abandono da agenda de reformas, como a trabalhista, a tributária e a da Previdência.

Seria muito desejável manter um incremento do PIB de 7% nos próximos anos, mas nenhum país cresce o que quer e, sim, o que pode. E os limites para isso são a inflação, o deficit externo ou os dois, pondera o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, sócio da Consultoria Tendências. Ele lembra que há um consenso entre os analistas de que o Brasil, atualmente, tem condições de expandir a atividade a uma taxa média de 4% ao ano, sem provocar desequilíbrios. Acima disso, há riscos e é insustentável, garante.

Bolha de crédito

Quando coloca inflação e contas externas no vermelho como limites para o avanço econômico, Nóbrega refere-se aos problemas estruturais do país para lidar com o aquecimento do consumo. Por falta de investimentos ao longo de anos no setor produtivo, hoje as empresas instaladas no país não têm condições de atender plenamente a demanda. A oferta, então, está sendo complementada pelas importações.

O problema é que, com o dólar derretendo, houve uma avalanche de produtos vindos de fora. Para piorar, a indústria nacional não está conseguindo competir lá no mercado internacional. E o Brasil que já registrava deficits na balança comercial de mercadorias de alta tecnologia, agora opera no vermelho em produtos de médio valor agregado, voltando a ser mero exportador de alimentos e minérios, arrematados, principalmente, pela China.

O que assusta os especialistas é que nenhum desses temas foi tratado na disputa à Presidência da República. O candidato da oposição, José Serra (PSDB), do qual se esperava uma paulada nos juros altos e no excesso de impostos cobrados no país para bancar a farra fiscal do governo, tergiversou. A representante da situação, Dilma Rousseff, espertamente, preferiu alardear feitos como a criação de 15 milhões de empregos ao longo da administração Lula, mas sequer tocou no fato de o índice de desocupação entre os jovens de 18 a 24 anos ser de 14%, mais do que o dobro da média geral, de 6,2%.

Também não se ouviu uma menção sequer ao excesso de endividamento dos brasileiros. Com prestação e juros, eles já comprometem 39% da renda mensal, nível semelhante ao observado nos Estados Unidos, que foram solapados por dívidas impagáveis no mercado imobiliário. A grande indagação é se o nível de emprego e da renda se manterá crescente nos próximos anos para evitar uma onda de calotes. O próprio presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, já admite a possibilidade de o Brasil estar à beira de uma bolha de crédito.

Seca à vista

Outra parte da herança negativa do forte crescimento deste ano virá pelo canal do câmbio. Com juros reais de 5,3% ao ano, o Brasil se transformou em um porto seguro para toda a sorte de capital especulativo, que sai dos países desenvolvidos, nos quais as taxas de rentabilidade estão próximas de zero. Pior do que esse fluxo que supervaloriza o real é a possibilidade de haver qualquer quebra de liquidez no mercado internacional.

Enquanto conseguirmos financiar o deficit externo com as sobras de recursos, a situação se manterá sob controle. Mas bastará a liquidez internacional secar para que o país mergulhe em dificuldades, alerta o economista-chefe da Prosper Corretora, Eduardo Velho. O rombo nas contas externas atingiu US$ 35 bilhões entre janeiro e setembro um recorde para o período e a previsão do mercado é de que passe dos US$ 50 bilhões até o fim do ano.

Paradoxalmente, estamos evoluindo para uma especialização regressiva. Nós mandamos para fora itens menos refinados e trazemos os mais elaborados, dispara o presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro (Corecon-RJ), João Paulo de Almeida Magalhães. Para ele, é necessário reverter essa tendência a fim de evitar o processo de sucateamento da indústria nacional. Se não fizermos esse esforço e continuarmos como uma economia concentrada apenas em insumos básicos agrícolas e industriais, nunca atingiremos um desenvolvimento pleno, considera.

"Não vejo qualquer chance de sucesso na questão econômica, se o próximo presidente não fizer um corajoso ajuste fiscal

Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Consultoria Tendências

"Enquanto conseguirmos financiar o deficit externo com as sobras de recursos, a situação se manterá sob controle. Mas bastará a liquidez internacional secar para que o país mergulhe em dificuldades

Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper Corretora