Título: Segundo turno traz otimismo aos mercados
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini e Guimarães, Luiz S.
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2006, Finanças, p. C1

Os mercados financeiros comemoraram ontem a necessidade de realização de um segundo turno para a definição do nome do próximo presidente da República. Os investidores, que preferem o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, foram surpreendidos positivamente pela notícia: a esperança na vitória do tucano continua viva. No fechamento do mercado na sexta-feira, antes das eleições, as pesquisas indicavam como hipótese mais provável a vitória do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, já no primeiro turno.

A reação foi mais forte na Bolsa de Valores de São Paulo, que subiu 1,67%, com o Índice Bovespa a 37.057 pontos. A alta só não foi maior por causa do fraco desempenho dos mercados acionários em Wall Street. O dólar caiu 0,55%, para R$ 2,1590. Os juros também caíram. Os contratos futuros projetavam juros de 13,45% ao ano para o prazo de 360 dias ontem, na comparação com os 13,55% de sexta-feira.

A empresa de Nova York CreditSights chegou a rebaixar o peso da dívida do Brasil em sua carteira por causa do segundo turno. Colocou o Brasil em "underweight", em relatório divulgado pela manhã, após saber do resultado do primeiro turno. O risco-Brasil chegou a subir 0,43%, para 234 pontos básicos, por volta das 12h. Mas, terminou o dia em queda, de 0,86%. Prevaleceu o moderado otimismo.

A CreditSights rebaixou o Brasil não porque seus os analistas preferem Lula, mas porque a "aritmética eleitoral" torna a vitória de Alckmin difícil. "O mais provável cenário é de uma vitória apertada do petista", avaliam. O segundo turno, segundo a CreditSights, serviu apenas para trazer volatilidade, acirrar os ânimos entre os partidos e fazer com que o Lula tenha de enfrentar o "status de fracassado" quando iniciar o segundo mandato. Para a CreditSights, após o segundo turno a oposição a Lula, com força no Senado e na Câmara e com antipatia crescente ao presidente, não estará com disposição para "compromissos", o que tornará mais difícil a aprovação de reformas consideradas necessárias.

O segundo turno prolonga o ambiente de ataques políticos e volatilidade, concorda Alexandre Vasarhelyi, chefe da mesa de câmbio do ING. "Mas, ele tem um lado bom que acabou prevalecendo nos preços, que é manter possível a vitória de Alckmin", disse. O mercado prefere Alckmin, pois o tucano é tido como mais disposto a reduzir os gastos públicos, o tamanho do Estado e a promover um verdadeiro ajuste fiscal. Alckmin é mais favorável, na visão dos investidores, a uma maior independência das agências reguladoras. Além disso, muitos analistas ainda estão preocupados com o risco de que o "verdadeiro Lula" apareceria no segundo mandato, refletindo a ideologia socialista "do velho PT" ou as orientações mais gerais do presidente da Venezuela, Hugo Chavez.

"Tudo aponta para que as eleições sejam decididas de forma muito apertada, quase que voto-a-voto", diz em relatório o economista Ilan Ryfer, da Hedging Griffo. "Numa eventual vitória de Alckmin no segundo turno, as implicações para a economia brasileira devem ser favoráveis, à medida que se atribui ao candidato tucano uma disposição reformista consolidada", diz.

Os partidos de "centro-direita pró-reformas e pró-mercado" ganharam espaço, diz Alexandre Lintz, estrategista chefe para América Latina do BNP Paribas. "A nova cara do Congresso trouxe otimismo", diz. Ele concorda que "o barulho" será maior com a existência do segundo turno, mas não acredita em um desgaste de longo prazo na relação entre os partidos políticos. Após terminado o pleito o caminho para conciliação estará novamente aberto, diz.

A construção de coalizões e articulações políticas astutas terão um importante papel na aprovação de reformas nos próximos quatro anos, segundo relatório da agência de classificação de risco de crédito Standard & Poor´s divulgado ontem. Segundo a S&P, com Lula ou Alckmin, o apoio multipartidário será necessário no Congresso para que o governo consiga avançar nas agendas que podem melhorar a qualidade de crédito no país.

"Sob a presidência de Lula ou de Alckmin, a oposição poderá da mesma forma impedir a passagem de uma legislação", diz a agência de rating. Nenhum dos dois candidatos vai comandar a maioria na Câmara dos Deputados ou no Senado. "Além disso, as leis mais controversas precisam de emenda constitucional", lembra a S&P. Isso significa dupla votação na Câmara e no Senado, com aprovação de maioria qualificada - 308 votos dos 513 da Câmara e 49 dos 81 do Senado. É o caso da ampliação da vigência da CPMF e do mecanismo que dá mais flexibilidade ao orçamento (DRU), que precisam ser votados em 2007.

O PMDB ganhou 89 cadeiras na Câmara e o PT, 83. Com o apoio de todos os integrantes dos partidos aliados do atual governo, conseguem 223 votos. Mas, precisam de 257 para maioria simples e 308 para a qualificada. O PSDB, o PFL e seus aliados atuais têm, juntos, 180 cadeiras. No Senado, Alckmin sai na frente, com 40 votos entre seus aliados, contra 24 de Lula, considerando-se apoio total de toda a base.

A importância de negociar com os governadores dos Estados também foi destacada pela S&P. "Qualquer progresso nas reformas fiscais ou da Previdência, que dependeriam de emendas constitucionais, vão depender também do suporte dos governadores", diz. Para a S&P, Lula terá mais trabalho de convencimento da própria base para aprovar as mudanças do que Alckmin. Mas as coalizões, em ambos os casos, serão fundamentais. "O sucesso da próxima administração vai depender não apenas de sua visão ou suas prioridades, mas também de sua capacidade e determinação para ampliar a capacidade de cooperação entre os partidos políticos e os governos central, estaduais e locais."